OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
CÂNCER ANO-RETO-CÓLICO: ASPECTOS ATUAIS III - CÂNCER DE RETO - TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE
Anal Canal and Colorectal Cancer: Current Features III - Rectal Cancer - Neodajuvant Chemoradiation
JÚlio CÉsar M Santos Jr1
1 Secção de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia - Hospital Maternidade Frei Galvão de Guaratinguetá - SP.
RESUMO: O tratamento cirúrgico do câncer de reto era feito por meio de operação via abdominal se o tumor estivesse no terço superior ou abdominoperineal, se o tumor estivesse no terço médio ou inferior, era associado à radioterapia e/ou a quimioterapia. A preservação do esfíncter anal, pelos princípios cirúrgicos vigentes, era limitada e destinava-se aos tumores que estavam acima do alcance do toque digital. As anastomoses baixas, ensaiadas em doenças benignas, foram introduzidas para o câncer, mas somente ganharam destaques com grampeadores mecânicos. Avanços posteriores incorporaram novas concepções sobre a anatomia cirúrgica do reto e seus aspectos oncológicos, provocando alterações operatórias cujos resultados promoveram revisão de conceitos e emancipação da terapêutica. O arsenal farmacológico foi tão ampliado e enriquecido, que o embaraço atual está em escolher e testar as drogas oncológicas disponíveis. Paralelamente aos aceleradores lineares, os avanços na área de computação e produção de imagens radiológicas possibilitaram o planejamento tridimensional do segmento anatômico a ser atingido, com ganhos valorosos para a radioterapia. O maior desafio no tratamento do câncer de reto, superado os aspectos físicos e cirúrgico-anatômicos, continua sendo o controle da recidiva local, ainda que bem inferiores aos observados no passado. Esse progresso ocorreu graças ao avanço tecnológico das imagens ultra-sonográficas e da ressonância magnética que, no campo propedêutico, vêm aprimorando o estadiamento do tumor; à maior definição do uso da terapêutica neo-adjuvante, à técnica cirúrgica de excisão total do mesorreto e ao apuro manual dos cirurgiões.
Descritores: câncer de reto, recidiva local, excisão total do mesorreto (ETM), terapia neo-adjuvante.
A abordagem terapêutica de uma doença,
qualquer que seja ela, pode ser sintetizada num único
objetivo - a cura - independentemente do tipo de
esforço desprendido e da multiplicidade da equipe que
desenvolve os meios para a satisfação plena do objetivo
almejado. Contudo, nem todas as doenças podem
ser assim enquadradas, e a meta se torna em
objetivos dispersos que fundamentam os estudos para as
continuadas buscas dos melhores resultados
terapêuticos para aquela doença.
O câncer de reto está enquadrado no item
em que os "objetivos são dispersos" e, nesse caso, a
mola propulsora dos centros de pesquisas e da indústria
que se afinam e potencializam seus recursos, na
impossibilidade de curar, buscam atender, com indiscutíveis
benefícios para os doentes, os seguintes objetivos:
a. controle local da doença
b. maior sobrevida
c. preservação esfincteriana e
d. melhor qualidade de vida.
A base em que se fundamentam esses objetivos, quase que na totalidade das vezes, é expressa
por classificações em que o parâmetro principal é a
chance de sobrevida do paciente, a qual depende do
tamanho do tumor e de suas características histológicas, em
termos de maior ou menor diferenciação.
A sobrevida é sempre definida em
números percentuais, num período de tempo,
convencionalmente estipulado em 5 anos e que, em alguns casos,
pode ser interpretado como cura.
Uma dessas classificações, para o câncer
de reto, é a de Dukes, proposta em 1930, agrupando
os tumores em 3 classes ou categorias.
Se o paciente tem o câncer cuja classe é
A (tumor ocupa a mucosa e submucosa), a chance de sobrevida por 5 anos ultrapassa 90%; se é classe
B (absolutamente restrito a parede do reto), o
percentual cai para 70% e, se é classe C (quaisquer dos
anteriores, mas com invasão nodal regional), cai para 25%.
Essa e outras classificações contam com
recursos técnicos, dos mais antigos aos mais modernos
e sofisticados _ desde o dedo do cirurgião,
ultra-som intra-retal, tomografia computadorizada, tomografia
de varredura com emissão de pósitron, ressonância
magnética até a ressonância magnética de alta
resolução. Tudo com uma equipe multidisciplinar altamente
especializada e custosa, para que se confeccione um
produto final, cuja aparência, a consistência e a
qualidade, tenham valores que excedam aqueles das
primeiras observações coletadas com a classificação de
Dukes, e que sejam capazes da plena sustentação dos
"objetivos dispersos" ou de sua sintetização no sentido,
não só, de viabilizar diferentes métodos terapêuticos,
mas também a cura do paciente.
