ARTIGOS ORIGINAIS
DOENÇA DE CROHN - FATORES DE RISCO PARA RECIDIVA NO PÓS-OPERATÓRIO
Crohn's Disease - Risk Factors for Surgical Recurrence
IDBLAN CARVALHO DE ALBUQUERQUE2, RODRIGO BRITTO DE CARVALHO1, JULIANA MAGALHÃES LOPES1, ANDRÉ LUIGI PINCINATO1, ELISÂNGELA PLAZAS MONTEIRO2, GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA3
1 Médicos residentes de Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis; 2 Médicos assistentes do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis; 3 Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.
RESUMO: Apesar dos avanços na compreensão da doença de Crohn, os fatores determinantes da recidiva no pós-operatório permanecem especulativos. O objetivo deste estudo foi analisar retrospectivamente os fatores preditivos da recidiva na doença de Crohn no pós-operatório. Métodos: foram analisados 45 pacientes com diagnóstico de doença de Crohn, submetidos ao tratamento cirúrgico, avaliando recidiva da doença e fatores como idade, sexo, raça, tabagismo, localização, padrão anatomo-clínico, indicação cirúrgica, tipo de anastomose. Resultados: em 67,7% dos pacientes houve recidiva da doença sendo a causa mais freqüente a forma fistulizante; 64,6% foram operados três vezes ou mais (p=0,002). Doentes com quadro de perfuração apresentaram maior número de reoperações, três ou mais operações, em 63,6% (p=0,003). Conclusões: Quadro de perfuração e forma fistulizante da doença determinaram maior número de recidiva nos pacientes estudados.
Descritores: doença de Crohn, cirurgia, fatores preditivos, recidiva.
INTRODUÇÃO
Mesmo diante dos avanços na
compreensão da etiopatogenia da doença de
Crohn (DC) e de novas opções terapêuticas para o manejo clínico, a
grande maioria dos doentes (50_70%) necessita de
operação intestinal na evolução da
doença1, e um número
variável destes (33 a 82%) terá a experiência da
recidiva no seguimento pós-operatório
2, 3.
Desde a publicação de Crohn et al, em
1932, muitos pesquisadores têm identificado fatores
clínicos preditores de recidiva no pós-operatório, porém
com resultados conflitantes quanto a sua importância
na determinação da recidiva4,
5.
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi relatar a experiência do serviço com os fatores
de risco que influenciam na recidiva da doença de
Crohn no pós-operatório.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo retrospectivo descritivo foi realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital
Heliópolis, São Paulo _ SP, de dezembro de 1998 a dezembro
de 2006, em pacientes com diagnóstico de doença
de Crohn, submetidos a tratamento cirúrgico.
Os dados foram coletados através de
revisão rigorosa de prontuários médicos. As variáveis
avaliadas foram idade, sexo, raça, tabagismo, tempo de
diagnóstico, padrão anátomo-clínico, localização da doença,
motivo da primeira operação, recidiva no
pós-operatório, número de procedimentos cirúrgicos e o tipo
anastomose. Com relação ao motivo da primeira cirurgia, os
pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro grupo
com diagnóstico de perfuração livre, perfuração
bloqueada com abscesso e perfuração crônica com fistula
interna ou externa e o segundo grupo, sem perfuração.
Todos os doentes foram submetidos à
cirurgia por cirurgiões assistentes da mesma equipe e o
diagnóstico de DC foi estabelecido em função do
exame clínico e dos achados radiológicos, endoscópicos
e anátomo-patológicos. O seguimento foi realizado
em ambulatório específico de doença inflamatória
intestinal. Foram excluídos os doentes que não fizeram
no mínimo uma consulta no período de um ano. Os
dados obtidos foram inseridos no programa Epi info 3.2.2,
e submetidos aos testes estatísticos do Qui-quadrado
e T-students, com p estatisticamente significante
quando menor que 0,05.
RESULTADOS
Dos 45 doentes operados com diagnostico de DC neste período, a idade variou de 22 a 80 anos
com média de 47,4 anos, sendo 62,2% do sexo feminino
e 37,8% masculino (Figura 1).
