VÍDEO-LAPAROSCOPIA COLORRETAL ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS
EXPERIÊNCIA INICIAL NO TRATAMENTO DAS HÉRNIAS PARAESTOMAIS
Initial Experience in the Treatment of Parastomal Hernias
César Guerreiro de Carvalho1; Carlos Eduardo Pereira do Vale1; Paulo César de Castro Jr.1
1. Clínica de Proctologia Dr. César Guerreiro de Carvalho.
Resumo: O surgimento da hérnia paraestomal é uma conseqüência direta da confecção do estoma. Apesar de todos os esforços empregados na sua prevenção, a freqüência é bastante elevada e aumenta com o tempo. As alternativas de cura dessa afecção são todas cirúrgicas e várias técnicas foram propostas. Nesse artigo apresentamos uma breve revisão das alternativas operatórias que já foram apresentadas e apresentamos a técnica que empregamos. Desenvolvemos uma abordagem por videolaparoscopia com a colocação de uma tela intraperitoneal denominada nó de gravata. Em nossa série de 17 pacientes observamos bons resultados sem nenhuma recidiva até o momento.
Descritores: hérnia paracolostômica, vídeo-laparoscopia.
INTRODUÇÃO
Hérnia paraestomal é um tipo de
hérnia incisional que se forma junto à abertura da parede
abdominal utilizada para exteriorização de um estoma.
É a complicação mais comum de um estoma intestinal.
O surgimento de uma hérnia em torno da colostomia é tão comum que esta complicação
pode ser considerada como "virtualmente
inevitável".1 Ao exame físico podemos ter desde um discreto
abaulamento durante uma manobra de Valsalva até uma
volumosa protrusão com a colostomia no topo
desse intumescimento. Muitos trabalhos mostram índices
que variam de 5% a 100% de casos dessa patologia
nos pacientes portadores de
estoma,2,3,4,5 porém muitos desses pacientes toleram bem os incômodos
causados pela hérnia e podem ser tratados apenas com
medidas conservadoras. Cerca de 30% dos pacientes
portadores de uma hérnia paraestomal, entretanto,
necessitarão de algum tipo de correção
cirúrgica6,7,8,9 para tratar os seus sintomas.
A fisiopatologia da hérnia paraestomal
está fundamentada no óbvio defeito criado na parede
abdominal pela passagem da alça do estoma. Portanto,
a correta preparação da ostomia com o objetivo de
impedir a herniação seria, teoricamente, a de se
confeccionar uma abertura da pele para a maturação
da ostomia, em uma localização ligeiramente diferente
e descontínua ao da abertura do peritônio. E,
construindo um túnel sob o peritônio ou sob a aponeurose com
o diâmetro suficiente apenas para a boa acomodação
da alça exteriorizada, comunicar essas duas aberturas
_ da pele e do peritônio. Desta forma, obtemos uma
massa muscular que se interpõe ao trajeto da alça
exteriorizada agindo como um obstáculo à formação da hérnia.
Esses cuidados justificam a menor incidência de
hérnias quando confeccionada a colostomia através do
músculo reto abdominal10,11, porém não justifica a menor
incidência de hérnias em ileostomias confeccionadas
de maneira idêntica às colostomias.
Contudo, encontramos uma nítida
prevalência das hérnias em estomas localizados lateralmente
ao músculo reto abdominal, como ocorre nas
colostomias ilíacas.10,11 Um fator importante envolvendo a
gênese da herniação seria a inervação e a atividade
muscular da parede abdominal12 . Estomas colocados em
uma parede abdominal desnervada por múltiplas ou por
extensas incisões apresentam grandes chances de
evoluírem para a formação de hérnias paraestomais, pois
a musculatura não será capaz de se contrair ao redor
do estoma durante as situações que levem a um
aumento da pressão intra-abdominal. Portanto, uma
especial atenção deve ser dada ao posicionamento do
estoma em regiões da parede abdominal que possam ter
um comprometimento da sua inervação, como
acontece, por exemplo, nas incisões abdominais prévias:
incisão transversa, de Kocher ou de antigas colostomias;
em paraplegias ou na esclerose múltipla. A
eletromiografia pode auxiliar no posicionamento do estoma nesses
pacientes especiais.