O câncer colorretal, sobretudo o câncer do
reto, tem 4 tipos de tratamento _ operação cirúrgica,
radioterapia, quimioterapia e imunoterapia _ que podem
ser combinados, em grupos de 2 ou 3 modalidades,
ao mesmo tempo ou separados, de acordo com a
classificação inicial do tumor.
Duas ou três décadas atrás, o tratamento
do câncer retal incluía a operação cirúrgica a qual
se adicionava a radioterapia convencional _ com extensas lesões de superfície e pouco efeito sobre
a lesão - ou a quimioterapia que dispunha apenas
do 5-fluorouracil1.
Nos anos 60 e décadas anteriores, 80%
das operações dos tumores localizados no reto era a
amputação abdômino-perineal com a colostomia
definitiva, empregando ou não a radioterapia que,
melhorada tecnicamente com o advento de novos
aparelhos (telecobalto/aceleração linear), era administrada
tal como na década de 502.
As experiências nos anos subseqüentes,
inclusive na década de 80, estavam por definir o uso
sistemático da radio-quimioterapia, então no período
pós-operatório, e o quimioterápico (5-FU) era aplicado
em "bolo". No mesmo período, a infusão do
quimioterápico passou a ser contínua, e o momento do uso da
radiação foi sendo transferido para o pré-operatório com as
notáveis vantagens de que o campo irradiado
preservava sua irrigação sangüínea original e era "estéril", pois
era livre de lesões anatômicas e das seqüelas cirúrgicas,
o que proporcionavam a mais efetiva ação dos
raios ionizantes2. O maior entusiasmo com os novos
aparelhos de radioterapia e com as novas técnicas estava
na constatação do desaparecimento, às vezes
completo, do tumor retal, mas a maior decepção se ligava
ao florescimento precoce de metástases distantes.
Nós vivenciamos essa fase e abandonamos
o procedimento quando já tínhamos incluídos, no
estudo, 22 pacientes (dados pessoais). Optamos por
aguardar que "o novo" se firmasse por meio de estudos
procedentes de outros centros com possibilidade de
inclusão, em tempo menor, de maior número pacientes.
No Brasil, os pioneiros foram Reis Neto e
col.3 e Habr-Gama e col.4
Os primeiros, com a pretensão de comparar
o efeito da radioterapia pré-operatória no auxílio do
tratamento cirúrgico do câncer de reto, estudaram 68
pacientes com surpreendentes resultados, não só em
termos de recidiva local como também em sobrevida,
no período de 5 anos, observados entre os que foram
irradiados antes da operação.
Os outros avaliaram o impacto da radioterapia pré-operatória associada à quimioterapia (5-FU
modulado pelo leucovorim) no tratamento de lesões do
reto baixo, potencialmente ressecáveis tendo em vista
a toxicidade, a resposta clínica e patológica, a
recidiva local, a regressão tumoral e a sobrevida global. A
conclusão foi que a modalidade de tratamento
empregada, foi bem tolerável para a
regressão completa da lesão em um número significativo de pacientes (30,5%),
o que possibilitou a preservação esfincteriana em
outros (38%) e significativa diminuição da recidiva local.
Na última década, centrada na presença do
5-FU, o arsenal terapêutico foi enriquecido com o
uso sistemático de moduladores bioquímicos tais como
os antimetabólitos _ nesse caso o ácido fólico - e os
novos análogos da pirimidina, tal como a
capecitabina (como monoterapia facilitada pelo uso oral ou
outras formulações orais como a associação da uracila
com tegafur (combinação
UFT)2,5 ou S1 (derivado da fluoropirimidina combinada com dois inibidores da
degradação: "gimeracil" e
"oteracil")6, ou outras
associações em que se introduziu um alquilante
(oxaliplatina) num esquema tríplice denominado de Folfox
(5FU, oxaliplatina, leucovorim).
Foram 40 anos, no que concerne à terapia adjuvante, o tempo percorrido pelos oncologistas
interessados nos tumores gastrintestinais,
sobretudo, para o adenocarcinoma do intestino grosso, cujo
comportamento biológico difere do congênere que afeta
o estômago. Ao longo desse tempo, as inovações
ficaram restritas às variações na forma de aplicação
do agente e na modulação de dose e de tempo, sem
afastar-se, no entanto, do esquema básico, até então
definido.
