ARTIGOS ORIGINAIS
INFLIXIMABE NO TRATAMENTO INICIAL DA RETOCOLITE ULCERATIVA MODERADA E GRAVE. TERAPIA TOP DOWN: RELATO PRELIMINAR
Infliximab: First Line Therapy in Severe Ulcerative Colitis. Preliminary Report
FABIO VIEIRA TEIXEIRA1; ROGÉRIO SAAD-HOSSNE2; MAURÍCIO RAMPINELLI CARPI3; ANACLAUDIA DE AQUINO TEIXEIRA3; PAULO TEIXEIRA JÚNIOR3
1 Especialista em Coloproctologia pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia, Professor Voluntário do Departamento de Cirurgia e Ortopedia e do Ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais da Faculdade de Medicina - UNESP Botucatu e Médico da UNIGASTRO, Marília; 2 Professor Assistente Doutor do Departamento de Cirurgia e Ortopedia - UNESP Botucatu. 3 Médico(a) da UNIGASTRO, Marília - São Paulo - Brasil.
Resumo: Objetivo: A primeira opção para o tratamento da retocolite ulcerativa inespecífica (RCU) se resume em: salicilatos (mesalazina e sulfassalazina) nos casos leves, e corticóides nos casos mais graves. Recentemente, em novembro de 2006, o Ministério da Saúde aprovou o infliximabe (REMICADE ® - Mantecorp - Brasil), anticorpo monoclonal murino contra o fator de necrose tumoral / TNF, para o tratamento da RCU (Escore de Mayo acima de 7). Entretanto, a droga somente tem sido usada como última opção naqueles pacientes refratários ao tratamento convencional ou que sejam corticodependentes. O objetivo desse estudo foi relatar o uso do infliximabe como primeira opção para o tratamento de dois pacientes portadores de RCU tratados no Hospital UNIMAR e no ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais da FME-UNIMAR. Métodos e resultados: Paciente 1: AZF, 52 anos, sexo feminino, foi diagnosticada primeiramente com o RCU baseado na história e no exame clínico; Colonoscopia compatível com pancolite e biópsia positiva para RCU (microabscesso de cripta). O escore de Mayo era 10 (escala: 0 a 12 / 0 = assintomática 12 colite grave). Recebeu infusão intravenosa de infliximabe (5mg / Kg de peso) nas semanas 0, 2, 6 e 14 (indução). Posteriormente, foi introduzido mesalazina 4,5 g/dia como terapia de manutenção. Observou-se resposta clínica significativa baseada no escore de Mayo analisado após as doses de indução (escore de 10 para 7 - redução de 7 pontos) Atualmente, a paciente está assintomática. Paciente 2: MLA, 45 anos, sexo feminino, com queixa de diarréia muco-sanguinolenta; colonoscopia compatível com colite de cólon esquerdo; biópsia positiva; escore de Mayo de 9 pontos. A paciente recebeu infliximabe EV (5mg/Kg de peso) nas semanas 0, 2, 6 e 14. Após a indução foi introduzido a mesalazina 4.2 g/dia. Atualmente, a paciente está assintomática com escore de Mayo de 2 pontos. Conclusões: Após extensa revisão bibliográfica, acreditamos que esse seja o primeiro relato em língua Portuguesa do uso de um agente biológico como primeira opção no tratamento da RCU. No entanto, mesmo com o sucesso obtido, esse relato inicial deve ser analisado com cautela. A pergunta se o uso do infliximabe seria a melhor opção na terapia inicial das formas graves da RCU, ainda precisa ser respondida por meio de estudos randomizados e controlados.
Descritores: Retocolite ulcerativa inespecífica, tratamento, infliximabe, Terapia TOP DOWN.
