ARTIGOS ORIGINAIS
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES PORTADORES DE DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL DO ESTADO DE MATO GROSSO
The Epidemiological Profile of Patients with Inflammatory Bowel Disease in the State of Mato Grosso
Mardem Machado de Souza1; AngÉlica GonÇalves Silva Belasco 2; JosÉ Eduardo de Aguilar-Nascimento3
1 Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina (UNIC), Cuiabá, MT; 2 Professor Adjunto da Disciplina de Fundamentos de Enfermagem e Enfermagem Médico-Cirúrgica do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP); 3 Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT - Brasil.
Resumo: Estudos epidemiológicos recentes sugerem que a incidência da doença de Crohn (DC) e da retocolite ulcerativa (RCUI) está aumentando no Brasil, apesar de desconhecermos sua taxa real. Objetivo: Descrever o perfil epidemiológico dos pacientes com doença inflamatória intestinal (DII) que residem no estado de Mato Grosso. Resultados: Foram avaliados 220 pacientes com doença inflamatória intestinal, 125 eram do sexo feminino e 95 do sexo masculino. Do total de casos, 117 tinham RCUI, 86 doença de Crohn e 17 colite indeterminada. A doença foi mais freqüente em casados (66,0%), em pacientes de cor parda (48,0%) e em não fumantes (61,8%). A média da idade foi de 39 anos, variando de 6 a 80 anos. Em algum momento da evolução da doença, 77 (35%) pacientes necessitaram de tratamento cirúrgico. A média de anos dos pacientes estudados foi de 9,17 anos, variando de 0 a 20 anos estudados. Conclusão: Apesar da pouca literatura sobre a doença, os dados deste estudo revelam que os portadores de DII, no estado de Mato Grosso, apresentam características epidemiológicas semelhantes aos portadores de outros estados do Brasil.
Descritores: Doença inflamatória intestinal, Doença de Crohn, Retocolite ulcerativa, Colite, Epidemiologia.
INTRODUÇÃO
A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa idiopática (RCUI) são as formas mais
comuns das doenças inflamatórias intestinais (DII),
e se caracterizam por inflamação crônica do
intestino, de etiologia ainda não
definitivamente esclarecida.1, 2 As DII ocorrem em todo o mundo
e representam sério problema de saúde, pois
atingem preferencialmente pessoas jovens, cursam com
recidivas freqüentes, e assumem formas clínicas
de alta gravidade.
As DII geram repercussões importantes
na qualidade de vida dos doentes.3 Diversos
estudos epidemiológicos têm demonstrado incidência
crescente das DII nas últimas décadas, particularmente no
que tange à doença de Crohn.
4,5,6,7,8,9
Estas doenças acometem pessoas de diferentes classes socioeconômicas, idade, sexo e
nacionalidade, são relativamente freqüentes,
afetando aproximadamente 1,4 milhões de pessoas
nos Estados Unidos10, 2,2 milhões na
Europa11 e cerca de 150 mil pessoas (0,5%) da população
canadense.12
Os EUA, Inglaterra, Itália, Escandinávia
e norte da Europa são considerados países de
alta incidência; sul da Europa, África do Sul,
Austrália e Nova Zelândia, países de incidência
intermediária, e finalmente Ásia e América do Sul, de
baixa incidência.13
O Brasil ainda é considerado área de
baixa prevalência de DII, apesar do aumento significativo
da incidência destas doenças nos registros da
literatura nacional. Em nosso meio, estas doenças não são
consideradas de notificação compulsória, o que nos leva
a pensar que as DII podem não estar sendo diagnosticadas. Uma vez que os prontuários
médicos registram altas taxas de diarréias de etiologia
bacteriana ou parasitária.
Existe uma predominância das DII em pessoas da raça branca, na faixa etária entre 20 e 40 anos,
e um segundo pico a partir dos 55 anos, e
distribuição semelhante em ambos os sexos, exceto para a DC
que atinge mais a população feminina. Prevalece,
ainda, em moradores de áreas urbanas, pessoas de
classes econômicas mais altas, fumantes e parentes de
primeiro grau de indivíduos
acometidos.14
Dados epidemiológicos e mórbidos dos
pacientes portadores destas doenças, no estado de
Mato Grosso, não foram encontrados em levantamento
bibliográfico realizado de forma ampla e recente.
Julgamos que o conhecimento destas informações pode
contribuir de forma satisfatória para a assistência
prestada a estes pacientes.
O conhecimento de dados epidemiológicos
pode nos fornecer elementos sobre a história natural da
doença e suas complicações, auxiliar na estimativa
dos custos para a saúde publica e no planejamento dos
serviços apropriados para estes doentes.
MÉTODO
Este estudo foi realizado após avaliação e
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital Universitário Júlio Muller sob o número
334/CEP-HUJM/07, com pacientes portadores de DII que
foram cadastrados ou renovaram seus processos, no
programa de medicamentos excepcionais da secretaria
de saúde, no período de outubro de 2006 a novembro
de 2007, após serem avaliados por um médico
auditor. Estes pacientes eram provenientes da rede pública
e privada, e moradores de diferentes municípios de
Mato Grosso.
O programa de medicamentos excepcionais distribui gratuitamente medicamentos de alto custo,
inclusive aqueles utilizados nas DII, e foi implantado
pelo ministério da saúde sob a portaria 1318/02. Os
pacientes são incluídos no programa após preencherem
os critérios de inclusão do ministério da saúde.