As observações, frutos daquelas
experiências, levaram as seguintes conclusões: primeiro, a
infusão contínua do 5-FU associado à radioterapia era
melhor do que a infusão em "bolo", quando a intenção era
reduzir a recidiva local e as
metástases7, todavia, com valores de resultados, mais tarde, postos em
questão8-10, exceto para a toxicidade, e sem afetar a
sobrevida de 5 anos livre de doença ou a sobrevida global;
segundo, a radioterapia convencional, lesiva aos
tecidos circunjacentes e de baixa efetividade sobre o
tumor, foi substituída pelas novas modalidades de emissão
e aceleração da radiação iônica do cobalto
(radioisótopo Co-60). Além disso, os avanços na área de
computação e nas técnicas de produção de imagens
radiológicas ensejaram a construção de máquinas,
possibilitando o planejamento tridimensional do
segmento anatômico a ser atingido, com a grande vantagem
da concentração pontual dos raios gama mais
efetivos, para as células tumorais e menos lesivos para os
tecidos vizinhos. Por outro lado, como
mencionaremos adiante, ficou patente o reconhecimento da
ação potencializadora dos quimioterápicos sobre os
efeitos da irradiação, além de que ficou, também, definido
o melhor momento dessa associação. No entanto,
em terceiro, pode ser observado que a maior conquista
no tratamento do câncer do reto teve seu nascimento
no meado da década de 80, com as
modificações introduzidas pela técnica cirúrgica de excisão total
de mesorreto (ETM), cujo valor é a retirada em bloco
do reto e do tumor, com todas suas estruturas
anatômicas - vasculares, linfáticas e de sustentação local
- intactas11-18.
Os resultados da hábil aplicação desse
procedimento ratificaram a idéia de que, por enquanto, o
futuro do paciente com câncer colorretal parecia se
revelar mais no diagnóstico precoce e na
subseqüente oportunidade do tratamento
cirúrgico19-21.
O sucesso dessa operação, por outro lado,
ficou mais bem definido com a adequada avaliação
pré-operatória não só para determinar, a extensão
crânio-caudal e circunferencial do tumor, como seu
grau histológico de diferenciação e a identificação
de metástase locais, independente ou não de
metástases distantes22-24.
O aprendizado e as habilidades adquiridas pelo cirurgião tornaram-se fatores incontestes de riscos
para os resultados do tratamento do câncer de reto.
Contudo, hoje se sabe, não envolve só a habilidade
manual no desenvolvimento da técnica cirúrgica em
aplicação18,25-34, mas também os conhecimentos
médicos necessários para a adequada seleção dos pacientes
e a familiaridade com os métodos de tratamentos a
serem empregados35.
Não há dúvidas que, dentro desses acertos,
a recidiva local pôde ser diminuída, apenas com o
tratamento cirúrgico (ETM), em mais de 50%
15,28,30,31,33. Desse modo, os métodos auxiliares de tratamento
ficaram destinados para os pacientes de alto risco
para recidiva local, apesar de não haver, ainda, meios
definitivamente apropriados para a inequívoca seleção
de doentes com os "mais baixos riscos", que seriam
dispensados da terapia neo-adjuvante35, como
veremos adiante, ou da certa definição dos que seriam
incluídos por causa do estágio mais avançado do
câncer36. Por isso, pelo menos por enquanto, ficamos com a
expectativa dos criadores da técnica ETM que, baseados
em experiência acumulada ao longo de 20 anos,
disseram que as terapias adjuvantes ou neo-adjuvantes
precisariam ser criteriosamente incorporadas ao referido
método cirúrgico para a definição e escolha do
melhor tratamento para o câncer do
reto17.
Ao longo das últimas duas décadas, a
quarta observação pôs em destaque a crescente
diminuição do procedimento cirúrgico convencional como
opção única de tratamento do câncer de reto; ou seja, a
operação cirúrgica, como opção isolada, diminuiu em
62%, no período de 1980-1989, e em 42%, no período
de 1995-2000. Nesse tempo, a combinação de
operação e radioterapia aumentou de 25 para 40%, a
radioterapia pós-operatória diminuiu de 25 para 4% e a
pré-operatória aumentou de 1 para
35%1. Não houve mudança na distribuição do tumor no que diz respeito
ao seu estadiamento pré-operatório, mas houve
melhora nos resultados do tratamento o que pode ser
atribuído a três fatores: primeiro, à mudança no momento
da irradiação - do pós-operatório para o
pré-operatório; segundo, à maior familiarização com a nova técnica
de ETM e, terceiro, a especialização do
cirurgião37. Esses fatores, em geral, beneficiaram pacientes com
idades inferiores aos 75 anos38, o que de certa forma
introduziu a idade como um critério a mais de
seleção para a o uso de procedimentos neo-adjuvantes.
