RELATO DE CASOS


DOENÇA DE CROHN EM RECÉM-NASCIDO

Crohn's Disease in Newborn Baby: Report of Case

RODRIGO CARDOSO SILVEIRA1; RENATA SETSUKO BABA2; ANA CAROLINA S. Pereira2; SANDRA PAIM2; MAGALY GEMIO TEIXEIRA3; ANGELITA HABR-GAMA4

1 Cirurgião Geral Pós-Graduado em Coloproctologia da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - SP; 2 Profa. Livre Docente do Hosp. das Clínicas da USP - Chefe do Ambl. de Doença Inflamatória Intestinal do Hosp. das Clínicas - SP - Coordenadora da Pós-Graduação em Coloproctologia do Hosp. Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - SP; 3 Ex-Professora Livre Docente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo - Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hosp. Benef. Portuguesa - São Paulo 4


SILVEIRA RC; BABA RS; PEREIRA ACS; PAIM S; TEIXEIRA MG; HABR-GAMA A. Doença de Crohn em Recém-Nascido. Rev bras Coloproct, 2008;28(3): 338-341.

RESUMO: A Doença de Crohn ocorre, principalmente, em adultos jovens. Sua incidência entre membros da mesma família aproxima-se de 10%. Atualmente, os sintomas aparecem cada vez mais precocemente em crianças e adolescentes. No caso que relatamos, um paciente aos três dias de vida iniciou quadro de extensa lesão perianal, desenvolvendo, ulteriormente, outras complicações da Doença de Crohn. Esta criança apresentava, em sua história familiar, dois irmãos com a mesma doença, porém que não sobreviveram às complicações abdominais pós-operatórias. Chamou-nos a atenção a precocidade e a intensidade com que tais manifestações se apresentaram, implicando em sérias conseqüências ao paciente, já na primeira semana de vida.

Descritores: Doença de Crohn, Recém-nascido, Lesões Perianais, Proctocolectomia Total.

INTRODUÇÃO
Até um quarto dos doentes com Doença Inflamatória Intestinal têm o início da sintomatologia e o seu diagnóstico estabelecido antes dos 18 anos de idade (1).
   Nesta população, há de 4 a 7 novos casos / 100.000 habitantes/ano (2).
   Freqüentemente, os aspectos clínicos e endoscópicos são semelhantes na população adulta e pediátrica. Entretanto, a população pediátrica estará mais sujeita a comprometimento do desenvolvimento neuro-psico-motor, desnutrição e alteração da estatura, principalmente se o paciente se encontrar na primeira infância. Cerca de 44% das crianças com de Doença de Crohn e 11% das com Retocolite Ulcerativa já possuíam algum comprometimento de seu desenvolvimento ao diagnóstico(3).
   Sabe-se, também, que nos pacientes jovens o aparecimento das complicações ocorre em um intervalo menor de tempo (4).
   No entanto, o início da sintomatologia logo após o nascimento é raro.
   A seguir descreveremos o caso de uma criança com início dos sintomas aos três dias de vida, com lesões perianais graves e história familiar positiva, com dois irmãos que não sobreviveram à doença.

RELATO DE CASO
GUDF, 15 anos, masculino. Nasceu de parto normal, em 1991, sem intercorrências.
   Aos três dias de vida apresentou dor e abscesso perianal, que evoluiu rapidamente para fístula, quadro que se repetiria outras vezes, até os 06 meses de idade, além de diarréia volumosa, muco sanguinolenta, e com baixo ganho de peso. Aos 08 meses, apresentou novo quadro de abscesso perianal, com drenagem espontânea, associado a êmbolo séptico cerebral, que determinou seqüelas neuromotoras.
   A partir desta época evoluiu com atraso do crescimento e desnutrição, tendo recebido tratamento irregular para a Doença de Crohn.
   Em 2005, então com 13 anos, pesava 14,5 Kg e apresentava estatura de 105 cm, o que o colocava abaixo do percentil 5, pois para a idade eram esperados 48,1 Kg de peso e 175 cm de estatura.
   Seus sintomas eram de diarréia volumosa, com muco e sangue, com extensa lesão perianal e incontinência fecal (Figura 1).
Figura 1 - Região períneal.

   O exame de Trânsito Intestinal revelou-se sem alterações, os demais exames do cólon, entre eles a colonoscopia, mostravam acometimento universal do intestino grosso.

