RELATO DE CASOS
COLECTOMIAS NO TRATAMENTO CIRÚRGICO DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL CRÔNICA - RELATO DE QUATRO CASOS
Colectomy in the Surgical Treatment of Chronic Intestinal Constipation - Report of Four Cases
Maria Auxiliadora Prolungatti César1; Lívia Alkmin Uemura2, Mariah Prata Soldi Passos3; Deomir Germano Bassi4; Pedro Roberto De Paula5
1 Mestre e Doutora em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Professor Assistente Doutor do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté; 2. Aluna do Sexto Ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté; 3. Aluna do Sexto Ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté; 4. Mestre e Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina. Professor Titular do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté; 5. Mestre e Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina. Professor Assistente Doutor do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté.
RESUMO: Introdução: A constipação intestinal é um distúrbio do trato digestório em que a atividade intestinal está reduzida, assim como a freqüência de evacuações; associada a fezes secas e endurecidas, acumuladas devido ao longo tempo de permanência no cólon. Objetivo: Avaliar quatro pacientes submetidos à colectomia total para o tratamento da constipação intestinal. Método: Estudo retrospectivo realizado por meio do levantamento de prontuários de pacientes submetidos à ressecção cirúrgica do cólon no tratamento da constipação intestinal crônica no período de 1998 a 2006. Resultados: Em nossa casuística, que envolve o HUT e uma paciente operada no Hospital São Lucas de Taubaté, quatro pacientes foram submetidos à colectomia total para o tratamento da constipação intestinal crônica. Todos eram do sexo feminino, com mais de 30 anos de idade e apresentavam uma evolução do quadro há mais de 10 anos. Os resultados obtidos foram considerados satisfatórios por três pacientes, apesar de uma delas evacuar seis ou mais vezes ao dia. A quarta paciente referiu permanência do quadro, evacuando uma vez a cada sete dias, em média. Conclusão: O tratamento cirúrgico é uma alternativa nos casos crônicos incapacitantes, refratários a outras formas de tratamento. Os pacientes com indicação cirúrgica devem antes ser submetidos a uma evolução fisiológica e investigação clínica completa, para confirmação do quadro de inércia colônica.
Descritores: constipação intestinal, colectomia.
INTRODUÇÃO
A constipação intestinal é um sintoma
muito comum (1). Sua elevada incidência está
freqüentemente associada à dieta inadequada, sedentarismo,
medicamentos, alterações endócrinas e metabólicas, além
de doenças colônicas, neurológicas, distúrbios
psiquiátricos e causas idiopáticas (2).
Para pacientes que não conseguem melhora com dieta e laxativos, e após avaliação
funcional adequada a cirurgia pode ser realizada,
sendo conduta de exclusão. As opções cirúrgicas
mais utilizadas para a inércia colônica são a
colectomia segmentar ou sub-total com anastomose
íleo-sigmóide e a colectomia total com
íleo-reto anastomose.
Devido às complicações e à
morbi-mortalidade decorrente da retirada do cólon, as discussões
relacionadas aos benefícios desse tipo de cirurgia
permanecem em voga, mesmo sendo uma cirurgia
realizada há quase um século (3).
OBJETIVOS GERAIS
Avaliar quatro pacientes submetidos à colectomia para o tratamento da constipação
intestinal crônica refratária do ponto de vista clínico e
funcional.
MÉTODO
Realizado estudo transversal qualitativo, a
partir do levantamento de prontuários de pacientes
submetidos à ressecção cirúrgica do colo no tratamento
da constipação intestinal crônica no período de 1998
a 2006.
As informações coletadas consistem em
dados pessoais dos pacientes submetidos a este
tratamento, dados clínicos e laudos de exames
diagnósticos pré e pós-operatórios:
· Hábito intestinal,
· Uso de laxativos e freqüência,
· Características das fezes,
· Presença de esforço evacuatório,
sensação de evacuações incompletas, desconforto
e distensão abdominal;
· Laudos dos exames realizados
- Manometria anal,
- Eletromiografia e
- Marcadores radiopacos de trânsito colônico.
· Questionar no pós-operatório sobre:
- A satisfação com o resultado da cirurgia
- Hábito intestinal
- Melhora dos sintomas
RESULTADOS
Em nossa casuística entre o período de 1998
a 2006, duas pacientes foram submetidas à
colectomia total, uma à colectomia subtotal e outra à
colectomia segmentar para o tratamento da constipação
intestinal crônica. Todos os pacientes eram do sexo
feminino, com mais de 30 anos de idade e apresentavam
uma evolução do quadro há vários anos.
Foi realizada colectomia total nos pacientes 2 e 3; colectomia sub-total na paciente 1 e parcial
na paciente 4. Os sinais e sintomas pré-operatórios
são descritos abaixo:
PACIENTE 1, 32 anos, uma evacuação a
cada 10 a 15 dias sem laxativos, e a cada 7 dias com
medicação. Relata grande esforço evacuatório e fezes
endurecidas. Dezoito dos 20 marcadores de trânsito
intestinal permaneceram em colo direito. A
manometria e eletromiografia demostraram anismus que foi
tratado através do biofeedback, e a proctografia
demonstrou retocele que foi corrigida cirurgicamente,
mas não apresentou melhora da constipação .
