RELATO DE CASOS
RELATO DE CASO: METÁSTASE DE CARCINOMA DE MAMA PARA O INTESTINO GROSSO
Case Report: Metastasis from Breast Cancer to the Large Bowel
LÚcio Sarubbi Fillmann FSBCP1; ClÁudia MÜller Pinho2; Henrique Sarubbi Fillmann TSBCP1; Érico Ernesto Pretzel Fillmann TSBCP1
1 Proctologistas do Serviço de Colo-proctologia do Hospital São Lucas da PUCRS; 2 Médica ginecologista.
Resumo: O envolvimento metastático do trato gastrointestinal é relativamente infreqüente. Tumores malignos de mama, entretanto, podem muito raramente produzir metástases para o intestino. Relatamos aqui o caso de uma paciente com quadro clínico compatível com o de um abdômen agudo obstrutivo submetida a laparotomia exploradora com colectomia. O exame anátomo-patológico da peça cirúrgica revelou tratar-se de um carcinoma metastático, sendo que a história clínica da paciente indicava o tratamento cirúrgico prévio de um carcinoma lobular de mama. Nossa revisão da literatura demonstrou que o carcinoma lobular, dentre as neoplasias malignas da mama, é o que mais freqüentemente leva ao comprometimento metastático do intestino, sendo o estômago o local mais afetado. Como a disseminação sistêmica é comum nestes casos, o tratamento conservador, quando possível, é o mais indicado, sendo a cirurgia reservada para as complicações.
Palavras chave: Carcinoma de mama, metástase gastrointestinal, Obstrução intestinal.
INTRODUÇÃO
O carcinoma de mama é um dos tumores malignos mais freqüentes no sexo feminino (1,2).
Indivíduos portadores desta doença encontram-se em
situação de risco para o desenvolvimento de mestástases
à distancia, mesmo após longos períodos de remissão
(2). Mais freqüentemente, tais recorrências ocorrem
no pulmão, ossos, sistema nervosos central e fígado
(3). Entretanto, raramente, uma paciente tratada por
uma neoplasia primária de mama e que se apresenta
com quadro clínico sugestivo de um novo tumor do
trato gastrointestinal pode, de fato, estar desenvolvendo
uma recorrência metastática (1,3,4). Relatamos a seguir
um caso de metástase de carcinoma de mama para o
cólon sigmóide.
RELATO DE CASO
Uma paciente de 91 anos foi atendida no Hospital São Lucas da PUC-RS com quadro clínico de
dificuldade para eliminação de gases e fezes, com
piora acentuada nas últimas 24 horas antes da consulta.
Referia também desconforto abdominal com dor do
tipo cólica e náuseas. Ao exame, observava-se
distensão abdominal, ruídos hidroaéreos aumentados, sem
sinais de irritação peritoneal. Ao toque retal, a ampola
estava vazia, sem massas palpáveis.
Foi solicitado Rx de abdômen agudo que demonstrou moderada distensão do cólon, sem
dilatação significativa do intestino delgado. Imediatamente,
realizou-se enema contrastado que evidenciou área
de estenose localizada no cólon sigmóide que ocluía a
luz intestinal, imagem esta descrita como neoplasia
maligna do intestino grosso obstruída.
A paciente foi submetida à intervenção
cirúrgica de urgência frente a um quadro de abdômen
agudo obstrutivo. Na revisão da cavidade peritoneal,
observou-se lesão de aspecto tumoral, infiltrativa, ao
nível do cólon sigmóide, de aspecto compatível
com neoplasia primária do intestino. Não foram
identificadas outras alterações sugestivas de
disseminação metastática para outros órgãos intra-abdominais
ou peritôneo. Realizou-se a ressecção do cólon
sigmóide com exteriorização do cólon proximal através
de colostomia terminal e fechamento do coto distal
do intestino grosso. A paciente teve evolução
pós-operatória favorável.
O exame anatomopatológico da peça
cirúrgica revelou lesão nodular de 4,8cm de diâmetro
comprometendo a parede do intestino grosso sem
ultrapassar a serosa. Sua extensão em direção à luz
intestinal não ultrapassava o relevo mucoso, estando este
ainda preservado. Associada a esta lesão,
identificavam-se inúmeros óstios diverticulares. A análise
microscópica da lesão evidenciou tecido neoplásico ocupando a
camada muscular do cólon, sem ultrapassar a serosa,
com extensão à submucosa, sem invadir a mucosa,
sugestivo de carcinoma metastático.
A paciente relatava história de
mastectomia parcial com esvaziamento axilar realizados 5 anos
antes para o tratamento de um carcinoma lobular de mama. A lesão apresentava aproximadamente
2,5cm X 1,5cm de tamanho. Do tecido axilar,
removeram-se 11 gânglios linfáticos, nenhum deles comprometido
por neoplasia.
