DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
INTERPRETAÇÃO DAS REAÇÕES SOROLÓGICAS PARA DIAGNÓSTICO E SEGUIMENTO PÓS-TERAPÊUTICO DA SÍFILIS
Treponemal and Non-Treponemal Serological Tests Interpretation for Syphilis Diagnosis and Follow-up After Treatment
SIDNEY ROBERTO NADAL,1 TSBCP; VALÉRIA MARIA DE SOUZA FRAMIL2
1 Professor Voluntário, Doutor da Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Santa Casa de São Paulo; 2 Professora Assistente, Doutora da Clínica de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica da Santa Casa de São Paulo.
RESUMO: A sífilis ainda é freqüente, e quando não diagnosticada e tratada corretamente, poderá causar seqüelas irreversíveis. Desta maneira, faz-se necessário saber quais os exames mais adequados para cada forma da infecção, bem como interpretar os seus resultados. Atualmente, a pesquisa da doença é realizada combinando testes específicos e não específicos, e a maioria dos autores utiliza o VDRL ou o RPR e o FTA-ABS ou o ELISA. Muitos laboratórios têm optado pelo VDRL e o ELISA por serem de fácil execução. Essas reações se tornam positivas a partir da segunda semana após o aparecimento do cancro sifilítico. O VDRL é considerado positivo quando seu título for igual ou superior a 1/16. Títulos inferiores são considerados falso-positivos quando os testes treponêmicos forem negativos. Entretanto, algumas condições estão associadas com VDRL reagente e ELISA não reagente, sem história prévia de sífilis. O VDRL é indispensável no seguimento pós-tratamento da sífilis. Recomenda-se o exame a cada seis meses, até o final do segundo ano. O teste pode permanecer positivo em 6,6% nos casos de doença primária e em 8,39% das formas secundárias 30 meses após o tratamento. Nesses casos, é necessário diferenciar entre a persistência do exame reagente e a re-infecção pelo T.pallidum. Nos doentes infectados pelo HIV, recomenda-se o exame a cada três meses. A reversão do VDRL é similar à dos doentes HIV-negativo e não está relacionada à contagem sérica dos linfócitos T CD4. O resultado falso-positivo foi descrito como 10 vezes mais freqüente nessa população. O exame torna-se negativo após 10 semanas, na maioria dos casos.
Descritores: Sífilis, cutânea. Diagnóstico, métodos. Testes sorológicos.
No início dos anos 90, houve diminuição da
incidência das doenças sexualmente
transmissíveis (DST), provavelmente pelas medidas de prevenção
que provocaram mudanças nas práticas sexuais,
estimuladas pela elevada taxa de morte entre os portadores
da AIDS.1 Todavia, na última década, o número de
casos de sífilis vem crescendo em todo o
mundo,2,3 e esse ressurgimento parece ser decorrente de fatores
que incluem o comportamento sexual de risco, o
aumento do uso de drogas "recreativas", como a
metanfetamina e as que tratam a disfunção erétil, a
internet como meio para encontrar parceiros sexuais e a falsa
sensação de segurança associada à melhora clínica dos
portadores do HIV em uso do coquetel de drogas
antirretrovirais.3 Alguns estudos mostraram que a
sífilis é a DST mais associada à contaminação pelo
HIV3,4,5 e que tem incidência 90 vezes maior nessa
população.4
O diagnóstico laboratorial da sífilis depende
da sua fase de infecção. Os exames incluem a
pesquisa direta em campo escuro do Treponema
pallidum, melhor indicada na fase primária da doença, os
testes sorológicos não-específicos, antilipídicos ou
reagínicos, e os específicos ou
antitreponêmicos.5 Entre os
testes não-específicos, dispomos do VDRL
(Venereal Disease Research Laboratory) e do RPR
(Rapid Plasma Reagin). São testes quantitativos, ambos de baixo
custo, que ficam positivos entre as segunda e quarta
semanas após aparecimento do cancro de inoculação e
apresentando títulos mais elevados nas formas
secundárias, recente latente e tardia. Por serem quantitativos
e a pela tendência de se tornarem negativos entre seis
e 12 meses, são os mais indicados para
acompanhamento pós-terapêutico da
doença.3,5,6 São testes não
específicos, pois detectam anticorpos antilipídicos que
surgem tanto na sífilis como em outras
doenças.7 Os testes treponêmicos, como o FTA-Abs
(Fluorescent Treponemal Antibody Absorption), o
TPHA (Treponema Pallidum Hemagglutinatio
Test) e o teste imunoenzimático (ELISA) são específicos e
qualitativos, nos quais se emprega o antígeno do
T. pallidum.7 Essas reações também se tornam positivas a partir
da segunda semana após o aparecimento do cancro
sifilítico,8 assim se mantendo em todas as fases
evolutivas da sífilis não estando indicadas para o
acompanhamento pós-tratamento da
doença.3,5,9 Atualmente, a
pesquisa para sífilis é realizada combinando testes específicos
e não específicos, e a maioria dos autores utiliza o
VDRL ou o RPR e o FTA-ABS ou o
ELISA.2,10,11 Muitos laboratórios têm optado pelo VDRL e o ELISA
por serem de fácil execução.