Houve, de fato, uma mudança geral de comportamento na abordagem do câncer retal, mas não
há indícios de que os métodos propedêuticos e
terapêuticos ideais tenham sido alcançados _ até agora, nem
mesmo fomos capazes de provocar suficiente
sensibilização popular no sentido de ver, como regra, no perfil do
paciente que procura o tratamento o mais precoce
estágio de evolução da doença. Por esta razão, e
principalmente por ela, os princípios de tratamentos
estabelecidos _ mormente os adjuvantes e neo-adjuvantes
_ foram postos em questão ao ser introduzido a
ETM como nova técnica
operatória39, mesmo que ela
tenha sido criticamente avaliada, quando seus autores
propuseram re-exame do papel da ETM no tratamento
do câncer retal17.
Os debates fortalecem a idéia de que
novas estratégias deveriam ser criadas, principalmente
com relação aos pacientes portadores do câncer do reto
que, na classificação TNM, sejam estágios II (T3;
tumor que invade a parede retal, não comprometendo
os linfonodos regionais) e III (qualquer tumor, com
diferentes graus de invasão da parede, mas com
comprometimento de linfonodos regionais) _ sem excluir
do foco de atenção, é óbvio o câncer T1N0 e T2N0 -
para que não se firme a posição radical de que todos
os doentes com câncer de reto sejam encaminhados
para o tratamento neo-adjuvante ou que alguns sejam
sistematicamente excluídos39. Na realidade, embora a
técnica ETM, em mãos hábeis, seja bem superior às
operações convencionais, mesmo quando essas são
associadas às terapias adjuvantes, foi possível pensar,
para muitos pacientes, numa maior redução da recidiva
local. Isso, como já foi mencionado, ensejou a
quinta observação; ou seja, que a quimiorradiação
pré-operatória seria superior à sua introdução pós-cirúrgica,
principalmente para pacientes apropriadamente
selecionados no que diz respeito ao controle local da
doença36,40, mesmo sabendo que isso não incrementou,
significativamente, a sobrevida
global36 e, pior, criou a oportunidade de, no sentido do extremo oposto, optar
pela quimiorradiação como meio terapêutico
único.
Por outro lado, a observação de que a
extensão da ressecção, o estágio de evolução e a maior ou
menor diferenciação do tumor eram fatores prognósticos
relevantes41 ao lado da consideração de que as
terapêuticas adjuvantes ou neo-adjuvantes não estariam
interferindo com a maior ou menor sobrevida ou taxa de
recidiva local, para alguns pacientes; isto é, o tratamento
não passava de paliativo para
curativo42, e motivou o endereçamento mais seletivo da neo-adjuvância.
O sexto aspecto mostrado pelos estudos
dessas últimas décadas foi que a terapêutica
adjuvante bem sucedida para o câncer de cólon, nem sempre
pode ser extrapolada para o câncer de
reto.8
O sétimo acréscimo foi que os vários
estudos sobre os diferentes modos de combinação de
drogas, incluindo tempo e velocidade de infusão, a
associação com a irradiação na terapêutica adjuvante ou
neo-adjuvante, não foram capazes de serem reunidos
ou combinados em um esquema distinto que pudesse
rotineira e universalmente ser eleito para complementar
o tratamento cirúrgico do câncer de
reto8,10. Mostraram, no entanto, que os resultados da aplicação
dos recursos disponíveis, associados à ETM, foram
melhores que os obtidos com as táticas cirúrgicas
antigas; foram melhores quando a comparação foi feita com
a operação como modalidade de tratamento exclusivo
e que, quando a técnica de ETM foi associada
à quimiorradiação, os resultados foram melhores do
que o uso isolado da operação mais quimioterapia ou
que da operação mais radioterapia. Nessa seqüência,
foi também salientado que as combinações químicas e
físicas proporcionaram melhores resultados quando
utilizadas antes da intervenção
cirúrgica8,10,43.
Apesar de tudo isso, ainda falta algo. Assim, como disseram Ramsey e
col.43, "o encaminhamento futuro do tratamento do câncer do reto consistirá,
certamente, na melhoria das técnicas diagnósticas por
meio de imagem e no aparecimento de outras
técnicas diagnósticas capazes de permitir melhor definição
do uso ou da necessidade da terapia adjuvante ou
neo-adjuvante. Estão sob investigação modalidades
múltiplas de terapia em que a radioterapia é combinada
às drogas sistêmicas e aos agentes
biológicos sensibilizadores da radiação que, certamente,
permitirão melhorar o controle local do câncer, e
talvez minimizar a extensão cirúrgica de ressecção, em
situações
selecionadas"43, sem, no entanto, esquecer
que, antes de tudo isso, o diagnóstico deve ser cada
vez mais precoce.