DISCUSSÃO
O câncer de mama é a neoplasia
mais freqüentemente diagnosticada em mulheres no
Brasil (5). A sua progressão de doença localizada
para sistêmica geralmente se manifesta através de
recidivas principalmente nos pulmões, ossos, cérebro e
fígado (3). Alguns relatos na literatura, entretanto,
chamam a atenção para o fato de que, menos
freqüentemente, recidivas tumorais de carcinomas de mama
podem mimetizar tumores primários do trato
gastrointestinal (1,3,4,6,7,8).
Schwartz e colaboradores (4) publicaram em 1998 uma série de 7 pacientes tratadas por câncer
de mama, todas do sexo feminino, com média de idade
de 66 anos, que se apresentaram com doença gastrointestinal sugestiva de neoplasia maligna e
que na evolução do tratamento tiveram o diagnóstico
de metástases do tumor primário do seio. O tempo
médio entre o diagnóstico da lesão primária e o
diagnóstico da metástase foi de 6 anos. Quatro casos tinham
o diagnóstico histopatológico de carcinoma lobular,
um caso de carcinoma ductal e 2 casos de
apresentação intermediária, com componentes ductais e
lobulares. Nesta série, o estômago foi o segmento do
trato gastrointestinal mais afetado, com 6 dos 7 casos
descritos. O cólon foi o sítio envolvido no caso
restante. Endoscopicamente, a ulceração da mucosa se
mostrou um evento raro, já que a recidiva tem
localização preferencial na camada submucosa e muscular.
Na análise histopatológica, observaram-se colunas de
células infiltrando o plano muscular, achado este
descrito como células em "fila indiana". Nesta série, 90%
das pacientes apresentavam evidência de recorrência
da neoplasia de mama em outros órgãos além do
intestino o que se mostrou significativo no planejamento da
abordagem terapêutica, optando-se por
tratamentos sistêmicos e reservando a cirurgia para
complicações como sangramento, obstrução ou perfuração
intestinais.
Na literatura é possível identificar alguns
relatos individuais de metástases de carcinomas de
mama para o intestino grosso. Yokota e colaboradores
(3) apresentaram , no ano 2000, o caso de uma
paciente de 57 anos tratada por um carcinoma ductal invasor
e que, dez anos após a cirurgia, desenvolveu
uma recorrência no cólon ascendente. Rabau e
colaboradores (1) relataram, em 1988, o caso de uma
paciente de 53 anos tratada por um carcinoma lobular de
mama que, após 7 anos do diagnóstico da lesão primária,
apresentou uma recorrência metastática ao nível do
íleo terminal e ceco.
Tais relatos individuais refletem o fato de que
o cólon, raramente é envolvido por doença metastática
de qualquer origem (1,3,4). Estima-se que a incidência
de metástases gastrointestinais de neoplasias
mamárias chegue a no máximo 18% dos casos analisados
(4). Nestes pacientes, o estômago parece ser o
segmento mais freqüentemente comprometido por metástases
(1). Raramente, o tubo digestivo é o único sistema
envolvido pela disseminação tumoral, sendo comum o
diagnóstico simultâneo de lesões em outros órgãos e sistemas
(4). Apesar de o tipo histológico mais comum do câncer
de mama ser o carcinoma ductal invasor, o tipo lobular é
o que apresenta maior tendência a disseminação para
o intestino (4,9). Tais tumores mais freqüentemente
envolvem o peritôneo e retroperitôneo, e , na análise
microscópica, observa-se, seguidamente, células em
anel de sinete (3). O diagnóstico pode ser difícil, uma vez
que a mucosa intestinal freqüentemente está preservada,
com o desenvolvimento da recorrência acontecendo no
plano muscular e submucoso, fato este que compromete
a eficiência da biópsia endoscópica (3). Uma vez que,
na maioria das pacientes, múltiplas metástases em
diferentes órgãos são diagnosticadas, deve-se considerar
que um tratamento sistêmico é o mais indicado,
reservando-se a cirurgia para situações especiais, especialmente
nas complicações intestinais (1,4).
Abstract: Gastrointestinal manifestations of breast cancer are not commom. We report a case of a female patient who was submitted to a laparotomy with clinical and radiological signs of large bowell obstruction. Her clinical hitory showed that she was treated for breast cancer several years before. Pathology indicated that a metastatic carcinoma within the bowell wall was the cause of the obstruction. Previous reports described the lobular carcinoma of the breast as the most commom type of breast cancer to produce bowell metastases. The stomach is described as the most frequent site of this metastatic dissemination. Since sistemic disease is common within these patients, surgical ressection is indicated only in the presence of complications like obstruction or bleeding.
Key words: Breast carcinoma, metastatic carcinoma, intestinal obstruction.
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Endereço para correspondência:
Lúcio Fillmann
Avenida Ipiranga 6690 sala 307; Centro Clínico PUCRS
Porto Alegre/RS
90610-000
Recebido em 27/06/2007
Aceito para publicação em 08/08/2007
Trabalho realizado no Serviço de colo-proctologia do Hospital São Lucas da PUCRS - Porto Alegre / RS.