ARTIGOS ORIGINAIS
CONSTIPAÇÃO NA GRAVIDEZ
Constipation in Pregnancy
Fabio Shiguehissa Kawaguti1; Wilmar Artur Klug2; Chia Bin Fang3; Jorge Alberto Ortiz4; Peretz Capelhucnick5
1 Residente do Departamento de Cirurgia; 2 Professor Titular, Chefe de Clínica; 3 Professor Adjunto; 4 Mestre em cirurgia; 5 Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas - São Paulo - SP.
RESUMO: Introdução: Constipação na gravidez é sintoma comum, mas para seu diagnóstico são necessários dois ou mais sintomas persistentes, como ritmo intestinal mais lento, dificuldade para evacuar, fezes endurecidas ou sensação de evacuação incompleta. Existem múltiplos fatores envolvidos, hormonais, sedentarismo, ingestão de fibras ou líquidos, uso de medicamentos, etc. Objetivo do estudo: analisar a incidência de constipação em 41 gestantes sadias do Ambulatório de Obstetrícia da Santa Casa de São Paulo. Método: a pesquisa se fez através do preenchimento de um questionário sobre ritmo intestinal, hábitos de vida, sintomas digestivos antes e após a gravidez. Resultados: observamos que constipação incidiu em 27,6% daquelas que não sofriam sintomas pregressos. Conclusão: a incidência de constipação na gestação é menor que o usualmente estimado, começa no início da gravidez, e devido ao baixo índice encontrado não há razão para uso indiscriminado de laxativos.
Descritores: Constipação, gravidez, motilidade, motilina.
INTRODUÇÃO
A constipação é um problema digestivo
muito comum, sendo bastante freqüente no
período gestacional. Para melhor caracterização, foram
estabelecidos critérios que facilitam o diagnóstico, que
incluem: ritmo intestinal com menos de três
evacuações por semana, sensação de dificuldade para evacuar,
fezes pequenas e endurecidas e sensação de evacuação
incompleta. Considera-se constipado o paciente que
apresentar dois ou mais desses sintomas por período
mínimo de três meses ao longo do ano. As
manifestações clínicas das alterações funcionais do tubo digestivo
são freqüentes na gestação, mas poucos trabalhos
avançam além da notificação dos sintomas e de
quando eles ocorrem. Entre estas alterações citam-se
diminuição da pressão da cárdia
1, estase biliar 2, e
diminuição da velocidade do trânsito do intestino delgado
3. Em linhas gerais ocorre motilidade reduzida do cólon,
tempo de trânsito prolongado, propiciando aumento de
absorção de água. As fezes tornam-se menos
volumosas, por menor concentração de água, contribuindo para
a constipação 4. A explicação para estes eventos
relaciona-se com a diminuição da concentração
plasmática de motilina, por influência da progesterona na
gravidez, um polipeptídio intestinal que estimula a contração
das fibras lisas do intestino 5. Parece haver também um
papel para a somatostatina na regulação do motilidade
na gestação 6. Outros fatores devem ser considerados
na gênese ou agravamento dos sintomas. Entre eles
inclui-se o programa alimentar, nível de atividade
física, ingestão de água
7, e quantidade adequada de fibras
8, embora algumas gestantes com constipação grave
possam piorar os sintomas ingerindo fibras em excesso
9. Além disso, em vista do prolongamento do tempo
de trânsito há maior absorção de água e isso resseca
as fezes.
Por serem freqüentes, as queixas de
constipação na gestação levam obstetras a prescrever
laxativos rotineiramente. Porém, como estão já
estabelecidos critérios para conceituar constipação, estas
prescrições deveriam ser feitas menos vezes.
OBJETIVO
O objetivo do estudo foi avaliar a incidência
da constipação em gestantes em nosso meio, e verificar
a existência de outros fatores que possam interferir
provocando alterações no trânsito intestinal.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Após aprovação pelo CEP da Santa Casa
de São Paulo, foram entrevistadas 41 gestantes ao
final da gravidez no Ambulatório de Baixo Risco do
Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Santa
Casa de São Paulo. Foram incluídas maiores de idade
que consentissem participar da entrevista, e estivessem
classificadas como sãs, e não necessitassem
medicar-se de forma a interferir nos resultados, além de
terem autorizado a obtenção de dados clínicos.