Outros fatores envolvidos com o surgimento da herniação seriam as co-morbidades do
paciente, como na obesidade, sedentarismo, desnutrição,
diabetes, DPOC, ascite, uso crônico de corticosteróides,
idade avançada e etc.10,11
O risco para a formação de hérnia
paraestomal aumenta com o tempo, sendo que 48% das
hérnias aparecem no período de um ano após a sua
confecção enquanto que de 36 a 100% surgirão no período
de dois anos.10,11
A colostomia permanente desenvolve
hérnia (58%) mais comumente que a ileostomia
permanente (28%) ou urostomia (5 a 8%). As colostomias em
alça são menos acometidas por hérnia do que as
colostomias terminais.10,11
SINTOMAS
Muitos pacientes ostomizados são
portadores de algum grau de hérnia paraestomal, porém
muitos desses casos são bem tolerados pelos pacientes e
podem ser tratados apenas com medidas
conservadoras. A utilização de cintas de contenção abdominal,
bem como o de cintos que se prendem à bolsa de
colostomia de forma a apoiar firmemente o local trazem
algum nível de satisfação. Entretanto, como já foi dito,
aproximadamente 30% dos pacientes portadores
dessas hérnias necessitarão de algum tipo de correção
cirúrgica13,14,15,16 para o tratamento de seus sintomas.
Os principais sintomas de uma hérnia paraestomal são:
§ Dor _ é o sintoma mais comum.
Surge devido à distensão da parede abdominal e da pele
adjacente à medida que cresce o saco herniário;
§ Sangramento - o prolapso do estoma
expõe mais a mucosa da alça intestinal exteriorizada,
tornando-a propensa a traumatismos e,
conseqüentemente, ao sangramento;
§ Obstrução - o saco herniário pode
conter intestino delgado ou cólon, o que causaria a
obstrução intestinal levando ao estrangulamento da hérnia;
§ Volumosa massa na região abdominal -
o crescimento progressivo da hérnia leva ao
seqüestro das vísceras intra-abdominais;
§ Aparência estética - o prolapso e o
volume da hérnia tornam evidente a condição do
paciente (como um ostomizado) aumentando o estresse
psicológico e diminuindo ainda mais a sua auto-estima;
§ Dificuldade para fixação das bolsas
coletoras - quer seja pela alteração da anatomia do
local ou pela mudança na posição do estoma;
§ Vazamentos - ocorrem com maior freqüência;
§ Dermatite da pele próxima ao estoma
- devido aos vazamentos, mas também, à força
de esgarçamento a que a pele esta submetida.
Essas são algumas das alterações que
indicam a cirurgia para o tratamento dessa enfermidade.
Em pacientes com estoma temporário o problema é
limitado, pois o reparo da hérnia ocorre quando se faz a
reconstrução do trânsito intestinal.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da doença é facilmente
realizado através do exame físico. Observa-se
inicialmente uma alteração no contorno corporal com assimetria
entre os segmentos abdominais contra laterais. Durante
o esforço físico ou manobra de Valsalva, observa-se
um abaulamento da região circunvizinha ao estoma.
Podemos palpar esse crescimento.
Nos casos em que há dúvida diagnóstica,
a ultra-sonografia e a tomografia computadorizada
constituem bons métodos para a elucidação do problema.
HISTÓRICO
As alternativas cirúrgicas para o
tratamento das hérnias paraestomais são baseadas em dois
princípios: a mudança no local do estoma e cirurgia da
hérnia; ou a correção da hérnia deixando o intestino
no mesmo lugar.17 Não existe, ainda, um consenso
sobre qual seria a melhor tática cirúrgica para a correção
do problema.
O professor John Goligher1 recomenda o
simples reposicionamento do estoma e o fechamento
primário do defeito aponeurótico. Essa talvez seja a
técnica mais utilizada ainda hoje, porém nada poderá
impedir o risco de que ocorra uma nova hérnia no
novo local escolhido. Devido ao insucesso que pode
ocorrer com o reposicionamento do estoma e a grande
frustração que isso causa, foram propostas algumas
alternativas para o tratamento da hérnia paraestomal.
