ARTIGOS ORIGINAIS
PREVALÊNCIA DE LESÕES PRECURSORAS DO CÂNCER ANAL EM INDIVÍDUOS HIV POSITIVOS, ATENDIDOS NA FUNDAÇÀO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS, EXPERIÊNCIA INICIAL EM MANAUS
Prevalence of Precursory Lesions of Cancer in HIV positive, Individuals Assisted at Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, Initial Experience in Manaus
Felicidad Santos Gimenez1; Ivan Tramujas da Costa e Silva2; Adriana GonÇalves Daumas Pinheiro GuimarÃes3; Luiz Carlos de Lima Ferreira4; JosÉ de Ribamar AraÚjo5; Renata Pina Rocha6; Larissa de Souza Atala7; Sabrina Veloso Avi8; SinÉsio Talhari9
1 Mestranda em Patologia Tropical pela Universidade Federal do Amazonas; 2 Prof. Assistente do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Amazonas; 3 Profa. Auxiliar I do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Amazonas; 4 Prof. do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Amazonas; 5 Gerente de Anatomia Patológica da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas; 6 Acadêmica de medicina da Universidade Federal do Amazonas; 7 Acadêmica de medicina da Universidade Federal do Amazonas; 8 Acadêmica de medicina da Universidade Federal do Amazonas; 9 Diretor Presidente da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas.
RESUMO: O câncer anal representa aproximadamente 2% dos cânceres colorretais. Nos últimos anos observa-se o aumento da incidência nos indivíduos HIV positivos. Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de lesões intra-epiteliais escamosas anais (ASIL) em pacientes HIV+ procedentes de Manaus. Foram estudados 45 doentes HIV+ encontrando-se no exame histopatológico, os seguintes resultados: 15(35,7%) lesões de baixo grau, 3(7,1%) lesões de alto grau e 24(57,2%) negativos para ASIL. Houve, portanto, alta prevalência de ASIL, 42,8%. Concluímos que a prevalência de ASIL entre os pacientes HIV positivos, da amostra estudada, é muito importante, justificando-se a implantação de um programa de acompanhamento e detecção precoce, destas lesões; pois os pacientes HIV+ representam um importante grupo de risco para o desenvolvimento do câncer anal.
Descritores: Prevalência, câncer anal, HIV.
INTRODUÇÃO
A incidência do câncer anal na população
em geral é relativamente pouco
freqüente, representando apenas, aproximadamente 2% de todos os
cânceres colorretais¹. Contudo, observa-se o aumento da
incidência desse tumor em alguns grupos
populacionais, denominados "de risco"; são indivíduos
anorreceptivos, de ambos os sexos
².³; portadores de doenças
sexualmente transmissíveis, tais como: gonorréia, sífilis,
herpes simples tipo II, infecção pelo HIV, HPV,
Chlamydia trachomatis 4,5,6; portadores de lesões anais
crônicas que evoluam com inflamação (fístulas,
fissuras, hemorróidas)7; os imunodeprimidos
(transplantados)8;
tabagistas9 e doentes portadores de câncer anal
relacionado a fatores
genéticos10.
Dentre estes grupos, destacam-se os
indivíduos infectados pelo vírus HIV, que, face
à imunossupressão (menor taxa de linfócitos T
CD4)¹, apresentam-se mais suscetíveis aos efeitos da
infecção continuada pelo HPV, estando sob risco 77%
maior do que a população geral de evoluir para
câncer anal. Se tiverem hábitos anorreceptivos, estes
pacientes terão esta chance aumentada para
93% 12.