O tratamento da retocolite ulcerativa inespecífica (RCU) normalmente está baseado no
uso de salicilatos (sulfassalazina, mesalazina),
corticóides e imunossupressores. Cerca de 10% dos pacientes
são portadores das formas graves da doença, que
requerem hospitalização e tratamento com corticóides e
drogas imunossupressoras administradas por via endovenosa. Entretanto, mesmo assim, cerca de 20
a 40% desses pacientes ainda são refratários aos
tratamentos mais agressivos, e são submetidos a
colectomia total e confecção de bolsa ileal para controle da
doença. 1-8
O uso dos agentes biológicos com o
infliximabe vem sendo empregado no tratamento da RCU
desde 2001. Estudos randomizados e controlados
mostraram o benefício do uso do infliximabe nos casos de
RCU moderada e grave tanto na indução da remissão
quanto na diminuição no número de colectomias em
pacientes com RCU. 1-2
Em novembro de 2006, o Ministério da
Saúde do Brasil aprovou o uso do infliximabe nos casos
graves de RCU que sejam refratários ao uso de
medicações convencionais. Baseado no tratamento
top down da doença de Crohn (DC), acreditamos que talvez,
em casos graves, o infliximabe poderia ser usado
como primeira escolha no tratamento da RCU. E, talvez,
poderíamos evitar a evolução da doença para formas
mais graves, e conseqüentemente a necessidade
de colectomia. Portanto, assim como proposto para a
DC, acreditamos que a terapia top down poderia
modificar a história natural da RCU. Os objetivos deste
trabalho são reportar o uso do infliximabe como terapia
inicial no tratamento de 2 pacientes portadores de RCU
moderada e grave, e avaliar os resultados clínicos
obtidos após o tratamento. 3,5
MATERIAL E METODOS
A partir de uma análise inicial de dois
pacientes submetidos ao tratamento "terapia
top down" COM INFLIXIMAB,para pacientes com RCUI moderada
e grave
Paciente 1: Paciente, AZF, 52 anos, sexo feminino, deu entrada no Hospital UNIMAR com
quadro de diarréia muco-sanguinolenta fazia 3 meses.
Foi submetida a colonoscopia com
diagnóstico macroscópico compatível com pancolite; a biópsia
revelou microabscesso de cripta (Figura 1). O escore
de Mayo era 10 (escala: 0 a 12 / 0 = assintomática
12 colite grave). Após discutir com a paciente as
opções terapêuticas disponíveis e os efeitos colaterais
dos corticosteróides, a paciente optou em ser submetida
à terapia biológica como primeira escolha. Recebeu
infusão intravenosa de infliximabe (5mg / Kg de
peso) nas semanas 0, 2, 6 (indução) e uma dose de
manutenção na semana 14. Posteriormente, foi
introduzido mesalazina 4,5 g/dia como terapia de
manutenção. Observou-se resposta clínica significativa baseada
no escore de Mayo analisado após as doses de
indução (escore de 10 para 7 - redução de 7 pontos) e
na colonoscopia (Figura 2). Atualmente, a paciente
está assintomática fazendo uso de 3,0g / dia de mesalazina.
Figura 1 - Colonoscopia em paciente com sintomas de RCU:
observa-se presença de processo inflamatório intenso da
mucosa cólica, friabilidade da parede ao toque do aparelho e
inúmeros pseudopólipos. Sub-escore de Mayo 3. |
Figura 2 - Colonoscopia em paciente com RCU submetido à
terapia top down: observa-se cicatrização da mucosa cólica e a
presença de pseudopólipos. Sub-escore de Mayo 0. |
DISCUSSÃO
Como se sabe, o tratamento das doenças
inflamatórias intestinais (DII) tem por objetivo
principal induzir a remissão da doença, e
conseqüentemente melhorar a qualidade de vida dos pacientes uma
vez que não se pode obter a cura.
Na maioria dos consensos mundiais, a abordagem terapêutica das DII deve ser de forma
gradativa, primeiramente iniciando-se com drogas
como corticóides e salicilatos, e posteriormente
introduzindo-se os imunomoduladores como a azatioprina e
o metrotexato. O uso dos agentes biológicos como
o infliximabe, deve ser indicado como terapia de
última escolha nos casos refratários. A esse tipo de
estratégia terapêutica denominou-se o nome de
step up.6
O termo terapia top down foi
primeiramente empregado pelos reumatologistas no tratamento da
artrite reumatóide.9 O significado real seria o
emprego inicial, como primeira escolha, de drogas até então
tidas como de última escolha no tratamento _ drogas
reservadas para os casos graves da doença, refratários
a qualquer outro tipo de medicação. Pacientes
portadores de artrite reumatóide que receberam
precocemente imunossupressores, e agentes biológicos tiveram
mais rápida diminuição na atividade inflamatória da
doença e interrupção das lesões
articulares.9
Baseados em experiência prévia obtida
na reumatologia, Hommes e colaboradores, pela
primeira vez, delinearam um estudo comparando
terapia top down a terapia step up em pacientes portadores
de DC moderada e grave. Foram randomizados 133 pacientes com IDAC (índice de atividade da doença
de Crohn) > 220 pontos, com diagnóstico obtido em
um intervalo inferior a 4 anos e que nunca tinham
recebido tratamento anterior. Foram criados 2 grupos:
aqueles submetidos à terapia top
down (infliximabe + azatioprina) e aqueles que se submeteram à
terapia convencional denominada step up (budesonida
ou prednisona). Os autores observaram que 81% dos
pacientes alocados no grupo top down obtiveram
remissão da doença comparados a 73% dos
pacientes que receberam terapia step up (p<0,003).
