ARTIGOS ORIGINAIS
RECIDIVA PÉLVICA DE ADENOCARCINOMA DE RETO - ABORDAGEM CIRÚRGICA
Local Recurrence of Rectal Cancer - Surgical Approach
Raquel Franco Leal1; Maria de Lourdes Setsuko Ayrizono2; JoÃo JosÉ Fagundes2; Priscilla de Sene Portel Oliveira3; Sandro Nunes Ângelo4; ClÁudio Saddy Rodrigues Coy2; Juvenal Ricardo Navarro GÓes5
1 Mestre em Cirurgia, Residência Médica em Coloproctologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); 2 Professor Doutor, Grupo de Coloproctologia - DMAD - UNICAMP; 3 Residente de Cirurgia Geral - UNICAMP; 4 Pós-graduando em Cirurgia pela UNICAMP; 5 Professor Titular, Coordenador do Grupo de Coloproctologia, DMAD-UNICAMP - Campinas - São Paulo - Brasil.
Resumo: A recidiva pélvica após ressecção cirúrgica do câncer do reto varia de 3% a 35% em cinco anos. A condição é de difícil manejo, sendo discutível o melhor tratamento. A radioterapia e quimioterapia podem ser utilizadas como métodos paliativos, e os melhores resultados podem ser conseguidos com a cirurgia radical. Objetivo: Avaliar os doentes que foram submetidos à cirurgia por recidiva pélvica no Hospital das Clínicas da Unicamp, pelo Grupo de Coloproctologia. Casuística e Métodos: Entre 1999 e 2007, 26 doentes com recidiva pélvica após cirurgia para ressecção de câncer do reto foram avaliados. Dados clínicos, estadiamento oncológico, cirurgia realizada inicialmente, ressecabilidade cirúrgica da recidiva e seguimento foram analisados. Resultados: A cirurgia inicial mais comum foi a retossigmoidectomia com anastomose colorretal (46,1%). Cinco de 26 doentes apresentavam perfuração tumoral na primeira cirurgia. Linfonodos positivos foram encontrados em 53,8% dos casos, e 69,2% eram T3 ou T4. Com relação à abordagem da recidiva local, a principal cirurgia realizada foi amputação abdominoperineal do reto. A cirurgia foi considerada radical em 42,3% dos 26 doentes. A ressecção do tumor foi possível em 65,4%. O seguimento médio foi de 29,4 meses, com sobrevida global de 34,6%. Conclusão: Aproximadamente dois terços dos casos com recidiva local puderam ser submetidos à ressecção visando cura, com melhora na sobrevida. Esta abordagem cirúrgica deve ser encorajada em hospitais que possuem grupos multidisciplinares especializados, para a melhora da qualidade de vida de doentes selecionados.
Descritores: Adenocarcinoma retal, recidiva local, cirurgia pélvica.
INTRODUÇÃO
A recidiva pélvica do câncer do reto
constitui grande desafio no seu tratamento, podendo
cursar com altas taxas de morbimortalidade,
envolvendo elevado custo econômico. A ressecção
cirúrgica do segmento acometido com adenocarcinoma
retal aliada à excisão total do mesorreto (ETM), além
da neoadjuvância, tem sido preconizada para o
tratamento desta afecção, com redução das taxas de
recidiva local. (1,2,3,4,5,6)
No entanto, a recidiva pélvica após
ressecção curativa do câncer retal, continua influenciando
na sobrevida dos doentes, e constituindo importante
causa de morbidade pós-operatória. Entre 3% a 35%
dos doentes evoluirão com recidiva
local. (3,5,6,7,8) Os fatores que estão implicados nas diferentes taxas de
recidiva observadas na literatura, são aqueles
relacionados à técnica operatória e à própria biologia do tumor.
O estadiamento inicial da neoplasia é um dos fatores
relacionados à biologia tumoral, sendo considerado o
mais importante. (7) Outros, como margem cirúrgica,
distância do tumor em relação à linha pectínea,
diferenciação celular, ocorrência de tumor perfurado,
tratamento neoadjuvante e a experiência do cirurgião estão
envolvidos com a recidiva local, e podem dificultar a
comparação dos resultados.