Em 1965, Thorlakson18 recomendou que o
reparo das hérnias fosse realizado com a sutura
simples do defeito aponeurótico, utilizando-se, para esse
fim, fio não absorvível. O intestino derivado deveria
ser deixado no mesmo local. A grande dificuldade
dessa abordagem nos parece ser o manuseio do local com
a presença ocasional de muitas alças intestinais -
elas podem ser de difícil identificação ou dissecação e,
não raro, a lesão iatrogênica ocorre. As grandes
hérnias também apresentam uma dificuldade extra no que
diz respeito ao fechamento primário com sutura sem
um reforço protético, levando a um elevado índice de
recidiva.
O reparo primário dessas hérnias
apresenta índices de recorrência em mais de 50% dos
casos19, o que fortalece a opinião daqueles que são favoráveis
ao reposicionamento da colostomia. Essa alternativa,
porém, torna-se desagradável para alguns pacientes
que já se habituaram ao manuseio de seu estoma, pois
a troca de posição impõe uma nova adaptação
(direito/esquerdo). E para aqueles pacientes que são
portadores de múltiplas intervenções cirúrgicas, esta é
uma opção que pode se tornar bastante complicada,
além não ser possível garantir que não ocorrerá a
recidiva1.
O tratamento cirúrgico das grandes
hérnias paraestomais requer, na maioria das técnicas
descritas, a utilização de material protético (tela), para a
correção da falha da aponeurose. Algumas variações
táticas foram propostas com o objetivo de minimizar
a exposição do material à contaminação fecal, e
diminuir o contato íntimo entre a tela e as alças intestinais.
Rosin & Bonardi20 (em 1977) e
Abdu21 (em 1982) descreveram suas técnicas utilizando uma
tela de polietileno envolvendo o cólon no reparo da
hérnia. A tela era aplicada anteriormente ao defeito
herniário, passando-se a alça derivada através dela. Apesar
de descreverem que seus pacientes operados não
apresentaram recorrência ou infecção local, o manuseio
de uma tela de material sintético numa área de pele
contaminada pelos efluentes do estoma nos parece
temerário. Quando esse tipo de procedimento resulta
em uma infecção, na maioria das vezes ela evolui com
difícil controle clínico e, freqüentemente, requer a
retirada da tela.
Algumas alternativas foram pensadas com o objetivo de diminuir a possibilidade de
contaminação da tela durante a sua colocação. Segundo alguns,
isso seria obtido através da utilização de um campo
operatório diferente ao da colostomia.22,23
Sugarbaker24 desenvolveu uma técnica para
o reparo dessas hérnias em 1985, utilizando-se de
uma incisão laparotômica mediana para a correção do
defeito aponeurótico, evitando-se assim, a
contaminação existente nas proximidades do estoma. A alça
derivada não precisa ser mudada de lugar e a tela é
posicionada de maneira a cobrir o orifício herniário, desviando-se
o cólon lateralmente por sob a tela. Em sua série
inicial de sete pacientes, seis deles portadores de hérnia
recorrente e um com hérnia primária, nenhum
apresentou infecção e nenhuma recorrência foi observada
nos quatro anos de acompanhamento. Porém, essa
técnica exige grandes incisões, o que pode ser complicado
para aqueles pacientes portadores de múltiplas cirurgias
ou que possuam morbidades associadas, além do
maior trauma cirúrgico que uma operação deste porte impõe.
Com o avanço das técnicas cirúrgicas na
correção de hérnias ventrais e incisionais
por videolaparoscopia, surgiram alguns trabalhos
demonstrando a eficácia do método para correção das
hérnias paraestomais, utilizando-se dos mesmos princípios
recém descobertos.17,23,25,26
Porcheron et al23 descreveram o uso da
abordagem videolaparoscópica para a colocação de
uma tela de PTFE na face pré-peritoneal da hérnia, sendo
a tela fixada com grampos. O orifício da hérnia foi
fechado, inicialmente, com dupla sutura, e a tela foi
colocada como um reforço a esse fechamento.