Concluíram que o uso da terapia top
down é superior a terapia step
up na indução da remissão em
pacientes portadores de DC moderada e grave.
3 Porém, esse é o único estudo randomizado publicado na
literatura mundial que comparou os dois tipos de
abordagem terapêutica: top down e step
up.3,6 Em breve, a resposta se abordagem
top down é mais efetiva se comparada a tradicional
step up poderá ser respondida por um estudo multicêntrico conhecido por
SONIC (study of immunomodulator naive patients in
Crohn's disease).
Hoje existe evidência científica de que o
uso precoce de infliximabe em portadores de RCU,
poderia induzir a cicatrização da mucosa intestinal, e
conseqüentemente a diminuição da hospitalização e
necessidade de colectomia.1-2 No entanto, não está claro
que a cicatrização da mucosa intestinal, por si só,
esteja relacionada com a mudança da história natural da
DC ou da RCU.
Até o presente momento, não existem
estudos randomizados e controlados que compararam o uso
da terapia step up com a terapia top down
no tratamento da RCU. Recentemente, Castro Fernadéz e
colaboradores, relataram o sucesso do uso do infliximabe
em um caso de megacólon tóxico refratário ao uso
de corticóides. 5 Concluíram que não se deve indicar
o uso do infliximabe como tratamento de escolha do megacólon tóxico, porém, o uso de um agente
biológico deveria ser considerado na RCU moderada e
grave após 3 a 4 dias de uso sem sucesso clínico de
corticóides endovenosos. Nos 2 casos aqui descritos, também
observamos uma melhora rápida dos pacientes após
a infusão inicial de infliximabe 5m/kg. Entretanto,
nenhum de nossos pacientes recebeu tratamento com corticóides previamente.
No nosso conhecimento, esse é o primeiro
relato na literatura do uso de um agente biológico
como terapia inicial no tratamento da RCU. Em nossa
opinião, o uso da terapia top down nos casos de
RCU grave se justifica, uma vez que cerca de 40% dos
pacientes não respondem a terapia inicial com
corticóides.1 Desses, cerca de 20% a 60% necessitarão de
algum tipo de operação em um intervalo de 3 meses.
1-2 Baseados na experiência prévia de
pacientes reumatológicos portadores de artrite reumatóide,
bem como no trabalho publicado por Hommes e
colaboradores, em nossa opinião, não há dúvida que o uso
precoce de imunossupressores e agentes biológicos,
poderia ser indicado nos pacientes com RCU
moderada e grave. No entanto, por outro lado, infelizmente
não existem marcadores clínicos, endoscópicos,
radiológicos ou bioquímicos que podem predizer quais
pacientes seriam os maiores beneficiados com a terapia
top down.
Esse relato inicial é muito pouco para
podermos tirar conclusões definitivas se a terapia
top down é a melhor abordagem terapêutica da RCU.
Apesar do sucesso obtido nesses 2 casos por nós
descritos, qualquer conclusão final poderia ser precipitada.
Em nossa opinião, estudos clínicos randomizados e
controlados poderiam responder se o uso de uma
abordagem terapêutica top down é mais efetiva que
a convencional no tratamento da RCU moderada e grave, principalmente na indução e manutenção da
remissão.
Abstract: The first option for the treatment of UC is both: salicylates or corticoids. Recently, in late November of 2006, the Brazilian Ministry of Health has approved infliximab (Remicade ©, Mantecorp, Brazil) to treat ulcerative colitis. We report the use of infliximab as a first option for the treatment of two patients with severe ulcerative colitis. Case report: Patient 1: AZF, 52 years-old, female, was first diagnosed with UC after history and clinical examination; colonoscopy showed pancolitis with positive biopsy (crypt microabscess). Her Mayo score was 10 (range: 0 to 12 / asymptomatic to severe colitis). She received intra venous infusion of infliximab at a dose of 5mg/Kg of body weigh at week 0, 2, 6 and 14. Then, patient was given mesalazine 4.5 g / day for maintenance therapy. Clinical response was defined as a decreased from baseline in the total Mayo score of at least 3 points. At present, patient is asymptomatic with Mayo score of 3 one moth after the last dose of infliximab. Patient 2: MLA, 45 years-old, female was first diagnosed with bloody diarrhea; colonoscopy showed left colitis and the biopsy was positive for ulcerative colitis. Her Mayo score was 9. She was offered and accepted the step down treatment. She was given infliximab 5mg/Kg of body weight at week 0, 2, 6 and 14. After initial treatment with infliximab, she received mesalazine 4.2 g / day. At present, she is asymptomatic with Mayo score of 2 eighteen days after the last dose of infliximab. At our knowledge, this is the first Brazilian report of the use of infliximab as fist-line therapy in ulcerative colitis. Few days after the begging of the infusion, an impressive clinical and colonoscopy improvement was seen in these two patients. Recently, it has been reported the use of infliximab as first-line therapy in pediatric Crohn disease. Infliximab could be a good option in cases of moderate and severe UC to avoid the side effects of the use of high doses of corticoids in patients with moderate and severe UC. However, the question if step-down therapy in ulcerative colitis is better then conventional therapy with salicylates and corticoids needs to be answered by randomized trials.
