DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
INDICAÇÕES DA VACINA CONTRA O PAPILOMAVIRUS HUMANO
Indications for Human Papillomavirus Vaccination
Luis Roberto Manzione Nadal1; Sidney Roberto Nadal2
1 Acadêmico da Liga de Coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2 Supervisor de Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
RESUMO: Estima-se que 20% da população adulta esteja contaminada pelo Papilomavírus humano (HPV) e que anualmente surjam 500 mil novos casos de câncer da cérvix uterina, 70% deles em países em desenvolvimento, além de inúmeros casos de carcinoma anal, quase todos relacionados ao vírus em questão. Esses dados indicam a necessidade de reforçar a prevenção desses tumores e suas lesões precursoras, e as vacinas oferecem essa oportunidade. Dispomos de produtos que imunizam contra os tipos virais 16 e 18, mais freqüentes nos carcinomas, e 6 e 11, relacionados às verrugas anogenitais. Estão indicados em mulheres dos 11 aos 25 anos de idade desde que não tenham contato prévio com a infecção viral. Conferem imunidade superior à da imunização naturalmente adquirida, embora o tempo de duração dessa imunidade não está bem estabelecido. Por enquanto, não é indicada para homens. A vacinação não afasta a necessidade dos exames periódicos para rastreamento do câncer anogenital.
Descritores: Infecções pelo Papilomavírus, Neoplasia intra-epitelial, prevenção e controle, Papilomavirus, vacina, Carcinoma de células escamosas.
As estimativas mundiais indicam que 20% dos indivíduos sadios estão contaminados
com papilomavirus humano (HPV).1 A maior parte das
infecções é
assintomática2, e o principal ônus dessa
infecção é o câncer cervical. Estima-se, ainda, que
surjam 500.000 casos novos por ano, dos quais 70%
ocorrem em países em
desenvolvimento,1 e que está associado a 90% dos carcinomas espinocelulares
(CEC) anais.3,4 Além disso, acredita-se que tenha
provocado 260 mil mortes ao redor do mundo, em
2005,2 sendo a causa mais comum da letalidade por câncer
em países em desenvolvimento.2,5 Também,
imagina-se haver entre 10 a 20 lesões precursoras para cada
um desses tumores, o que confirma haver
contingente muito grande de indivíduos afetados pelo
HPV.1 Essas condições fazem dessa infecção um problema
de saúde pública mundial, tornando obrigatória a sua
prevenção.
A contaminação só pode ser efetivamente
evitada com abstinência sexual completa para todas
as práticas sexuais, porque os preservativos não
garantem proteção total e o HPV pode ser transmitido
mesmo por atividades sexuais sem
penetração.6 É
relatado que os métodos atuais de prevenção, uso de
preservativos e os métodos de rastreamento, venham
diminuindo a incidência do câncer
genital e que mais de 90% das lesões detectadas no colo uterino são
removidas ao longo de dois anos.2
Entretanto, é necessário conter de forma
na eficaz o alastramento da infecção pelo HPV e
das suas seqüelas, incluindo as verrugas anogenitais e
o câncer genital e seus precursores, e a imunização
preventiva oferece essa oportunidade.7 As vacinas
contra o HPV atualmente disponíveis cobrem os
sorotipos 16 e 18 e, no caso da quadrivalente, também os 6
e 11.2,3,8 Esses tipos são responsáveis por 90% das
verrugas, por 70% dos carcinomas e lesões
pré-cancerosas de alto grau, e 35-50% das lesões
anogenitais de baixo grau.9 São elaboradas a partir das
cápsulas protéicas vazias produzidas por
tecnologia recombinante, as partículas vírus-like (VLP), que
não contêm DNA ou produtos biológicos, sendo por
isso não-infectantes.2,3
Diretrizes publicadas recentemente pelo Center for Disease Control
(CDC), de Atlanta, estabeleceram, como rotina, a vacina
quadrivalente, atualmente a única aprovada pelo
Food and Drugs Administration (FDA)
americano.3 Ela não alterou o curso da doença pré-existente, mas protegeu o
indivíduo das cepas as quais não foi
exposto.10 Uma vez que a infecção é geralmente adquirida logo
após o início da vida sexual, a vacina é recomendada
para mulheres que ainda não iniciaram essa
atividade.11 A idade sugerida para vacinação é aos 11 e 12
anos, podendo ter início a partir dos 9 anos. São
aplicadas três doses intramusculares com intervalos de dois
e seis meses após a primeira.3 Mulheres de 13 a
26 anos de idade que não tenham sido previamente
vacinadas ou que não tenham recebido as três
doses durante o período de um ano, quando tinham
entre 11 e 12 anos, também podem ser imunizadas.