Por enquanto, na expectativa dos futuros
acréscimos, algumas questões têm sido postas para
discussão39.
Tendo em mente o definitivo controle local da doença, a maior sobrevida sem doença, a
preservação esfincteriana e a melhora qualidade de vida, que
tipo de paciente poderia ser selecionado para uma
definida modalidade de tratamento? Quais seriam os
elementos indicadores para a seleção de paciente e qual seria
a acurácia da seleção estabelecida? Estabelecido o
tratamento, a tática definida seria sempre a neo-adjuvante?
Para alguns pacientes o tratamento
cirúrgico poderia ficar num plano de espera após
a quimiorradiação? Em outros, o tratamento seria
apenas cirúrgico? Na composição de tratamento, qual
seria a melhor associação?
Essas são apenas algumas das questões
dentre as que foram levantadas por Moser e
col.39
As respostas poderiam ser resgatadas na literatura médica concernente ou nos conhecimentos
sobre aspectos patológicos do câncer retal, sobretudo
na sua extensão.
É de crucial importância para qualquer
planejamento terapêutico em cada paciente a obtenção de
meios para determinar com exatidão o
crescimento crânio-caudal e circunferencial do tumor; detectar,
independentemente do aspecto transversal e
longitudinal do tumor, as micrometastases de linfonodos, locais e
à distância1.
O estudo patológico da lesão, de tanta
importância, mas que não é comensurável, restringe-nos
à questão do estadiamento de tal maneira que a
acurácia é variável de 62 a 92% para a massa tumoral, e de
64 a 88% para o comprometimento nodal _ resultados
que podem ser atingidos, melhor do que com qualquer
outro método, com a ultra-sonografia
endorretal45 e, na disponibilidade da aplicação, com a ressonância
magnética45.
A ultra-sonografia endorretal é viável (em
termos de ser exeqüível, mas não de ser
universalmente disponível), para quase todos os tipos de lesões,
exceto as muito extensas e
invasivas44,46; para as
estenosantes46 e as que estão muito altas ou as
que ocupam o extremo distal do
reto47-49. Outro aspecto limitante é a experiência do
examinador47,50, e eventual uso de irradiação antes do exame
ultra-sonográfico51,52.
Quando se trata da avaliação dos campos
fora do tumor e, portanto, das metástases
locais (envolvimento nodal) a acurácia do ultra-som
endorretal varia entre 70-75%53,54, melhor que a tomografia e
que a ressonância
magnética45,55,56.
A limitação do método, quando se
pretende comparar com a viabilidade do mesmo para o
tumor, prende-se ao fato de que nem sempre é fácil
localizar a massa tumoral diminuta dentro do nódulo. Os
fatores de referência são a hipoecogenicidade do nódulo,
a aparência com maior ou menor regularidade de
forma, e o tamanho, em geral maior que 1 cm, mas com
a consideração de que os nódulos maiores que 0,5
cm têm de 50-70% de probabilidade de conter
invasão metastática
45,51,57,58 e os menores que 0,4 cm,
cerca de 20%58. Nesses casos, alguns autores dão
maior ênfase para a ressonância
magnética46.
Outro aspecto relevante no momento da avaliação pré-operatória que pode ajuizar a escolha do
procedimento terapêutico é a "definição anatômica"
do reto e a topografia do tumor.
O reto pode ser definido, no adulto, como os últimos 15 cm (não exatamente 15) ou pouco mais
centímetros do intestino grosso acima da margem anal
ou como a parte pélvica do cólon que perdeu o
mesentério e as tênias que perdem a distinção e se tornam
confluentes. Em geral isso ocorre no nível do promontório
do sacro (projeção superior e anterior da primeira
vértebra sacral) ou no corpo dessa
vértebra59. Nesse local, o cólon começa sua aderência à concavidade
ventral do sacro, as tênias não estão individualizadas, não
há mesocólon _ aí começa o reto com suas
curvaturas ântero-posterior e látero-laterais. Estas em número
de três - duas, a superior e a inferior, com
concavidades para a direita e a média com concavidade para a
esquerda. As curvaturas laterais formam a válvulas
de Houston - uma superior e outra inferior, ambas do
lado esquerdo e uma média, do lado direito. Esta,
também chamada de prega de Kohlrausch, coincide com a
reflexão peritoneal, e separa o que seria o
reto extraperitoneal do reto intraperitoneal, além de
definir o limite superior do que se convencionou chamar
de ampola retal. Mas, tratando-se de câncer de reto,
daí até o segmento que complete não mais que 12 cm
da borda anal, no sentido cranial - mais ou menos
abaixo do limite inferior da segunda vértebra sacral,
pouco acima, portanto da reflexão peritoneal - para
alguns autores, termina o reto, que perde, pelo menos 6
cm para o que foi anteriormente descrito.