Apesar de haver grande aceitação por
parte dos cirurgiões para indicação de ressecção
de metástases pulmonares ou hepáticas, o mesmo
não ocorre para recidiva local do câncer do reto. No
entanto, este procedimento é, na maioria dos casos, a
única opção que pode alterar o prognóstico de maneira
significativa dos doentes. (8,9,10)
A sobrevida em cinco anos nos casos de recidiva pélvica sem intervenção cirúrgica é menor
que 5%, e o tempo médio de sobrevida é de sete
meses. (11) A sobrevida com ressecção cirúrgica varia de 20 a
30% em cinco anos. (12,13) O tratamento com radioterapia
e quimioterapia são métodos paliativos para os
sintomas de dor pélvica, e o tempo médio de sobrevida é de 10
a 17 meses nestas situações. (11,14)
Aproximadamente 50% dos doentes com recidiva pélvica de adenocarcinoma retal apresentam
o tumor apenas na pelve, sem evidência de metástases
à distância, e são potenciais candidatos para a
excisão
cirúrgica.(15,16,17,18) O procedimento cirúrgico pode
envolver exenteração pélvica total até sacrectomia,
devendo ser realizado por equipe cirúrgica habilitada
e em casos selecionados. (19,20,21)
O objetivo deste estudo foi analisar os casos de recidiva pélvica operadas pelo Grupo
de Coloproctologia - Unicamp, destacando os
aspectos clínicos, cirurgias realizadas e seguimento dos
doentes.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Realizou-se estudo retrospectivo de 26 doentes operados de recidiva pélvica no período de 1999
a 2007, sendo 73,1% do sexo masculino, com média
de idade de 51,8 (32 - 70) anos no momento da
cirurgia. Destes, 10 eram provenientes de outros Serviços.
Os outros 16 recidivaram a partir de um total de 241
doentes portadores de adenocarcinoma retal operados
na Unicamp, onde de rotina, além da neoadjuvância,
são feitas excisão total do mesorreto e linfadenectomia
lateral em casos selecionados. Todos os tumores
iniciais localizavam-se nos 10 cm distais do reto. Foram
avaliados os dados epidemiológicos, tipo de ressecção
na primeira cirurgia, diagnóstico anatomopatológico,
tipo de abordagem cirúrgica da recidiva pélvica e
acompanhamento pós-operatório.
RESULTADOS
Foi realizada radioterapia antes da primeira
cirurgia em todos os doentes operados neste Serviço
e apenas em quatro vindo de outros. Quanto
à quimioterapia pré-operatória, todos os doentes
deste Serviço foram submetidos ao tratamento, enquanto
a mesma foi realizada em três dos outros.
Em relação à cirurgia inicial, 12
doentes (46,1%) tinham sido submetidos à
retossigmoidectomia e anastomose colorretal, 10 (38,5%) à
amputação abdominoperineal do reto, dois (7,7%) à cirurgia
de Hartmann, e outros dois (7,7%) à retocolectomia
total com anastomose ileoanal (Figura 1).
Figura 1 - Cirurgias realizadas inicialmente para abordagem
do adenocarcinoma retal. |
Figura 2 - Aspecto do PET-CT (corte transversal) de doente
com recidiva pélvica de adenocarcinoma retal. |
DISCUSSÃO
A taxa de recidiva pélvica local de adenocarcinoma retal tem reduzido de modo
significativo com o emprego da radio e quimioterapia
pré-operatórias e técnicas cirúrgicas como a excisão total
do mesorreto. (2,22) Entretanto, apesar do
tratamento oncológico otimizado, uma proporção de doentes
cursarão com recidiva pélvica. Em 50% dos casos
não haverá outro sítio da doença, além do tumor
pélvico. Adicionado a este fato, além da radio e
quimioterapia paliativas, existe apenas a ressecção cirúrgica
como opção de cura da
doença. (7,14,15)
A sobrevida após a cirurgia para ressecção
de recidiva pélvica foi de 34,6% em 29,4 meses de
seguimento. Estes resultados foram semelhantes aos da
literatura, na qual se pode encontrar taxas de
sobrevida em cinco anos variando de 18 a 58%.(14,19,22,23,24)
Verificou-se que 38,5% dos doentes vieram encaminhados de outros Serviços, uma vez que o
estudo foi realizado em hospital terciário. Nota-se que
a maioria dos casos apresentava estágio avançado
na ocasião do tratamento do tumor inicial, sendo que
53,8% apresentavam metástases linfonodais, e 69,2%
eram T3 ou T4 pelo estadiamento TNM. O doente que
apresentava margem de ressecção cirúrgica
microscópica distal comprometida na cirurgia inicial, havia sido
encaminhado de outro Serviço na ocasião da
recidiva. Esta era pélvica e não da anastomose, quando
avaliado por colonoscopia. Apesar deste fato, o
envolvimento da margem distal de ressecção está associado à
recidiva local, sendo considerado a principal causa
mencionada em algumas séries na
literatura. (25,26,27,28)
A taxa de ressecabilidade nas cirurgias para recidiva pélvica foi de 65,4%, próximo ao
encontrado por Bedrosin e col.(29), que verificaram
aproximadamente 60% de ressecabilidade nestes casos, e
superior ao referido por Boyle e col.