Mulheres mais velhas que ainda não tenham
experiências sexuais podem ser beneficiadas. Embora a
duração da imunidade seja desconhecida, as
vacinas foram efetivas na prevenção da infecção e das
doenças induzidas pelos genótipos virais específicos
nas mulheres sem passado ou evidência da infecção
pelo vírus, durante pelo menos cinco
anos.2,11 Por outro lado, apenas 50 a 60% das mulheres
desenvolvem anticorpos contra o HPV naturalmente
adquirido.2 Entretanto, estudos planejados pela indústria
farmacêutica seguirão as mulheres vacinadas durante
pelo menos 14 anos para avaliar a duração da
imunização e determinar quando doses de reforço
deverão ser feitas.3
Conforme os dados do estudo FUTURE II, a vacinação não modificou a história natural da
infecção pelos HPVs pré-existentes, mas protegeu contra
as cepas aos quais não havia exposição
prévia.10 Essa observação ressaltou a necessidade da
imunização antes do início da atividade sexual. Dessa forma,
avaliando sobre a ótica dos sistemas de saúde pública
das regiões mais pobres, a prioridade deve ser vacinar
pré-adolescentes, embora a imunização das meninas
mais velhas e das mulheres mereça
atenção.10
Não há estudos conclusivos sobre a sua
eficácia em maiores de 26 anos. Todavia, a vacina
bivalente mostrou-se eficaz em mulheres com até 45
anos.12 Além disso, as diretrizes destacam a possibilidade
da vacinação daquelas que estejam contaminadas
pelo HPV, ou que já tenham tido um resultado anormal
ou indefinido de exames citológicos ou histológicos.
No entanto, deverão ser alertadas de que os dados
dos estudos clínicos não indicaram efeito terapêutico
sobre lesões cervicais, verrugas genitais ou infecção por
HPV já existente.3 Por ser uma vacina não-infectante,
a quadrivalente poder ser aplicada na vigência
de imunossupressão fármaco-induzida, porém, a
resposta imune e a eficácia vacinal serão
menores.3 Sua aplicação em gestantes está contra-indicada pela
possibilidade de alterações no desenvolvimento do
feto.3 Exames de Papanicolaou ou para detecção do DNA
viral ou de anticorpos contra o HPV não são
necessários antes da vacinação em qualquer
idade.3
Apesar de existir comprovação sobre
a imunogenicidade e segurança da vacina em
meninos entre 9 e 15 anos, não há ainda dados a respeito
da eficácia em homens de qualquer idade, não sendo
recomendada para indivíduos do sexo
masculino.13 Entretanto, acredita-se que a mulher é contaminada
pelos homens com lesões penianas e estima-se que a
vacinação possa reduzir 10% das consultas das clínicas
de doenças sexualmente transmissíveis (DST), o que
justificaria sua indicação no sexo
masculino.14 Também não foi testada nos portadores do vírus
da imunodeficiência humana (HIV), de desnutrição,
de malária intercorrente e de infecção por
helmintos.2
A vacina, porém, tem outras restrições.
Deve ser evitada na vigência de afecções febris, sendo
postergada até a resolução do
quadro.3 Há contra-indicação para indivíduos com antecedentes
de hipersensibilidade ao levedo, uma vez que se
comprovou risco mínimo de anafilaxia em pessoas com
história de reação alérgica a
Saccharomyces cerevisiae3 ou a qualquer outro componente do
produto.3 Somado a isso, foi relatada síncope após vacinação,
principalmente entre adolescentes e adultos jovens, sendo
recomendada a observação durante 15 minutos após
a aplicação3.
Ainda são necessários estudos que
determinem a idade ideal para iniciar a vacinação, qual o
tempo de imunização, a eficácia em homens e nos
indivíduos já infectados pelo HPV e naqueles
contaminados pelo HIV. É importante ressaltar que a vacinação
não afasta a necessidade dos exames de rotina
para rastreamento do câncer cervical.
ABSTRACT: Many studies estimate that 20% of people are infected by human papillomavirus (HPV) worldwide, and 500.000 new cases of cervical carcinoma appear yearly, 70% in developing countries, almost all associated to this virus, as so several cases of anal carcinoma. These data indicate the necessity of reinforced screening for anogenital carcinomas and their precursors, and vaccines offer this opportunity. Nowadays, there is vaccination against viral types 16/18, the most associated to neoplasia, and 6/11 that provoke condylomas. Vaccines are indicated to women among 11 and 25 years old since they did not have previous contact with HPV. Vaccines induce immunization superior to that naturally acquired, although, its duration period is not well established. They are not yet indicated to males. Vaccination does not exclude necessity for periodical screening tests for anogenital cancer.
Key words: Papillomavirus infections, Intra-epithelial neoplasia, prevention and control, Papillomavirus, vaccine, Carcinoma, squamous cell.
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Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 - Apto. 23
São Paulo (SP) - Brasil - CEP 05415-030
Tel./Fax (+55 11) 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br
Trabalho realizado pela Liga de Coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.