RELATO DE CASOS
PSEUDOLIPOMATOSE DO CÓLON: RELATO DE CASO
Pseudolipomatosis of the Colon: A Case Report
Carlos Augusto Real Martinez1; Carlos Alberto Fontes de Souza2; Marcelo Ramos Noronha3; Camila Helaehil Alfredo4; Ana Paula Pimentel Spadari4; Priscilla Cecília Mendes Bartocci4; Denise Gonçalves Priolli1
1 Professor Adjunto Doutor do Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista (SP); 2 Professor Assistente da Disciplina de Anatomia Patológica do Curso de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista (SP); 3 Médico Residente do 2º ano do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário São rancisco, Bragança Paulista (SP); 4 Acadêmicas do Curso de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista (SP).
RESUMO: A pseudolipomatose cólica é uma condição benigna, raramente descrita, caracterizada histologicamente pela presença de múltiplas vesículas contendo ar na parede do intestino grosso. Acredita-se que a doença tenha origem iatrogênica, ocasionada pela infiltração de ar através da mucosa cólica durante a realização de procedimentos endoscópicos. O objetivo do presente relato é apresentar um caso de pseudolipomatose cólica, confirmada por meio de estudo histopatológico e imunoistoquímico. Relato do caso: Mulher, 74 anos foi submetida à colonoscopia para investigação de anemia. Apresentava sangramento retal cíclico durante as evacuações, perda ponderal e anemia. O exame endoscópico não mostrou alterações do cólon, detectando apenas mamilo hemorroidário que no momento do exame apresentava sinais de sangramento recente. Três semanas após o exame foi submetida à ligadura elástica do mamilo hemorroidário. Durante a realização do procedimento encontrou-se área sobrelevada na mucosa intestinal, de coloração amarelo-esbranquiçada, com aproximadamente quatro centímetros de diâmetro, localizada na parede posterior do reto, a 13 cm da margem anal que inexistia quando da realização da colonoscopia. Foi realizada biópsia da região alterada da mucosa e ligadura elástica do mamilo hemorroidário. O exame histopatológico demonstrou a presença de inúmeros vacúolos de diâmetro variado, algumas vezes confluentes, localizados na lamina própria da parede intestinal mimetizando tecido adiposo. Notava-se ainda presença de pertuito longitudinal que comunicava a região vacuolizada com a superfície da mucosa cólica. As técnicas histoquímicas e imunoistoquímicas para detecção de gordura no interior das vesículas revelaram-se negativas, permitindo o diagnóstico de pseudolipomatose cólica. Após a ligadura elástica a enferma não mais apresentou sangramento retal, recuperando-se da anemia. Conclusão: A pseudolipomatose do cólon, apesar da raridade, é uma condição que pode ser encontrada após a realização de procedimentos endoscópicos no cólon.
Descritores: Colo, Colonoscopia/efeitos adversos, Lipomatose, Endoscopia, Pseudolipomatose.
INTRODUÇÃO
A pseudolipomatose cólica (PLC) é uma
condição benigna, raramente descrita, de curso
geralmente assintomático, caracterizada do ponto de
vista histológico pela presença de pequenas vesículas
com conteúdo gasoso localizadas na lâmina própria da
parede do intestino grosso de enfermos previamente
submetidos a exames
endoscópicos.1-6 A nomenclatura
da doença foi proposta em 1985 pelo aspecto similar com
a infiltração gordurosa da parede cólica observada
na lipomatose da mucosa intestinal.1 Apresenta etiologia
incerta acreditando-se que possa ocorrer em
conseqüência à infiltração de ar na parede intestinal, a partir
de soluções de continuidade na mucosa cólica
ocasionadas por traumatismos durante a realização do
procedimento endoscópico.1,2,6,8 A enfermidade também ocorre
no estômago e duodeno apresentando prevalência
estimada de 0,02 a 1,7% dos exames
endoscópicos.5 Estima-se que existam pouco mais de 60 casos publicados
de pseudolipomatose acometendo o
cólon.6
O objetivo do presente artigo é apresentar
um caso de PLC após realização de exame
endoscópico retal, confirmado por estudo histoquímico
e imunoistoquímico.
RELATO DO CASO
A publicação deste relato foi autorizada
pelo Comitê de Ética da Universidade São
Francisco (CAAE: 0010.0142.000-07) após Termo de
Consentimento assinado pela doente.