Essa limitada extensão (12 cm) tem
destacada importância do ponto de vista oncológico, porque a
maior recorrência local do câncer pode estar relacionada
à sua localização no
reto60,61, e porque mais de 80% dos tumores retais são passíveis de serem
tocados62, estando portanto pelo menos 3 cm abaixo dos 12 cm.
A incidência de recidiva local para
tumores abaixo dos 12 cm referidos é da ordem de 68%,
sendo 40% para a metade superior e 28% na metade
inferior. Acima dos 12 cm a incidência se iguala a vista
em outros segmentos do cólon e, em geral, é igual ou
inferior a 9%. Em média, a recidiva local para tumor
acima de 12 cm é de 9,6% e abaixo, é de 30%, não
importando, para uma mesma altura, a localização do
tumor na circunferência do reto - se anterior, lateral ou
posterior63.
As recidivas, relacionadas com tumores mais invasivos, ocorrem ou na anastomose (21%) ou
fora dela (79%), onde, em 93% das vezes, é de
localização posterior e, em 7%,
anterior64.
A observação desses dados estaria
relacionada a fatores anatômicos e cirúrgicos tais como a
ausência da serosa, que seria obstáculo para a mais
fácil infiltração local, o tipo de drenagem linfática (lateral
e inferior), a estreita proximidade da parede do reto
com estruturas vizinhas que impediria mais ampla
ressecção circunferencial do órgão e o exígüo espaço da
pelve inferior60.
No entanto, é preciso realçar que os
tumores menos invasivos, nessas localizações, dos quais se
espera índices menores de recorrências, tais como
os T1N0, quando são abordados de forma
conservadora, põem os pacientes sob riscos 3 a 5 vezes maiores
para recidiva local comparados com os procedimentos
cirúrgicos mais radicais. Assim, a excisão local deve
ser reservada, exclusivamente, para câncer T1N0
considerado de "baixo risco" e o paciente informado da
maior chance para a recidiva local, da necessidade de
acompanhamento criterioso e da possibilidade de uma
nova e mais agressiva
operação65.
A ênfase a esse aspecto, devido à alta
incidência de metástases linfonodais e conseqüentemente
de recidiva local registradas em pacientes com lesão
T1N0, já fora dada por Nascimbeni e
col.66, quando estudaram os riscos de metástase nodais em câncer T1
de reto analisando a invasão por estratos da mucosa
(camada superficial, média e profunda) e o nível de
localização do tumor no reto. Entre os tumores T1,
a metástase linfonodal foi de 13% e os fatores
preditivos para a metástase foi a invasão da camada profunda
da mucosa, células neoplásica na luz vascular ou
linfática67 e o fato do câncer estar localizado no terço
inferior do reto.
Essas observações indicam procedimento
cirúrgico oncológicos para tumor T1N0 com
aquelas características. Para o último parâmetro
(localização no terço inferior), a terapia neo-adjuvante pode ser
uma alternativa de preparo para uma abordagem
cirúrgica localizada, com a preservação do esfíncter
anal65. Opinião semelhante foi expressa por Schäfer e
col.68, numa carta onde comentou o trabalho de Bentrem e
col.65, salientando que a excisão local tem lugar apenas
se for tecnicamente exeqüível em caso
que, comprovadamente, o tumor está no estágio T1 e
definido como de "baixo-risco". Ao contrário, nas
situações em não foi possível a definição de risco a
excisão local e a complementação
terapêutica (radioquimioterapia) só tem lugar nos casos em
que haja contra-indicação para o procedimento
cirúrgico radical68. O mesmo, com muito mais rigor, deve
ser considerado para as lesões
T2N069,70
O melhor meio de avaliação, então
disponível, deixa, em média, na melhor das hipóteses, uma
perda de 20% de casos "positivos" e com pior
prognóstico, pois T1 limitado a mucosa tem relação com
metástase em linfonodos em aproximadamente
20%63. O estadiamento, em algumas circunstâncias é difícil
-18% dos pacientes aleatoriamente distribuídos no estudo
de Sauer e col.36, vistos como sendo estágios III e
IV, pelo exame de ultra-sonografia endorretal, no
pós-operatório, por meio de estudos histopatológicos, foram
re-classificados como estágio I. Todavia, é sobre o que
se discute, sem nenhum cinismo, a composição
terapêutica. São sobre os valores desses resultados que se
têm tentado definir o nível aceitável de recidiva local,
que segundo Moser e col.39, em analogia com outras
doenças malignas, poderiam ser de 5% decorrente
de metástases nodais perdidas nos tumores
considerados, agora, como T1N0 e T2N0, por meio dos exames
disponíveis39.