História Familiar
Tanto o pai quanto a mãe não apresentavam sintomas, e tão pouco tinham o diagnóstico de Doença de Crohn ou outra doença inflamatória intestinal. Não havia relato de outros casos na família.
   A primeira filha do casal nasceu em 1983. Apresentou sintomas com 02 semanas de vida, com diarréia com muco, cólicas e queda do estado geral. Inicialmente foi submetida à colostomia e, posteriormente a colectomia, falecendo por complicações de peritonite.
   O segundo filho do casal, sexo masculino, nasceu dois anos depois, em 1985. Com 03 semanas de vida apresentou diarréia volumosa e desnutrição. Faleceu com um ano de idade, após cirurgia de cólon.
   Em 1989 nasceu o terceiro filho do casal, sem Doença Inflamatória ou qualquer outro problema de saúde.
   Em vista dos maus resultados do tratamento cirúrgico dos irmãos, houve relutância em aceitar o tratamento proposto para o terceiro filho doente, o que só foi aceito em 2005.
   O paciente recebeu nutrição parenteral para melhora das condições clínicas e do estado geral, e foi submetido a proctocolectomia total com ileostomia terminal definitiva, além de correção das fístulas perineais, sem intercorrências (Figura 2).
Figura 2 - Proctocolectomia Total - Peça Cirúrgica.

   Atualmente encontra-se com peso de 21Kg e com estatura de 108 cm, (P25-30), com ganho de massa muscular e melhora da qualidade de vida.

DISCUSSÃO
Dentre os diversos aspectos das Doenças Inflamatórias Intestinais, alguns deles são particularmente importantes, considerando a faixa etária pediátrica.
   Primeiramente, um dos aspectos relacionados a esta faixa etária é o possível comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor, sobretudo naqueles pacientes com início da doença em idade muito precoce e/ou naqueles em que o diagnóstico não pode ser estabelecido prontamente. Seqüelas diversas, e até mesmo irreversíveis, podem ter origem nesta época.
   Outro aspecto a ser considerado é o farmacológico: não há tratamento farmacológico que proporcione a cura definitiva até o momento; as diversas drogas empregadas tem contribuído para a redução dos sintomas e melhoria na qualidade de vida destes pacientes. Entretanto, estas mesmas drogas, que são eficazes e tem seu papel no acompanhamento desses doentes e entre elas, os corticosteróides, também apresentam efeitos-colaterais conhecidos, como má absorção ou desmineralização óssea, antagonismo com hormônio do crescimento, entre outros, e que pioram em muito o desenvolvimento já comprometido pela própria doença (5).
   A faixa pediátrica da população tem sua qualidade de vida mais prejudicada, quando comparada à outras doenças que certamente podem acometer estas mesmas crianças: pacientes com diabetes mellitus, por exemplo, apresentam menor índice de depressão, de ansiedade, de isolamento escolar e menor dependência dos pais em relação àquelas portadoras de Doença Inflamatória Intestinal (6).
   Outro aspecto a ser considerado é o caráter multidisciplinar do tratamento da Doença Inflamatória Intestinal: além de dispendioso, o tratamento é longo, freqüentemente com diversas drogas, com exames complementares realizados rotineiramente e com auxílio de nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, além de outros. É freqüente um dos pais deixar de trabalhar, o que diminui a renda da família, para se dedicar exclusivamente ao filho doente.
   Caberá ao médico assistente, principalmente nos casos de pacientes na primeira infância, fazer o diagnóstico diferencial muitas vezes difícil, incluindo as doenças granulomatosas.
   Recentes pesquisas genéticas têm contribuído para esclarecimento da fisiopatologia da Doença Inflamatória Intestinal e algumas de suas características, como CARD 15, que, quando presente, se associa à idade mais precoce do aparecimento da doença e sua maior tendência ao desenvolvimento de estenoses. Outros estudos também demonstraram que a presença de CARD 15, não se associa à maior freqüência de lesões perianais e de manifestações extra-intestinais (7).
   O diagnóstico precoce e o tratamento correto são um desafio para os especialistas que lutam para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, sobretudo para evitar seqüelas definitivas e irreversíveis.

Abstract: Crohn's Disease occurs, mainly, in young adults. The incidence of this disease in other members of the same family is nearly 10%. Nowadays the symptoms start precociously in children and teenagers. In the present case, the perianal disease was detected in three days old baby who developed different complications throughout his life. The child had two siblings with the same problems, but none of them survived after post-operative abdominal complications.

Key words: Crohn disease; perianal lesion; proctocolectomy.