Os medicamentos utilizados no tratamento, e custeados pelo estado são os corticóides, os
salicilatos, os antibióticos, os imunossupressores e o
infliximabe (anti - TNF).
Entre os critérios utilizados neste estudo
foram analisados obrigatoriamente dados clínicos,
radiológicos, endoscópicos e histopatológicos.
Durante o período de outubro de 2006 a
novembro de 2007, 220 pacientes com DII que iniciaram ou renovaram seus processos na farmácia de
alto custo foram agendados para responder o
questionário que faz parte deste estudo. As variáveis
avaliadas no estudo foram: idade, sexo, raça, naturalidade
(estado), estado civil, escolaridade, diagnóstico e
localização da doença, terapêutica e intervenções
cirúrgicas.
RESULTADOS
Durante o período analisado foram
entrevistados 220 pacientes que iniciaram ou renovaram
seus processos na farmácia de alto custo, destes
117(54%) apresentavam retocolite ulcerativa, 86(39%) doença
de Crohn e 17(7%) colite indeterminada. Observamos
que no grupo estudado houve uma porcentagem maior
de mulheres 125 (57%) e 95(43%) eram do sexo masculino, e, um valor mediano de idade de 37,5 anos
(variando de 6 a 80) (tabela 1).
DISCUSSÃO
A determinação de dados epidemiológicos
das doenças inflamatórias intestinais no Brasil, como
em todos os países em desenvolvimento, é difícil, em
função das deficiências dos sistemas de registro de
dados, bem como da impossibilidade do acesso as
informações fora do sistema público de
saude.16
Pelo fato de haver um intervalo significativo entre o início dos sintomas e o diagnóstico
definitivo das DII, constantes renovações dos prontuários na
farmácia de alto custo, informações de pacientes que
são oriundos de diversos serviços não foi possível
descrever neste estudo a incidência das DII.
Apesar das limitações deste estudo,
acreditamos ter atingido uma parcela importante dos
pacientes com DII que vêem recebendo tratamento no estado
de Mato Grosso.
Segundo dados do IBGE de 2007, o estado de Mato Grosso possuía uma população de
2.854.642 pessoas, sendo assim não podemos considerar as DII
como doenças tão pouco freqüentes no estado, e, assim
como nos países em desenvolvimento, existe uma
tendência a um aumento da
incidência. 4
Os dados deste estudo revelam um predomínio do sexo feminino em concordância com outros
estudos realizados no Brasil.3,16,17
Existiu uma distribuição das DII maior na
faixa etária entre 20 e 39 anos, em concordância com a
literatura, porém, não observamos um novo pico a partir dos
60 anos (tabela 3). Dados que obtivemos demonstram que
a DII tem maior incidência em brancos e pardos, menor
em amarelos e negros, dados obtidos também por
outros autores.17,18Quanto a extensão do comprometimento
da RCUI achamos que a proctite/proctossigmoidite
representou 44, 8 % dos pacientes, a hemicolite esquerda
16,4% e a pancolite 38,8% o que esta concordante com
dados da literatura.17 Segundo a classificação de Truelove
& Witts, a RCUI pode ser classificada como leve
(60%-70%), moderada (20%-25%) e graves (10%-15%);
na nossa casuística obtivemos: 41,4% de casos leves,
31,9% de casos moderados e 26,7% de casos graves. A
maior freqüência de casos moderados e graves pode-se
justificar pelo fato de ser um centro de referência. Metade
dos pacientes com doença de Crohn, 43 pacientes,
apresentaram comprometimento da região ileal/ileocecal; 14%
região colônica; 20,9% localização ileocolônica e 5,8%
sistema digestório superior; achados estes compatíveis
com outros trabalhos .17 19
CONCLUSÃO
Os dados deste estudo revelaram que os pacientes portadores de DII, no estado de Mato
Grosso, apresentaram as mesmas
características epidemiológicas encontradas na literatura nacional
disponível, em sua maioria provenientes dos grandes
centros da região sul e sudeste. O mesmo ocorreu
em relação à terapêutica clínica e cirúrgica
realizadas com estes pacientes no restante do país.
Abstract: Recent epidemiological studies suggest that the incidence of Crohn´s disease (CD) and Ulcerative Colitis (UC) is increasing in Brazil despite the fact that we do not know what the actual rate is. Objective: To describe the epidemiological profile of patients with inflammatory bowel disease in people resident in the state of Mato Grosso. Results: 220 patients with inflammatory bowel disease were assessed. 125 were female and 95 were male. Of the total number of cases, 117 had UC, 86 had Crohn´s disease and 17 had non-specific colitis. The disease was most common amongst married patients (66%), dark-skinned patients (48%) and non-smokers (61.8%). The average age was 39, and the age range was from 6 to 80. At some stage in the treatment 77 (35%) patients required surgical treatment. The average number of years studied was 9.17 with a variation from 0 to 20 years. Conclusion: Despite the lack of literature on the disease, the data from this study reveal that patients with IBD in the state of Mato Grosso show the same epidemiological features as those from other Brazilian states.
Key words: Inflammatory Bowel Disease; Crohn's Disease; Ulcerative Colitis; Colitis; Epidemiology.
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Endereço para correspondência:
Mardem Machado de Souza
Rua Dom Antonio Malan 631, 201
Cuiabá-MT
CEP: 78015-600
Tel/Fax: (65) 3634-4823
E-mail: mardem@terra.com.br
Recebido em 11/07/2008
Aceito para publicação em 01/08/2008
Trabalho realizado na Farmácia de Alto Custo do Estado de Mato Grosso. Cuiabá - MT - Brasil.