Seria esse um dos parâmetros para definir
o tratamento e, nesse caso, decidir o uso ou não da
neo-adjuvância. Do ponto de vista técnico e científico
é fácil de ser absorvido, mas difícil de ser explicado
para o paciente, que pode entender, mas não
compreender. Por exemplo, um pai com 70 anos, tratado
cirurgicamente aos 55 anos de idade de câncer de ceco,
acompanhava o filho, então com 45 anos e possuidor de
um câncer do 1/3 médio reto, parede póstero-lateral
esquerda, com 2 cm de diâmetro, depressão central
com largura da polpa digital, bordas elevadas e leve
mobilidade. Na ocasião do diagnóstico, foi feito o
planejamento para o estadiamento do tumor que além do
exame proctológico incluiu o ultra-som endorretal e
a tomografia tóraco-abdominal. Durante os
esclarecimentos, o médico foi questionado sobre a colostomia,
a quimioterapia, a radioterapia, mas, sobretudo sobre
a chance de cura. As explicações foram detalhadas,
para cada um dos itens, nos termos da literatura médica
onde as probabilidades são expressas em
números percentuais, para cada um dos tratamentos ou
associações que poderiam ser definidos de acordo com
os resultados dos exames.
Passada essa fase, o pai respondeu pelo filho, dizendo que, independentemente do resultado
do estadiamento - T1 ou T2 - eles iriam optar por um
conjunto de todos os procedimentos passíveis de
serem associados, porque no seu entender, se o filho
tivesse comprometimento de nódulo não detectado ele
estaria recebendo um tratamento menos eficiente. O
argumento da escolha foi que "os números da sorte ou do
azar oriundos do exercício matemático é um brinde de
destaque na investigação científica" e, por isso,
gostaria que o filho fosse colocado num banco de dados,
não para um tratamento universal, mas sim eleito como
alvo de uma terapêutica exclusiva. Justificou dizendo
que os 5% ou na pior hipótese os 20% do possível
insucesso, mesmo que o tumor fosse considerado T1N0, para
ele e para o filho seria 100%.
O tumor, nesse caso, estava limitado à
parede do reto, penetrando até a parte mais interna da
camada muscular externa, classificado clinicamente
como T2N0M0.
O planejamento cirúrgico foi feito com
terapêutica neo-adjuvante - radioterapia
pré-operatória (34.5 Gy, divididos em 15 doses diárias de 2,3 Gy
em cinco dias por semana), foi aplicada durante três
semanas consecutivas71, associado à quimioterapia
feita com a combinação de 5-fluorouracil e ácido fólico.
A operação constou de
retossigmoidectomia abdominal, com excisão total do mesorreto. Toda
a região peritumoral, crânio-caudal, com margem
distal de 2,5 cm do tumor (a proximal envolveu o terço
médio e distal do cólon sigmóide) e
circunferencial (mesorreto) estavam livres de infiltração
metastática. Todavia, foi observado micrometástase num
nódulo resgatado no trajeto da retal superior,
imediatamente após a emergência do último ramo
sigmoideo (T2N1M0).
O exemplo não invalida qualquer proposição
já feita sobre o estadiamento pré-operatório do
câncer de reto, muito menos põe em questão a acurácia
do ultra-som transretal como aparelho de escolha
para aquele fim; mostra apenas o que está bem
estabelecido pelas expectativas que a experiência já
revelou. Sempre vai haver os casos que escapam da
eficiência dos aparelhos, acrescidos dos que podem surgir,
por um fato, talvez passageiro, mas fator limitante para
o uso do ultra-som, que é a significativa variabilidade
e erros de interpretações do
operador50,51, e a possibilidade real da existência de metástases além da
capacidade física de detecção do aparelho.
Em suma, os recursos adquiridos nas
últimas duas décadas orientam para a melhor definição de
um esquema padronizado no tratamento do câncer de
reto, onde o maior desafio é a recidiva local, mormente
nos casos que são vistos como passíveis de cura. A
ênfase que tem sido dada, dentro desse planejamento,
orienta para a maior divulgação dos métodos de prevenção
e diagnóstico precoce e para o mais acurado
estadiamento da doença que, salvo em situações muito
especiais, deverá sempre ser abordada cirurgicamente, num
momento apropriado após a terapia neo-adjuvante,
com todos os benefícios e desvantagens, que não
são despresíveis39.