Mulher, 74 anos, branca, obesa, com antecedentes de hipertensão arterial e hipertireodismo,
procurou atendimento queixando-se de fraqueza, inapetência, sangramento retal cíclico as evacuação
e perda ponderal há duas semanas. Ao exame físico
encontrava-se em REG, descorada ++/+++, pulso de
90 b.p.m., PA 160 x 100 mmHg. O toque retal
revelava presença de sangue vivo na luva. Apresentava
ao eritrograma hemoglobina de 9,6g/dl além de
microcitose e hipocrômia. O exame proctológico identificava
mamilos hemorroidários de II grau. A colonoscopia
confirmava o diagnóstico de doença hemorroidária,
sendo o restante do cólon normal. Foi submetida à
ligadura elástica para tratamento da doença. Durante
a retoscopia para a realização do procedimento,
encontrou-se na superfície mucosa da parede posterior
do reto a aproximadamente 13 cm da margem anal,
área irregular, sobrelevada, de coloração
amarelo-esbranquiçada sem sinais de sangramento,
não identificada na colonoscopia prévia. Realizou-se
biópsia do local. O estudo histopatológico do
fragmento biopsiado demonstrou presença de pertuito
comunicando a luz intestinal com a camada submucosa.
Neste local, notava-se a formação de múltiplos vacúolos,
que variavam de tamanho entre 50 a 400 micra de
diâmetro, mimetizando tecido adiposo e sugerindo,
inicialmente, o diagnóstico de lipomatose da parede do reto
(Figuras 1 e 2). Notava-se ainda no córion, infiltrado
inflamatório linfoplasmocitário, edema e discreta fibrose. A
técnica histoquímica do Sudan negro específica para
gordura não mostrava presença de lipídios no interior
dos vacúolos. O estudo imunoistoquímico realizado
pela técnica da avidina-biotina-peroxidase (ABC),
utilizando anticorpo primário anti-proteína S-100,
(Dako, Copenhagen, polyclonal rabbit Anti-S100),
confirmava a inexistência de tecido adiposo no interior das
vesículas, permitindo o diagnóstico de PLC.
Figura 1 - Formação de vesículas nas camadas mucosa
e submucosa da parede cólica - seta (HE-100x). |
Figura 2- Formação de vesículas nas camadas mucosa
e submucosa da parede cólica - seta (HE-400x). Vacuolização da submucosa do cólon (HE 400x). |
DISCUSSÃO
A PLC foi descrita pela primeira vez por Snover et al., em 1985, que caracterizaram a
enfermidade como a presença de vesículas com conteúdo
gasoso na lâmina própria da parede do intestino
grosso.1 A doença foi assim denominada pelo aspecto
histológico semelhante ao da lipomatose intestinal, em virtude
dos vacúolos gasosos encontrados na mucosa
retal mimetizarem ao exame microscópico os adipócitos
presentes na submucosa de portadores de lipomatose
cólica.1
A PLC é uma enfermidade rara,
estimando-se que existam aproximadamente 60 casos
publicados.1,2,3,9-13 Estudos revisando grandes séries
revelam que a PLC pode ocorrer em cerca de 0,02% a
1,7% dos pacientes submetidos a exames
endoscópicos, incidindo com maior freqüência entre a sexta e
sétima década de vida, provavelmente por se tratar do
grupo etário onde os exames endoscópicos do cólon são
realizados com maior
freqüência.1-6 É provável que a
incidência da doença encontre-se subestimada pelo
curso assintomático apresentado pela maioria dos
doentes.10 Em relação ao sexo a prevalência é assunto
controverso, pois enquanto alguns autores encontram
maior acometimento do gênero feminino, outros
descrevem maior prevalência no
masculino.1-3,6
A etiopatogenia da PLC permanece obscura, parecendo tratar-se muito mais de complicação do
exame endoscópico do que uma enfermidade
propriamente dita.6 Atualmente, a teoria etiopatogênica mais
aceita é que a doença tenha origem iatrogênica,
resultante do barotrauma ocasionado pela penetração de gás
na mucosa intestinal durante a realização de
exames endoscópicos.2,4,10 A possibilidade de tratar-se de
doença iatrogênica fica reforçada por estudos
demonstrando que sua incidência é endoscopista
dependente.1,12
Autores sugerem a relação entre PLC e
utilização de endoscópios desinfetados com peróxido
de hidrogênio, uma vez que foi possível reproduzir a
PLC experimentalmente em ratos, por meio da infusão
de peróxido de hidrogênio na mucosa
cólica.14 Contudo, a possibilidade do aparecimento da doença em
doentes submetidos à colonoscopia com
equipamentos desinfetados com outros agentes desinfetantes,
não confirmam esta proposta
etiopatogênica.2-4,10-13
O aspecto endoscópico da PLC é bem
característico. Macroscopicamente observam-se placas
de mucosa de coloração amarelo-esbranquiçada,
elevadas, levemente aderentes, únicas ou múltiplas,
segmentadas ou localizadas. As placas possuem diâmetro
variando de 0,2 cm a 5 cm, situando-se com maior
freqüência no cólon sigmóide e reto, padrões
semelhantes aos encontrados na doente do presente
relato.2,3,5
O exame microscópico apresenta
invariavelmente os mesmos aspectos histológicos.