Os títulos do VDRL são considerados
positivos quando 1/16 ou superiores.12 Títulos inferiores
são considerados falso-positivos5,10,12
quando os testes treponêmicos forem
negativos.5,10,13 Algumas
condições estão associadas com VDRL reagente e ELISA
não reagente, sem história prévia de sífilis. Títulos
baixos podem ser permanentes, como no lupus
eritematoso sistêmico, na síndrome
antifosfolipídica14 e outras colagenoses, na hepatite crônica e no uso abusivo
de drogas ilícitas injetáveis, na hanseníase, na malária,
na mononucleose, na leptospirose5 ou podem ser
temporários em algumas infecções, vacinações,
medicamentos e transfusões de
hemoderivados.6 Às vezes, pode ocorrer na gravidez e em
idosos.6 As reações
específicas, como FTA-ABS e ELISA, raramente são
falso-reagentes, exceto em casos específicos, como
na borreliose de Lyme, em que o FTA-ABS é positivo e
o VDRL geralmente é negativo.15 Pacientes com
VDRL e ELISA positivos, com história prévia de sífilis de
até 12 meses e que apresentam VDRL com titulação de
1/8 ou inferior, são classificados como portadores da
sífilis latente precoce. Aqueles com VDRL e ELISA
positivos, sem história prévia de sífilis são tidos como
portadores da sífilis latente
tardia.16 A presença de grande quantidade de anticorpos pode evitar que haja
floculação no soro puro (falso-negativo). Nessas ocasiões, a
diluição do soro tornará a reação positiva. Esse
fenômeno é chamado de "efeito prozona" e acontece em 1%
dos doentes com secundarismo sifilítico, não sendo
observado nos testes treponêmicos.17
O VDRL é indispensável no
seguimento pós-tratamento da sífilis. Recomenda-se o
exame a cada seis meses,2,3 até o final do segundo
ano. Os títulos diminuem quatro vezes após três
meses e oito vezes aos seis meses.18 Outros autores
relataram que o teste permaneceu positivo em
16,47%, 11,38% e 6,6% nos casos de doença primária, e
em 27,57%, 17,25% e 8,39% nas formas
secundárias, respectivamente, em seis, 12 e 30 meses após
o tratamento.19 Entretanto, é necessário que se
saiba diferenciar entre a persistência do
exame reagente e a re-infecção pelo
T.pallidum.18 Há dados publicados referindo 63,6% de novas
infecções em pessoas que já a haviam tratado
anteriormente,12 sugerindo que as práticas para o sexo
seguro não vêm sendo respeitadas.
Quando qualquer outra DST é
diagnosticada, incluindo a infecção pelo HIV, a pesquisa
sorológica para sífilis é obrigatória. A presença do
VDRL reagente nos portadores dessa infecção viral foi
descrita entre 2,6 e 8,8% dos
doentes,12,20,21 sendo maior entre os
homens.12 Preocupa a instalação
da neurossífilis, que nesses casos tem resposta
terapêutica mais pobre, e curso mais rápido, quando as
contagens dos linfócitos T CD4 estiverem abaixo de
100/mm3, principalmente naqueles que não fazem uso
da terapia antirretroviral.3,16,22 Ao lado disso, os
doentes HIV-positivo praticam mais sexo sem proteção que
a população
soronegativa,3 inclusive aqueles com
contagens das células T CD4 mais
altas.23 Por essas razões, recomenda-se rastreamento anual para as
DST.3 Elevada prevalência de resultados falso-positivos
e falso-negativos do VDRL tem sido relatada entre
esses casos.