O método de estadiamento não dispensa o
exame clínico e os recursos de imagens, com
destaque para o ultra-som endorretal, a ressonância
magnética e, eventualmente, a tomografia como os mais
corriqueiros e relativamente disponíveis,
reconhecendo-se, é óbvio, as limitações de cada um desses exames.
A técnica cirúrgica que deve ser empregada
é a excisão total do mesorreto, com
preservação esfincteriana - com o impositivo de que o cirurgião
deve estar familiarizado com os passos dessa operação,
seja pelo abdômen aberto, seja por via laparoscópica - ou
a amputação abdominoperineal do reto, na
impossibilidade da conservação dos esfíncteres do ânus. A
definição tática das técnicas dependerá da avaliação
pré-operatória e da justa classificação do tumor em
relação ao seu espaço de comprometimento, sua
diferenciação histológica e a possibilidade da extensão
extra-retal, ficando a opção sempre cirúrgica
preservada, independentemente de eventuais metástases
distantes, excetos nos comprometimentos graves em que a
doença não é passível de "tratamento".
Além disso, repetindo o que já foi
mencionado, há os elementos terapêuticos concorrentes
(co-adjuvantes) seja por meio da radioterapia, seja
pela quimioterapia, ou pela associação de ambos com
as vantagens proporcionadas pelo rico arsenal terapêutico à disposição do médico oncologista,
em que o atual e maior desafio, ante essa riqueza de
drogas, é definir a mais promissora
combinação2. No caso do câncer de reto, observa-se uma definição
literalmente fundamentada, no sentido de que o auxílio
concorra por meio da terapêutica neo-adjuvante,
atenciosamente dispensada para o preparo cirúrgico de
todos os tumores localizados nos últimos doze
centímetros do intestino grosso, cujo estádio, no sistema
TNM, pode variar de T1 a T4, enfocando principalmente
os estágios 2 e 3, sem excluir o estágio 1. Essa
conduta deve ser mantida até que se possa ter, por
meios semiológicos, com ou sem o concurso de
técnicas sofisticadas, a possibilidade certa de definir e
selecionar os pacientes portadores de câncer retal que
seja absolutamente T1N0, e que poderão ser
beneficiados com um tratamento conservador, com resultados
semelhantes ao do tratamento radical72. É provável
que esses meios semiológicos, estabelecidos pela
melhor padronização tecnológica do ultra-som transretal
e, com muito mais vantagens, das imagens da
ressonância magnética, com a qualificação almejada, se
tornem indispensáveis para a escolha do paciente e
para a decisão pela terapêutica neo-adjuvante ou
não39. Até então, os pacientes eleitos pelos meios
atualmente disponíveis para excisão local do câncer de
reto, devem ser submetidos ao tratamento radical
associado à terapêutica
neo-adjuvante73, ainda que com reconhecimento do risco da exposição desnecessária
e de que a neo-adjuvância, per se, promove
respostas favoráveis passíveis de serem detectadas e
qualificadas por meio de análises histopatológicas
dos espécimens
cirúrgicos69,70.
ABSTRACT: The management of locally advanced rectal cancer was done by surgery followed by radiotherapy and/or 5-fluorouracil chemotherapy. Anterior resection with sphincter-sparing was devised for removal malignant disease on the upper third of rectum and abdominoperineal resection was done for cancer of middle or distal rectum. However, rectal cancer has prominent tendency to recur locally which is often catastrophic _ it is a very symptomatic and debilitating disease. On rectal cancer, this is the major threats for patients afflicted, in such a way that the prevention of local recurrence is one of the main goals of rectal cancer surgery. This has been possible with advances that it was brought because of surgical techniques improvement by total mesorectal excision (TME), because of wide variety of oncological drugs, because of role of endoscopic ultrasound and magnetic resonance imaging in the evaluation of rectal cancer, and the acquired knowledge on preoperative chemoradiation as a neoadjuvant therapy.
Key words: Rectal cancer, total mesorectal excision (TME), neoadjuvant therapy.
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Endereço para correspondência:
Júlio César M Santos Jr
Instituto de Medicina
Av. Ministro Urbano Marcondes, 516
12515-230 Guaratinguetá, SP
E-mail: instmed@provale.com.br
Trabalho realizado no Hospital Maternidade Frei Galvão de Guaratinguetá, SP - Brasil.