PACIENTE 2, 33 anos, relata uma
evacuação a cada 8 a 10 dias sem medicação, e a cada 4 a 7
dias com o uso de laxantes. Conta ter dificuldade à
evacuação, com grande esforço e manobras com
uma espátula no ânus para auxiliar. Refere fezes
muito ressecadas, endurecidas e fragmentadas. Referia
também, dificuldade para eliminar gases, dor
abdominal difusa e distensão, que melhoram após
evacuações. Apresentou 100% dos marcadores de trânsito
colônico retidos no colo, e anismus à manometria; não
captado à eletromiografia. Foi realizado o biofeedback.
A proctografia foi normal.
PACIENTE 3, 32 anos, evacuando a cada 12 dias sem laxantes, e a cada 7-10 dias com o uso
destes. Apresentava história de retossigmoidectomia
por tumor carcinóide de reto e histerectomia há cinco
anos. Após a retossigmoidectomia, passou a evacuar
somente com laxativos; apresentava cólicas de forte
intensidade , dor retal e sensação de evacuação
incompleta. Fazia uso constante de laxativos e enemas de
repetição, evoluindo sem resposta aos laxantes.
Os marcadores radiopacos permaneceram todos
retidos em cólon esquerdo. A manometria e
eletromiografia não mostraram alterações; e a proctografia
detectou descida perineal.
PACIENTE 4, 30 anos, com uma
evacuação a cada 10 dias, e a cada 7 a 10 dias com o uso
de laxativos. Refere dor anal à evacuação; esforço
sem digitalização; e sensação de defecação obstruída
com evacuação incompleta. Todos os 20 marcadores
ingeridos permaneceram em colo esquerdo. A
manometria e eletromiografia detectaram anismus, tratado
por biofeedback. A proctografia não mostrou alterações.
A paciente 1 se submeteu à colectomia
subtotal com anastomose íleo-sigmóide (CST), as pacientes 2
e 3 foram submetidas à colectomia total (CT),
com anastomose íleo retal, enquanto na paciente quatro
foi realizada a colectomia segmentar (CS). As
pacientes 1 e 2 tratadas com CT e CST passaram a
evacuar uma vez ao dia, enquanto a 3 apresentava de 6 a
10 evacuações diárias. As três estavam satisfeitas com
o resultado e fariam novamente a cirurgia. Já a
paciente 4, submetida à CS continuou constipada . As pacientes
que apresentavam dor abdominal apresentaram melhora da queixa .
Dentre as complicações referentes ao
procedimento e à doença pregressa, em nossa casuística
a paciente 1 evoluiu, no pós-operatório imediato,
com hemorragia intracavitária. Foi realizada
laparotomia exploradora, com o achado de sangue e coágulos
na cavidade, mas a paciente evoluiu bem e recebeu
alta 25 dias após a CT.
DISCUSSÃO
As opções cirúrgicas para a inércia
colônica são a colectomia segmentar com anastomose
íleo-sigmóidea ou ceco-retal, ou colectomia total com
íleo-reto anastomose. Atualmente, a última é a cirurgia
mais realizada (3) chegando a alcançar 89% de êxito.
Preservando o ceco e o reto, os resultados são
menos satisfatórios (4).
Os resultados destas 4 cirurgias nos mostram o quanto se deve ser cuidadoso ao indicar este
procedimento e como esta deve ser conduta de exclusão
no tratamento da constipação .
Por tratar-se de uma função de
difícil mensuração pelos pacientes, o estudo do tempo de
trânsito colônico com marcadores radiopacos tornou-se
um método importante para a avaliação da motilidade
intestinal (4). O trânsito lento é caracterizado quando
há retenção de marcadores maior do que 20% da
quantidade ingerida até o 5º dia, que corresponde ao
tempo médio de permanência das fezes no cólon (5).
Dependendo da distribuição dos marcadores, poderá ser
sugerido o diagnóstico de inércia colônica quando
difusos pelo cólon, ou de obstrução baixa, quando se
encontrarem na região de reto e sigmóide (6). Pode ser
realizada a contagem do número de marcadores nos
diferentes segmentos estudados: cólon direito, cólon
esquerdo e retossigmóide (7).
A importância em diferenciar um quadro de inércia colônica e obstrução baixa decorre do fato
de os tratamentos que apresentam melhores
resultados para cada um serem diferentes.
As quatro pacientes foram estudadas quanto ao trânsito colônico, além da manometria
anal, eletromiografia e proctografia para exclusão
de defecação obstruída associada ao quadro e mesmo
com a certeza que se tratava de inércia colônica os
resultados não foram os esperados, existindo uma
resposta satisfatória quanto à melhora dos sintomas da
constipação em três das quatro pacientes, sendo que
uma destas evacua 6-8 vezes ao dia. Em relação à
paciente que evacua 6-8 vezes ao dia fica o questionamento
se essas pacientes não deveriam todas ter se
submetido ao exame de trânsito intestinal como forma de
avaliação pré-operatória, pois o transito intestinal
pós-operatório dessa paciente mostra 30 minutos de tempo
entre a ingestão do contraste e a chegada deste ao íleo
terminal. A paciente que permaneceu constipada foi
a única submetida à colectomia segmentar, e já é
consenso na literatura estudada que essa não seria a
cirurgia indicada para o tratamento da constipação
intestinal por inércia colônica.