O comportamento do câncer anal é similar
ao do câncer de colo uterino por apresentarem muitas
características em comum: ambos estão associados à
infecção crônica pelo vírus do papiloma humano
(HPV); são precedidos por lesões precursoras não malignas,
a lesão escamosa intra-epitelial cervical (CSIL) e a
lesão escamosa intra-epitelial anal (ASIL);
demonstram predileção pela zona de transição celular de
células escamosas para glandulares; e ambos possuem
características biológicas comuns, incluindo os aspectos
histopatológicos.13
Diante desses aspectos, a mesma abordagem diagnóstica feita em relação às lesões precursoras
do câncer cervical tem sido empregada para as
lesões precursoras do câncer anal: a citologia
oncótica14, a anoscopia com magnificação de imagem (AMI), e
a biópsia dirigida.15
Os benefícios da detecção realizada
pelo Papanicolaou cervical, com o desenvolvimento de
protocolos de tratamento do câncer cervical, já foram
bem comprovados: a incidência deste câncer foi
reduzida de 40/100.000 mulheres para 8/100.000 mulheres
nos países que adotaram esta
abordagem.16
Sendo o câncer anal uma doença de
instalação insidiosa, são necessários alguns anos para que uma
lesão de baixo grau evolua para lesão de alto grau e
desta para câncer. Portanto, se detectadas e tratadas
precocemente, pode-se prevenir a transformação maligna
17.
Assim, a detecção de neoplasias
intra-epiteliais anais, utilizando o método do Papanicolaou-anal
(Pap-a) e da AMI poderá identificar precocemente
aqueles indivíduos sob maior risco de desenvolvimento do
câncer anal e oferecer condições de abordagem
terapêutica eficiente naqueles casos em que forem
detectadas lesões com maiores alterações
celulares18.
Apesar da alta sensibilidade (98%), a
citologia anal apresenta baixa especificidade (50%) para
prever a gravidade da lesão, daí a importância da
AMI para se definir os locais onde as biópsias deverão
ser feitas11. Somente o exame histopatológico poderá
confirmar o grau de malignidade da lesão, já que o
mesmo é considerado padrão-ouro para o diagnóstico
de ASIL.19
No presente trabalho, são avaliados, através
da AMI, a associação entre a presença de lesões
precursoras do câncer anal e do câncer anal propriamente
dito e o estado de imunodepressão de pacientes HIV+,
com os objetivos de se estimar a prevalência de ASIL
em grupo populacional HIV positivo de Manaus; avaliar
a influência da imunodepressão e de hábitos
anorreceptivos em relação a chance de apresentação de ASIL, e
verificar possíveis diferenças entre os gêneros e a
chance destes, anorreceptivos ou não, apresentarem
ASIL.
PACIENTES E MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, transversal, em que foram estudados 45 pacientes HIV+
distribuídos em 4 grupos: 6 HIV+ não anorreceptivos e
não imunodeprimidos (HIV+); 7 HIV+ anorreceptivos e
não imunodeprimidos (HIV+AR); 4 HIV+
não anorreceptivos imunodeprimidos (HIV+D); e 7
HIV+ anorreceptivos imunodeprimidos (HIV+ARD).
Pacientes com contagem de células CD4 <
350 células/ml e/ou carga viral acima de 10.000 cópias,
foram considerados imunodeprimidos.
Todos os pacientes foram submetidos à anoscopia com magnificação de imagem e biópsia,
com anestesia local, dirigida a eventuais lesões
acetobrancas encontradas. Na ausência delas, biópsia de mucosa
anal justapectínea proximal foram realizadas, às 7h. A
biópsia foi encaminhada para estudo histopatológico no
Laboratório de Patologia da Fundação de Medicina
Tropical do Amazonas (FMT-AM). As lâminas foram
coradas pela hematoxilina-eosina, e foi utilizada técnica
de imunoistoquímica para a proteína p16INK4a para
confirmação diagnóstica de casos duvidosos, nos quais
se verificou indícios de integração do genoma do HPV
de alto risco aos das células infectadas.
Os dados obtidos foram analisados sob a forma de intervalos de confiança, tabelas de
contingências ou classificação cruzada e razão de chances.
Para comparar a prevalência total de ASIL nos 4 grupos
foi usado o teste exato de Fisher.
Significância estatística foi considerada
para valores de p < 0,05.
RESULTADOS
Foram estudados 45 pacientes HIV+, sendo excluídos 3, em que o resultado do histopatológico
foi insatisfatório.
Na tabela 1 são apresentados os dados
relativos à prevalência de lesões precursoras do
câncer anal, segundo os grupos de pacientes estudados.