Nos doentes infectados pelo HIV, recomenda-se o exame a cada três
meses.3,16 A reversão do VDRL é similar à dos doentes HIV-negativo e não está
relacionada à contagem sérica dos linfócitos T
CD4,24 embora a evolução seja mais rápida e
agressiva12 e o tratamento mais
demorado.25 VDRL falso-positivo foi descrito como 10 vezes mais freqüente nessa
população.26 Quando isso ocorrer, o teste deve ser repetido
e, na maioria das vezes, torna-se negativo em até 10
semanas.10
Infelizmente, a sífilis ainda é freqüente e
quando não diagnosticada e tratada corretamente,
poderá causar seqüelas irreversíveis. Desta maneira,
faz-se necessário saber quais os exames mais adequados
para cada forma da infecção, bem como interpretar os
seus resultados.
ABSTRACT: Syphilis remains frequent worldwide and, whether misdiagnosed and mistreated, it could cause irreversible sequels. On this way, it is necessary to know what tests are more appropriated for each infection stage and to evaluate their results, as well. Nowadays, disease research is done with specific and non-specific serologic tests and most doctors usually indicated VDRL or RPR and FTA-ABD or ELISA. Most research laboratories are testing with VDRL and ELISA, because they are easier to perform than the others. These serologic tests become positive at the second week after anogenital ulcer appearance. VDRL is considered positive when titles are 1/16 or superior. Smaller titles are considered as false-positives whenever treponemal tests are negatives. However, some diseases are associated to a positive VDRL, while ELISA is negative, without a previous report of syphilis. VDRL is essential to syphilis post-treatment follow-up. This test must be done every six months, until the end of the second year. However, it can remain positive in 6.6% of patients with a primary infection, and in 8.39% of those with secondary forms, until the 30th month after the treatment. In these cases, it is necessary to exclude a re-infection by T. pallidum. In HIV-positive patients follow-up, serologic tests must be performed each three months. VDRL behavior is the same in HIV-negative or positive patients, and T CD4 lymphocytes counts have no influence. A false-positive result is 10 times more frequent in HIV-positive population, becoming negative after the 10th week, in most patients.
Key words: Syphilis, cutaneous. Diagnostic, methods. Serologic tests.
REFERÊNCIAS
1. Fonseca MG, Szwarcwald CL, Bastos FI.
Análise sociodemográfica da epidemia de AIDS no Brasil,
1989-1997. Rev Saúde Publica. 2002;36:678-85.
2. Müller I, Brade V, Hagedorn HJ, Straube E, Schörner C,
Frosch M, et al. Is serological testing a reliable tool in
laboratory diagnosis of syphilis? Meta-analysis of eight external
quality control surveys performed by the german infection
serology proficiency testing program. J Clin Microbiol.
2006;44:1335-41.
3. Marrazzo J. Syphilis and other sexually transmitted
diseases in HIV infection. Top HIV Med. 2007;15:11-6.
4. Chesson HW, Heffelfinger JD, Voigt RF, Collins D.
Estimates of primary and secondary syphilis rates in persons with
HIV in the United States, 2002. Sex Transm Dis. 2005;32:265-9.
5. Gwanzura L, Latif A, Bassett M, Machekano R,
Katzenstein DA, Mason PR. Syphilis serology and HIV infection in
Harare, Zimbabwe. Sex Transm Infect. 1999;75:426-30.
6. Birnbaum NR, Goldschmidt RH, Buffett WO. Resolving
the common clinical dilemmas of syphilis. Am Fam
Physician. 1999;59:2233-40, 2245-6.
7. Lautenschlager S. Cutaneous manifestations of syphilis
: recognition and management. Am J Clin Dermatol.