O tratamento cirúrgico é reservado aos
pacientes não responsivos à terapia medicamentosa,
com sintomas graves de constipação intestinal, com
incapacidade de esvaziamento retal, com transtornos
motores do cólon distal ou aqueles em que os estudos
com marcadores radiopacos e outros exames
diagnósticos apontam para um trânsito colônico lento (6, 8).
Os bons resultados dependem de uma
função retal normal, e o paciente deve ser alertado que a
cirurgia cura somente a constipação. Alguns outros
sintomas podem persistir como dor (39%) e
meteorismo (82%). Portanto, quando a queixa é dor não existe
indicação cirúrgica com bons resultados (4). Dentre
as possíveis formas de tratamento da inércia colônica,
a cirurgia é uma opção terapêutica de exceção,
sendo utilizada quando outras formas de tratamento são
ineficazes, e não atingem os efeitos positivos
esperados, ou em que se tenha confirmado e documentado o
quadro de inércia colônica (4,6,8). Deve-se ainda
descartar por completo qualquer envolvimento
psicogênico (9,4), megacólon Chagásico, defecação obstruída,
alterações anorretais (10) e enfermidades
metabólicas (6) na etiologia da constipação.
Atualmente, a cirurgia mais realizada é
a colectomia total com íleo-reto anastomose,
chegando a alcançar 89% de êxito. Preservando o ceco e o
reto, os resultados são menos satisfatórios (4).
Em nossa casuística apesar do fato de
uma paciente apresentar até 8 evacuações diárias a
mesma refere que faria novamente a cirurgia, já a
paciente que permanece constipada afirma que não faria
novamente o procedimento. As duas pacientes que
evacuam 1 vez por dia encontram-se muito satisfeitas e
fariam novamente a cirurgia, e o procedimento
realizado nessas duas foi a colectomia total e a subtotal.
O restabelecimento da função intestinal
pode vir com os seguintes eventos: dor abdominal em
2/3 dos casos; diarréia severa em 1/3; sub oclusão ou
episódio de oclusão em 8 a 44%, que freqüentemente
requer nova operação (11).
A principal complicação decorrente da
cirurgia é a diarréia, ocorrendo entre 10 e 40% dos
pacientes, e essa cirurgia não deve ser realizada em
pacientes com incontinência fecal. Os melhores
resultados decorrem de uma indicação cirúrgica precisa após
a realização de testes de fisiologia anal.
CONCLUSÃO
O tratamento cirúrgico é uma alternativa
somente nos casos crônicos incapacitantes; nos
pacientes submetidos a uma evolução fisiológica e
investigação clínica completa, em que se tenha confirmado
e documentado o quadro de inércia colônica. As
opções cirúrgicas para a inércia colônica são: colectomia
segmentar com anastomose íleo-segmóidea ou
ceco-retal; ou colectomia total com íleo-reto anastomose; sendo
a ressecção total, mais radical, a que obtém maior
índice de sucesso e, portanto, a mais indicada.
ABSTRACT: Introduction: The intestinal constipation is a disturb of the alimentary tract in which its activity is reduced, as well as the frequency of evacuations; associated to dry and hardened excrements witch accumulate because of the long permanence in colon. Objective: To evaluate four patients submitted to the total colectomy for the treatment of the intestinal constipation. Method: Retrospective study carried through by the analysis of handbooks of patients submitted to the surgical removal of colon in the treatment of the chronic intestinal constipation, in the period of 1998 the 2006. Results: In our casuistry, that involves the HUT and a patient operated at Taubaté's São Lucas Hospital, four patients were submitted to total colectomy for treatment of chronic intestinal constipation. They were all of the feminine sex, with more than 30 years of age and presented more than 10 years of evolution. The results were considered satisfactory by three patients, although one of them evacuate six or more times in a day. The fourth patient related the permanence of the constipation, defecating a time to each seven days, on average. Conclusion: The surgical treatment is an alternative in the incapacities chronic cases refractory to other forms of treatment. The patients with surgical indication must be submitted to a physiological evolution and complete clinical inquiry, to confirm of the colonic inertia.
Key words: constipation, colectomy.
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Endereço para correspondência:
MARIA AUXILIADORA PROLUNGATTI CÉSAR
Hospital Universitário de Taubaté - Clínica Cirúrgica
Av Granadeiro Guimarães, 270 - Centro
Taubaté - SP
CEP: 12020-130
Recebido em 02/01/2008
Aceito para publicação em 11/03/2008
Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté - Serviço de Coloproctologia e Fisiologia Anal do Hospital Universitário de Taubaté - SP - UNITAU.