Figura 1 - Distribuição dos pacientes por sexo. |
Figura 2 - Distribuição dos pacientes por raça. |
Figura 3 - Distribuição dos pacientes segundo o padrão
anátomo-clínico. |
Figura 4 - Recidiva no pós-operatório. |
DISCUSSÃO
A doença de Crohn é uma doença
inflamatória crônica transmural de etiologia desconhecida, que
pode acometer qualquer parte do tubo digestivo,
extendendo-se da boca ao ânus 6. A descrição da doença foi
feita, em 1932, por Burrill B. Crohn7 e desde então
várias teorias têm sido propostas na tentativa de
estabelecer sua etiologia8.
Entre 74 a 96% dos pacientes
necessitarão do tratamento operatório no decorrer da vida,
porém as recidivas são freqüentes após a primeira
operação, chegando a 30% em 10 anos e 50% em 15 a
20 anos7. Embora a recidiva seja comum, seus
fatores determinantes permanecem pouco
compreendidos4,9,10. Vários fatores de risco têm sido
associados à recidiva da DC. No estudo de Sachar et al
observou-se que a forma fistulizante da doença é mais
agressiva, apresentando recidiva precoce e maior
número de
intervenções11. Em nossa série, os pacientes
com forma fistulizante apresentaram maior recidiva
cirúrgica, sendo que 64.6% operaram 3 ou mais
vezes (p=0,002).
Outro fator de risco descrito na literatura é
o tabagismo, associa-se não só ao risco de
desenvolver a doença como também de recidiva após a
cirurgia6,12. Sutherland et al reportaram maior recidiva em 10
anos em fumantes (70% fumantes versus 41% não
fumantes)12. O tabagismo, em nosso trabalho, não
influenciou na recidiva da doença.
Com relação ao motivo da cirurgia muitos
estudos classificam a doença, de acordo com a
indicação da cirurgia, em dois quadros distintos. O primeiro
por perfuração, mais agressivo e o segundo,
não perfurativo13,14. Lautenbach et al, em estudo com
88 doentes, evidenciaram que a indicação por perfuração
foi fator preditivo para menor tempo de recidiva da
doença (p<0,001)2. Na casuística apresentada não houve
relação entre a indicação da cirurgia e o tempo para
recidiva. Porém na indicação por perfuração, constatamos
que pacientes com indicação por quadro de perfuração
apresentaram maior número de recidivas, sendo operados
três ou mais vezes em 63,6% dos casos
(p=0,003).
Em relação ao tipo de anastomose,
observa-se que anastomose mecânica apresenta menor
recidiva da doença. Hashemi et al, em estudo com 27
pacientes com anastomose término-terminal manual
e 42 com anastomose grampeada, demonstraram 2% de
recidiva no grupo com anastomose mecânica e 47% no
grupo com anastomose manual
(p=0,007)15. Confirmando este achado, em nosso trabalho verificamos que
pacientes com anastomose manual apresentaram
recidiva maior, uma taxa 62,5%, porém sem significância
estatística (p=0,41).
CONCLUSÕES
Na casuística apresentada, o padrão
anátomo-clínico fistulizante e o quadro de perfuração
intestinal são fatores preditivos de recidiva da doença de
Crohn no seguimento dos doentes operados.
ABSTRACT: Despite the advances in the understanding of Crohn´s disease, the determinants of surgical recurrence remain speculative. The aim of this study was to examine retrospectively the factors affecting post-operative recurrence of Crohn's disease. Methods: The following factors were investigated in 45 patients submitted to surgery for Crohn´s disease: age, sex, race, smoking, anatomical site of involvement, type (inflammatory, fibrostenotic, or fistulizing), indication for surgery and anastomotic technique. Results: Recurrence occurred in 67,7% patients. Patients fistulizing Crohn´s disease had undergone three or more surgical procedures, 64,6% (p=0, 002). Perforating indication for initial surgeryPatients with perforation presented the greatest number of reoperations, three or more surgical procedures in 63,6% (p=0,003). Conclusions: Perforationg and fistulizing type in Crohn's disease estabilished the major cause of recurrence in the patients studied.
Key words: Crohn's disease, surgery, predictive factors, recurrence.
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Endereço para correspondência:
IDBLAN CARVALHO DE ALBUQUERQUE
Rua Cônego Xavier, 276 _ Vila Heliópolis.
04231-030 - São Paulo-SP
Tel: (11) 2274-7600 (Ramal 244)
e-mail: idblan@uol.com.br
Recebido em 16/08/2007
Aceito para publicação em 16/11/2007
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.