Referências
1. Sandler RS & Eisen GM. Epidemiology of Inflamatory Bowel Disease. In: Kirsner JB, ed. Inflamatory bowel disease. (5th ed). Philadelphia: Saunders, 2000; 89-112.
2. Kugathasan S, Judd RH, Hoffmann RG & Heikenen J. Epidemiologic and clinical characteristics of children with newly diagnosed inflammatory bowel disease in Wisconsin: a statewide population-based study. J Pediatric 2003; 143: 525-531.
3. Peter Mamula, MD, Grzego WT, MD, Markowitz JE, MD, Brown KA, MD, & Russo PA MD. Inflamatory bowel disease in Children % years of age and Yonger. The American J of Gastroenterology 2002; 97: 2005-2010.
4. Fuentes D, Torrente F & Keady S. High-dose azathioprine in children with inflammatory bowel disease. Aliment Pharmacol Ther 2003; 17: 913-921.
5. Engstrom I. Inflamatory bowel disease in children and adolescent: mental health and family functioning. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999; 28: S28-S33.
6. Griffiths AM. Specificities of Inflamatory Bowel Disease in Childhood. Best Practice & Clinical Gastroenterology 2004; 18: 509-523.
7. Tamboli CP. What are the major arguments in favour of the genetic susceptibility for inflamatory bowel disease. European Journal of Gastroenterology & Hepatology 2003; 15: 587 _ 592.
8. Jess T M D. Overall and Cause-specific Mortality in Ulcerative colitis: Meta-analysis of Population-Based Inception Cohort Studies. AJ Gastroenterology 2007; 610 _ 617.
9. Russell R K. IBD: a Family affair. Best Practice & Clinical Gastroenterology 2004; 18: 525-539.
10. Halme L. Family and twin studies in inflamatory bowel disease. World J of Gastroenterology 2006; 12: 3668 _ 3672.
11. Folwaczny C. Crohn´s Disease: an immunodeficiency? European Journal of Gastroenterology & Hepatology 2003; 15: 621 _ 625.
12. Loftus Jr E V. Crohn´s Disease: why the disparity in mortality? GUT 2006; 55: 447 _ 449.
13. Gasche C. Genotypes and phenotypes in Crohn´s disease: do they help in clinical management? GUT 2004; 54: 162 _ 167.
14. Sands B E. Inflamatory Bowel Disease: past, present and future. Journal of Gastroenterology 2007; 42: 16 -25.
15. Turck D. Incidence, Clinical presentation and Location at Diagnosis of Pediatric Inflamatory Bowel Disease: A Pospective Population-Based Study in Nortern France (1988-1999). Journal of pediatric Gastroenterology and Nutricion 2005; 41: 49 _ 55.
16. Hugot J P. Inflamatory Bowel disease: a complex group of genetic disorders. Best Practice & Clinical Gastroenterology 2004; 18: 451-462.
17. Cezard J P. A Prospective Study of the Efficacy Tolerance of a Chimeric Antibody to Tumor Necrosis Factors in Severe Pediatric Crohn Disease. Journal of pediatric Gastroenterology and Nutricion 2003; 36: 632 _ 636.
18. Loftus E V. The epidemiology and natural history of Crohn´s Disease in population-based patient cohorts from North America: a systematic review. A Pharmacol Ther 2002; 16: 51 _ 60.
19. Candon S. Clinical and biological consequences of immunization to Infliximab in pediatric Crohn´s disease. Clinical Immunology 2006; 118: 11 -19.
20. Jacobstein D A. Predictors of Immunomodulator use as early Therapy in pediatric Crohn´s Disease. J Clin Gastroenterol 2006; 40: 145 _ 148.
21. Ahmed M. Incidence of paediatric inflamatory bowel disease in South Wales. Arch Dis Child 2006; 91: 344 _ 345.
22. Annese V. Multidrug resistance 1 gene in inflamatory bowel disease: A Meta-analysis. World Journal of Gastroenterology 2006; 12: 3636 _ 3644.
23. Burnham J M. Body-composition alterations consistent with cachexia in children and young adults with Crohn´s disease. Am J Clin Nutr 2005; 82: 413 _ 420.

Endereço para correspondência:
RODRIGO CARDOSO SILVEIRA
Av. Princesa D'Oeste, 1211, apto 42
CEP 13026-430
Campinas / SP
E-mail: silveira.rodrigo@ig.com.br
(11) 3253-7710
(19) 9224-5444

Recebido em 08/04/2008
Aceito para publicação em 03/06/2008

Trabalho realizado no Hospital Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - São Paulo - SP - Brasil.