2006;7:291-304.
8. Avelleira JCR, Bottino G. Sífilis: diagnóstico, tratamento
e controle An Bras Dermatol. 2006;81:111-26.
9. Löwhagen GB. Syphilis: test procedures and
therapeutic strategies. Semin Dermatol. 1990;9:152-9.
10. Wiwanitkit V. Biological false reactive VDRL tests: when
to re-test? Southeast Asian J Trop Med Public Health.
2002;33 Suppl 3:131-2.
11. Mabey D, Peeling RW, Ballard R, Benzaken AS, Galbán
E, Changalucha J et al. Prospective, multi-centre
clinic-based evaluation of four rapid diagnostic tests for syphilis.
Sex Transm Infect. 2006;82 Suppl 5:v13-6.
12. Signorini DJ, Monteiro MC, de Sá CA, Sion FS, Leitão
Neto HG, Lima DP et al. Prevalência da co-infecção
HIV-sífilis num hospital universitário da cidade do Rio de Janeiro
em 2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40:282-5
13. Thakar YS, Chande C, Mahalley AD, Saoji AM.
Seroprevalence of syphilis by TPHA test. Indian J Pathol
Microbiol. 1996;39:135-8.
14. Abo SM, DeBari VA. Laboratory evaluation of
the antiphospholipid syndrome. Ann Clin Lab Sci. 2007;37:3-14.
15. Brauner A, Carlsson B, Sundkvist G, Ostenson CG.
False-positive treponemal serology in patients with diabetes
mellitus. J Diabetes Complications. 1994;8:57-62.
16. Gutierrez-Galhardo MC, do Valle GF, Sá FC, Schubach
Ade O, do Valle AC. Clinical characteristics and evolution of
syphilis in 24 HIV+ individuals in Rio de Janeiro, Brazil. Rev
Inst Med Trop Sao Paulo. 2005;47:153-7.
17. Smith G, Holman RP The prozone phenomenon with
syphilis and HIV-1 co-infection. South Med J. 2004;97:379-82.
18. Brown ST, Zaidi A, Larsen SA, Reynolds GH.
Serological response to syphilis treatment. A new analysis of old
data. JAMA. 1985;253:1296-9.
19. Talwar S, Tutakne MA, Tiwari VD.VDRL titres in
early syphilis before and after treatment. Genitourin
Med. 1992;68:120-2.
20. Singh B, Verma M, Kotru M, Verma K, Batra M.
Prevalence of HIV and VDRL seropositivity in blood donors of
Delhi. Indian J Med Res. 2005;122:234-6
21. Rodrigues EHG, Abath FGC. Doenças
sexualmente transmissíveis em pacientes infectados com HIV/AIDS
no Estado de Pernambuco, Brasil. Rev Soc Bras Med
Trop. 2000;33:47-52.
22. Timmermans M, Carr J. Neurosyphilis in the modern era.
J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75:1727-30.
23. Bachmann LH, Grimley DM, Waithaka Y, Desmond R,
Saag MS, Hook EW 3rd. Sexually transmitted
disease/HIV transmission risk behaviors and sexually transmitted
disease prevalence among HIV-positive men receiving continuing
care. Sex Transm Dis. 2005;32:20-6.
24. Janier M, Chastang C, Spindler E, Strazzi S, Rabian C,
Marcelli A et al. A prospective study of the influence of HIV status
on the seroreversion of serological tests for syphilis.
Dermatology. 1999;198:362-9.
25. Nnoruka EN, Ezeoke AC. Evaluation of syphilis in
patients with HIV infection in Nigeria. Trop Med Int
Health. 2005;10:58-64.
26. Geusau A, Kittler H, Hein U, , Stingl G, Tschachler E.
Biological false-positive tests comprise a high proportion of
Venereal Disease Research Laboratory reactions in an analysis
of 300,000 sera. Int J STD AIDS.2005;16:722-6.
Endereço para correspondência:
SIDNEY ROBERTO NADAL
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 / 23
São Paulo - SP
05415-000
Fone / FAX: (11) 223-8099 / 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 10/09/2007
Aceito para publicação em 23/11/2007
Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.