1. Grupo 1- HIV+, não anorreceptivo e
não imunodeprimido.
2. Grupo 2- HIV+, anorreceptivo e
não imunodeprimido.
3. Grupo 3- HIV+, não anorreceptivo
e imunodeprimido.
4. Grupo 4- HIV+, anorreceptivo e imunodeprimido.
DISCUSSÃO
Dentre os 42 indivíduos portadores de HIV,
do presente estudo, atendidos na Fundação de
Medicina Tropical do Amazonas, 18 apresentaram lesões
precursoras do câncer anal, conferindo uma
prevalência de ASIL de 42,8%; estando dentro da média da
literatura pesquisada, onde a incidência de ASIL oscila
de 36%20 até 78%21.
As lesões intra-epiteliais anais mais
freqüentes foram as de baixo grau (LSIL), encontradas
em 15 (35,7%) casos, na literatura, verifica-se
grande diferença de incidência, desde
62%12, 47%,11 até
27%15. O mesmo ocorre com as lesões de alto
grau (HSIL) que encontramos em 3 (7,1%) pacientes,
e em outros trabalhos observamos valores de
54%11,15 até 20%12.
O intercurso sexual anal, avaliado isoladamente, influenciou de forma substancial para o
desenvolvimento de ASIL na amostra estudada, com valor p
= 0,03, havendo concordância com a
literatura.21 Entretanto a imunodepressão, avaliada isoladamente,
não pôde ser considerada fator de risco relevante, valor
p = 0,10, como seria esperado que pacientes HIV+ imunodeprimidos tivessem uma incidência maior
que os somente HIV+, e uma maior alteração
neoplásica..22
Entre os pacientes examinados, 14 (43,75%) eram homens e 4 (30,8%) eram mulheres, os
quais, foram diagnosticados com ASIL. O valor p = 0,08,
Demonstrou fraca evidência de que a prevalência de
lesões intraepiteliais escamosas anais esteja
relacionada ao gênero.
É importante lembrar que, pelo fato da
amostra estudada ser pequena e por não ter sido possível
a realização do teste-reteste interobservador, os
resultados aqui encontrados, devem ser considerados
somente para a amostra em questão, sendo necessários
maiores estudos a fim de comprová-los.
CONCLUSÕES
Na amostra populacional estudada, a prevalência de ASIL encontrada foi de 42%. Não
houve influência do fator imunodepressão, nem
diferença entre os gêneros na chance de pacientes HIV
positivos desenvolverem ASIL. O relacionamento
sexual anorreceptivo exerceu influência substancial na
chance dos pacientes estudados, apresentarem ASIL.
ABSTRACT: The anal cancer accounts approximately for 2% of the cases of colorectal cancer. In the last few years it has been observed an increase in the incidence of this disease in HIV-positive individuals. The objective of this study is to evaluate the prevalence of anal squamous intraepithelial lesions (ASIL) in HIV-positive patients which are resident in Manaus. Forty-five HIV+ patients were included in the study, from which it was collected anal mucosal tissue for biopsy under anoscopic control using widened image for histopathological exam. According to this exam, it was found the following results: 15(35,7%) low grade lesions, 3(7,1%) high grade lesions and 24 (57,2%) negative for ASIL. Therefore, there was a high prevalence of ASIL, 42,8%. We concluded that the prevalence of ASIL among HIV-positive patients, in the studied sample, is very important, justifying the implementation of a program of precocious monitoring and detection of these lesions, as the HIV+ patients represent an important risk group for the developing of anal cancer.
Key words: Prevalence, anal cancer, HIV.
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Endereço para correspondência:
Felicidad Santos Gimenez
Avenida Rio Negro, 349 - Santo Agostinho
69036-720 - Manaus - AM
Fax: 92 32323411
felicidadgimenez@yahoo.com.br
Recebido em 13/11/2007
Aceito para publicação em 01/02/2008
Trabalho realizado na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas - Manaus - Amazonas - Brasil.
Fonte de auxilio à pesquisa: FMT-AM
Potenciais de conflito de interesse: nenhum