Vacúolos opticamente vazios, algumas vezes coalescentes,
geralmente localizados no córion entre as criptas
da mucosa cólica. Na maior parte dos casos
descritos os vacúolos medem entre 50 a 600 mm em seus
maiores diâmetros, sendo habitualmente rodeados
por infiltrado inflamatório
mononuclear.1,2,6 Ocasionalmente é possível identificar soluções de continuidade na
superfície epitelial da mucosa cólica próximo à
lesão. Na doente do presente relato, a coloração pelo
Sudan negro permitiu o diagnóstico diferencial com
a lipomatose do cólon, pela inexistência de
conteúdo gorduroso no interior das vesículas. Da mesma
forma o estudo imunoistoquímico, com anticorpos
primários antiproteína S-100, anti-CD31 e
anti-CD34, pode confirmar que as vesículas não se
encontravam preenchidas por tecido gorduroso, bem como não
representavam dilatações
vasculares.6 Estudo realizado anteriormente com emprego de microscopia
eletrônica demonstrou que os vacúolos não são
constituídos por fibras colágenas, bem como não
encontram-se limitados por uma membrana verdadeira,
possuindo em seu interior conteúdo semelhante a
linfa.6 De modo distinto a lipomatose os vacúolos da PLC,
na maioria dos casos, geralmente desaparecem em
cerca de três semanas.2
O diagnóstico diferencial da PLC deve ser
feito com a pneumatose cistóide intestinal, onde a
mucosa cólica apresenta-se com aspecto mamelonado
e edemaciada, sugerindo ruptura das vesículas
com retração da mucosa suprajacente. Ao exame
histológico, a pneumatose cistóide apresenta vacúolos vazios
restritos à submucosa, cercados por células
gigantes multinucleadas e macrófagos, não atingindo a
mucosa cólica a semelhança do que ocorre na
PLC.15 O linfangioma colônico embora possa assemelhar-se
aos vacúolos da PLC apresentam coloração positiva
em técnicas imunoistoquímicas que utilizam CD31
e CD34.16
O tratamento da PLC é conservador, por
se tratar de lesão benigna que desaparece na maioria
dos casos em duas a três semanas sem deixar
seqüelas.2
ABSTRACT: Pseudolipomatosis of the colon is a rarely described benign condition that is characterized histologically by the presence of multiple vesicles containing air, in the wall of the large intestine. It is believed that this disease has iatrogenic origin, caused by air infiltration through the colon mucosa during endoscopic procedures. The objective of the present report was to present a case of pseudolipomatosis of the colon that was confirmed by histopathological studies. Case report: A 74-year-old woman underwent colonoscopy to investigate anemia. She had been complaining about cyclical rectal bleeding during evacuations, weight loss and anemia. The endoscopic examination did not show any abnormalities in the colon and only showed the presence of a single hemorrhoid, which at the time of examination presented signs of recent bleeding. Three weeks after this examination, she underwent elastic ligation of the hemorrhoid. While carrying out this procedure, a whitish yellow raised area was found in the intestinal mucosa. It was approximately 4 cm in diameter and was located on the posterior wall of the rectum at a distance of 13 cm from the anal margin. It had not existed at the time of performing the colonoscopy. The altered region of the mucosa and the elastic ligation of the hemorrhoid were biopsied. Histopathological examination showed the presence of large numbers of vacuoles of varying diameters and sometimes confluent, located in the intestinal wall layer itself. The appearance mimicked adipose tissue. The presence of a longitudinal connection allowing communication between the vacuolized region and the surface of the colon mucosa was noted. Histochemical and immunohistochemical techniques for detecting fat inside the vesicles gave negative results, thus allowing the diagnosis of pseudolipomatosis of the colon. After the elastic rubber band ligation, the patient did not present any further rectal bleeding and recovered from the anemia. Conclusion: Although pseudolipomatosis of the colon is rare, it is a condition that may be found after performing endoscopic procedures in the colon.
Key words: Colon, Colonoscopy/adverse effects, Lipomatosis, Endoscopy, Pseudolipomatosis.
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Endereço para correspondência:
Carlos Augusto Real Martinez
Rua Rui Barbosa, 255 - apto 32.
Santo André, São Paulo, CEP: 09190-370.
E-mail: caomartinez@uol.com.br
Recebido em 22/06/2007
Aceito para publicação em 18/08/2007
Trabalho realizado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco (USF), Bragança Paulista, São Paulo - Brasil.