As pacientes responderam a um
questionário que considerava:
a) ritmo intestinal antes e durante a gestação;
b) Sintomas antes e durante a gestação;
estes incluíam dificuldade para evacuar, sensação de
evacuação incompleta, fezes pequenas e duras,
necessidade de usar laxativos ou outros, como eructação,
náuseas, vômitos, regurgitação, distensão, sensação
de empachamento, anorexia, cólicas, flatulência.
c) hábitos de vida, incluindo dieta e
atividade física antes da gestação; estes incluíam
quantificação da ingestão de verduras, frutas, líquidos e
intensidade de atividade ou sedentarismo.
d) mudanças durante a gestação;
e) aspectos psicológicos, incluindo
referência a depressão, ansiedade, estresse ou outros.
RESULTADOS
Após análise dos dados obtidos no item
ritmo intestinal, foram separados três grupos: as 10
que apresentaram retardo do trânsito, as 21 que o
mantiveram constante e as 10 restantes que o
aceleraram. (Tabela 1).
DISCUSSÃO
A análise dos resultados mostrou que a
incidência de constipação na gestação de pacientes
normais não atinge números tão elevados quanto é
geralmente suposto. Tal se deve, em princípio, a que o
conceito exige definição precisa de alguns sintomas
específicos e duração persistente deles. Ora, a
conduta geralmente tomada de prescrever aleatoriamente
os laxativos, cria a falsa sensação da sua
necessidade. Existem mitos como o de ser necessário evacuar
diariamente para evitar conseqüências "tóxicas", que
poderiam envenenar a futura mãe e seu feto se não
forem prontamente eliminadas 9. Outra suposição é a
de que se as evacuações não forem bem amolecidas,
as grávidas não conseguirão exonerá-las, "limpando"
os intestinos para prevenir possíveis outros sintomas
desagradáveis. O uso indiscriminado de laxativos,
ainda alimenta a falsa expectativa que haveria um
suposto "efeito rebote"caso a medicação seja interrompida.
Do ponto de vista quantitativo, observamos que do total de 24% que referiram lentidão do trânsito
intestinal, apenas 19,5% seriam efetivamente
consideradas constipadas pelos critérios geralmente aceitos.
Eliminando do cálculo aquelas que já apresentavam
constipação prévia à gravidez, poderíamos considerar
que durante a gestação 34,5% apresentaram lentidão
do trânsito, e 27,6% enquadraram-se no conceito
diagnóstico de constipação. Estes dados concordam com
os citados em outras publicações
7,10, sendo evidentemente variáveis conforme o tipo de controle e
orientação médica prestados. Por outro lado, em avaliação
das atitudes tomadas pelas gestantes, há na maioria o
desejo consciente de melhorar seus hábitos de vida,
o que pode evidentemente minimizar o efeito das
alterações gestacionais, bem como as orientações de
pré-natal. A instalação da mudança do ritmo intestinal
é geralmente precoce, no primeiro trimestre. Isso
contraria a hipótese formulada das alterações nas
taxas plasmáticas de progesterona, que aumentam no
decurso da gravidez, via inibição da motilina, serem o
fator biológico fundamental.
CONCLUSÕES
A gestação é seguida de constipação em
aproximadamente uma em cada quatro grávidas. Na
maior parte o quadro se instala já no início, no primeiro
trimestre. Não encontramos suporte, com base nos
resultados, para a orientação geral de prescrever
laxativos de maneira indiscriminada, sendo mais importante
boa orientação médica geral.
ABSTRACT: Background: constipation is a common problem during pregnancy, but for a definitive diagnosis, symptoms such as low motility, defecation difficulties, hard feces and incompletet evacuation should be evaluated. There are a number of factors involved, including hormones, physical activity, water and fiber intake, medication, etc. Objective: the objective of the present study was to analyse the occurence of constipation in 41 normal pregnant women from the Ambulatory of Obstetrics and Gynecology Department at Santa Casa Hospital in São Paulo. Method: the patients filled a questionnaire with questions related to the frequency of stools, personal habits, symptoms and any other related conditions, before and after pregnancy. Results: the overall incidence of constipation was 27.6%, excluding the subjects with previous history. Conclusion: we concluded that the incidence of constipation is lower than expected and generally occurs since the beginning of pregnancy. There seems to be no reason for the prescription of laxatives in most cases in pregnancy.
Key words: Constipation, pregnancy, motility, motilin.
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Endereço para correspondência:
Wilmar Artur Klug
Alameda Ribeirão Preto, 487 _ Ap. 103
Cep 01331-001 - São Paulo - SP
E-mail: klug@doctor.com
Recebido em 13/12/2007
Aceito para publicação 13/02/2008
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Dep. de Ginecologia e Obstetrícia - Santa Casa de São Paulo - Faculdade de Ciências Médicas - São Paulo - SP - Brasil.