Key words: Ulcerative colitis, Treatment, Infliximab, Top Down therapy.
Referências
1. Lees CW, Heys D, Ho GT, Noble CL, Shand AG, Mowat
C, Boulton-Jones R, Williams A, Church N, Satsangi J,
Arnott ID; Scottish Society of Gastroenterology Infliximab
Group. retrospective analysis of the efficacy and safety of
infliximab as rescue therapy in acute severe ulcerative colitis.
Aliment Pharmacol Ther. 2007;26(3):411-9.
2. Järnerot G, Hertervig E, Friis-Liby I, Blomquist L, Karlén
P, Grännö C, Vilien M, Ström M, Danielsson A, Verbaan
H, Hellström PM, Magnuson A, Curman B.Infliximab as
rescue therapy in severe to moderately severe ulcerative colitis:
a randomized, placebo-controlled study.
Gastroenterology. 2005;128(7):1805-11.
3. Hommes D, Baert F, van Assche G, Caenepeel F, Vergauwe
P, H. T, De Vos M, van Deventer S, Stitt L, Rutgeerts P,
Feagan B, D'Haens G. The ideal management of Crohns Disease:
top down versus step up strategies, a randomized controlled
trial. Gastroenterology 2006;130:A-108-109 Abstract 749.
4. Hyams J, Crandall W, Kugathasan S, Griffiths A, Olson
A, Johanns J, Liu G, Travers S, Heuschkel R, Markowitz J,
Cohen S, Winter H, Veereman-Wauters G, Ferry G, Baldassano
R, Group RS. Induction and maintenance infliximab therapy
for the treatment of moderate-to-severe Crohn's disease
in children.Gastroenterology 2007;132:863-73
5. Castro Fernández M, García Romero D, Sánchez Muñoz
D, Grande L, Larraona JL. Severe ulcerative colitis, with
toxic megacolon, resolved with infliximab therapy. Rev Esp
Enferm Dig. 2007;99(7):426-7
6. Oldenburg B, Hommes D. Biological therapies in
inflammatory bowel disease: top-down or bottom-up? Curr
Opin Gastroenterol. 2007;23(4):395-9
7. Hanauer SB, Feagan BG, Lichtenstein GR, Mayer LF,
Schreiber S, Colombel JF, Rachmilewitz D, Wolf DC, Olson A, Bao
W, Rutgeerts P; ACCENT I Study Group. Maintenance
infliximab for Crohn's disease: the ACCENT I randomised trial.
Lancet. 2002;359(9317):1541-9
8. Rutgeerts P, Sandborn WJ, Feagan BG, Reinisch W, Olson
A, Johanns J, Travers S, Rachmilewitz D, Hanauer
SB, Lichtenstein GR, de Villiers WJ, Present D, Sands
BE, Colombel JF.Infliximab for induction and maintenance
therapy for ulcerative colitis. N Engl J Med. 2005;353(23):2462-76
9. Breedveld FC, Emery P, Keystone E, Patel K, Furst
DE, Kalden JR, St Clair EW, Weisman M, Smolen J, Lipsky
PE, Maini RN. Infliximab in active early rheumatoid arthritis.
Ann Rheum Dis. 2004;63(2):149-55.
Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Fabio V. Teixeira - UNIGASTRO
Rua Dr. Próspero Cecílio Coimbra, 80 - Cidade Universitária
Marilia - São Paulo - Brasil
CEP 17525-160
TEL / FAX +55 14 2105-4562
E-mail: fabioteixeira@unimedmarilia.com.br
Recebido em 29/04/2008
Aceito para publicação em 23/06/2008
Trabalho realizado no Serviço de Endoscopia e Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia UNIGASTRO / Hospital UNIMAR,
Marilia, São Paulo - Brasil.