Nenhum corte foi feito na tela, pois essa foi posicionada
próxima à alça derivada. O retalho pré-peritoneal obtido
na dissecação foi utilizado, também, para cobrir o
cólon exteriorizado. O paciente recebeu alta no quarto dia
de pós-operatório e encontra-se livre de recorrência
após um ano de cirurgia.
Voitk25 descreveu uma tática laparoscópica
que se assemelha ao método de
Sugarbaker24. Utiliza-se uma tela de polipropileno que recobre o defeito
herniário, colocada de forma intraperitoneal, nenhum furo é
feito na tela, recobre-se o cólon e a tela é fixada ao
intestino por uma sutura inabsorvível, enquanto que o
restante da tela é fixado à parede abdominal com a
utilização de grampos. Não foram relatadas complicações
nos doze meses de seguimento e o tempo de
permanência pós-operatória variou de dois a nove dias.
Bickel et al26 descrevem um caso de
hérnia paraestomal tratada pelo método laparoscópico
utilizando-se, para isso, uma tela de polipropileno
preparada para corrigir o defeito da parede. Corta-se um
círculo no centro da tela e uma fenda comunicando
esse orifício com uma das bordas. A tela é posicionada
de forma intraperitoneal e fixada com grampos, sendo
que a faixa lateral da borda da tela que se comunica
com orifício central é fixada à parede próxima ao cólon
com grampos e a faixa medial é fixada junto à serosa
do cólon. Essa tática não leva em conta os riscos de
aderência e perfuração de alças intestinais tão
intimamente ligadas à tela de polipropileno.
TÉCNICA PROPOSTA
A abordagem laparoscópica nos permite a oportunidade de observação da evolução
pós-operatória tardia de pacientes portadores de neoplasia,
bem como a revisão geral da cavidade abdominal
previamente submetida à laparotomia. Permite, assim,
que se realize a lise de eventuais aderências,
prevenindo futuras complicações e, em alguns casos, tratando
a causa de um grande desconforto.
A aplicação da tela de localização
intraperi-toneal diminui a necessidade de grandes
dissecações e suas conseqüências, como: hematoma, seroma
e infecção. O emprego do material apropriado (como
o politetrafluoetileno expandido, a poliglactina ou
de composições com diferentes materiais) tem
possibilitado a utilização de telas sem os riscos das
aderências indesejadas e da formação de fístulas
entéricas causadas por uma "absorção" da tela pela alça
intestinal.
Uma dificuldade encontrada na técnica laparoscópica com a tela intraperitoneal diz respeito
ao formato da tela, pois além do defeito herniário,
existe uma alça intestinal que deverá dividir o espaço com
a tela. A alça intestinal exteriorizada não pode
prejudicar a função da tela em fechar o orifício herniário, porém
o posicionamento da tela deve ser pensado de tal modo
a não prejudicar, também, o funcionamento da alça
intestinal derivada.
Para isso, sugerimos a confecção de um
orifício centralizado, porém com uma fenda de base
mais larga que permite uma perfeita adaptação aos
diferentes diâmetros possíveis de serem encontrados
mediante a aposição cruzada das extremidades da faixa
lateral seccionada (fenda que comunica a borda da
tela com o orifício central) (Figura 1A e 1B).
Figura 1A |
Figura 1B |
Figura 2A |
Figura 2B |
Figura 2C |
Figura 3A |
Figura 3B |
ABSTRACT: The parastomal hernia is a direct consequence of making the stoma. Although all the efforts used in its prevention, this condition is a frequent long-term complication that increases with time. Management of the hernia is always surgical and different techniques have been proposed. In this article, the authors present a brief revision of the surgical treatment and present their own technique. The defect is assessed by videolaparoscopy and correction is performed with an intraperitoneal mesh; we call this technique "tie knot". In our 17 patients' series, we observed good results and no recurrence until now.
Key words: parastomal hernia, videolaparoscopy.
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Endereço para correspondência:
CESAR GUERREIRO DE CARVALHO
Av. N. S. de Copacabana, 647 / 509 - Copacabana
Rio de Janeiro, RJ
CEP: 22050-001
Tels.: (21) 2548-9927 / 2235-7477
E-mail: proctologia@ig.com.br
Recebido em 09/05/2008
Aceito para publicação em 27/05/2008
Trabalho realizado em clínica privada.