(7), (36,8%).
A principal cirurgia realizada para abordagem da recidiva pélvica local foi a
amputação abdominoperineal do reto (35,3%), sendo que em
dois doentes houve necessidade de ressecção das duas
últimas vértebras sacrais e cóccix, com boa evolução.
A sacrectomia pode beneficiar doentes selecionados
possibilitando a remoção completa do
tumor.(19,30,31,32) Melton e col.
(19) referiram recidiva em dois anos de 47%, e em cinco anos de 85% dos doentes,
após ressecção da recidiva com a remoção de
vértebras sacrais e cóccix. Em um destes pacientes, além
da sacrectomia foi necessário realização
de cistoprostatectomia.
Cirurgia radical foi realizada em 11 doentes (42,3%), sendo esta maior, quando comparada
à casuística relatada por Hahnloser e
col.(21) de 304 doentes submetidos à ressecção de recidiva pélvica.
Destes, apenas em nove realizou-se cirurgias mais
ampliadas. Esta diferença pode ser devido ao fato de
neste último grupo se ter disponível a radioterapia
intra-operatória e braquiterapia. A vantagem teórica desta
modalidade terapêutica seria o melhor direcionamento
da radioterapia no tumor evitando-se, simultaneamente,
o dano às estruturas vizinhas normais. A
braquiterapia foi utilizada na Unicamp há 15 anos atrás, em uma
pequena série de doentes com resultados insatisfatórios.
A dificuldade do diagnóstico da recidiva pélvica do adenocarcinoma do reto tem
sido minimizada pelo advento da tomografia com
emissão de pósitrons (PET-CT). Apesar de não ser
disponível a todos os doentes, naqueles em que
foi empregada na suspeita de recidiva pélvica,
houve benefício significativo, tendo sido realizada em
dois doentes desta casuística. A diferenciação entre
tecido fibrótico residual da primeira cirurgia e
tecido tumoral, além de excluir doença extrapélvica, são
os principais fatores diferenciais com relação ao
uso do PET-CT. (33,34,35,36) A tendência é a utilização
rotineira nestes casos.
CONCLUSÃO
A cirurgia para ressecção de recidiva
pélvica de adenocarcinoma retal deve ser encorajada em
grandes centros com equipes treinadas para realização
de cirurgias pélvicas radicais, como as exenterações
ou sacrectomias, além de reconstruções urinárias
quando necessárias. Constitui procedimento
com morbimortalidade aceitável, sobrevida
considerável, podendo melhorar a qualidade de vida dos doentes.
O emprego do PET-CT nestes casos deve ser sempre que possível realizado, a fim de selecionar os
doentes que poderão se beneficiar da ressecção cirúrgica
da recidiva pélvica.
ABSTRACT: Local recurrence after rectal cancer resection varies between 3 to 35% in five years. The condition has difficult management, and little is known about the best treatment. Radiotherapy and chemotherapy can be used as paliative methods, and the best results are achieved with radical resection. Purpose: To evaluate patients submitted to surgery for pelvic recurrence by the Coloproctology Unit at Clinical Hospital of Unicamp. Methods and Patients: Between 1999 and 2007, 26 consecutive patients with locally recurrence after rectal cancer surgery were evaluated. According to clinical data, tumor stage at the first surgery, recurrence ressecability and follow-up were analyzed. Results: The most common initial surgery was retossigmoidectomy with colorectal anastomosis (46,1%). Of the 26 patients, five had tumor perforation at the first surgery. Positive lynphnodes were found in 53,8% and 69,2% were classified as T3 or T4 staging. In relation to surgery for local recurrence, the principle was abdominoperineal amputation of the rectum. Radical surgery was performed in 42,3% of the cases. The resection of the tumor was possible in 65,4%. The mean follow-up period was 29,4 months, with an overall survival of 34,6%. Conclusion: Approximately two-thirds of patients with locally recurrent rectal cancer can be submitted for surgical resection, improving survival. This surgical intervention should be encouraged in hospitals with multidisciplinary teams to improve quality of life in selected patients.
Key words: Adenocarcinoma of the rectum, local recurrence, surgery.
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Endereço para correspondência:
Raquel Franco Leal
Rua Patativa, 170
Bonfim - CEP 13034-810
Campinas, São Paulo
Tel. -19-32844803
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rgoes@mpcnet.com.br
Recebido em 19/10/2007
Aceito para publicação em 13/11/2007
Trabalho realizado pelo Grupo de Coloproctologia, Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestório, (DMAD), Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil.