GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR
BIOLOGIA MOLECULAR DO CÂNCER COLORRETAL: UMA REVOLUÇÃO SILENCIOSA EM ANDAMENTO
Molecular Biology of Colorectal Cancer: A Silent Revolution
Mauro de Souza Leite Pinho1
1 Professor da Disciplina de Clínica Cirúrgica da UNIVILLE, Joinville, SC. Cirurgião do Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinville, SC - Brasil.
Resumo: Embora os estudos sobre biologia molecular permaneçam como a principal expectativa para o surgimento de novos conceitos e recursos para o tratamento do câncer colorretal, a ausência de resultados de real impacto do ponto de vista clínico ao longo dos últimos anos podem representar uma frustração para quem não esteja acompanhando de perto a evolução das pesquisas nesta área. Assim sendo, nosso objetivo no presente texto é apresentar uma breve revisão do caminho percorrido até o momento desde os trabalhos pioneiros sobre carcinogênese colorretal até as pesquisas mais recentes sobre proteômica, demonstrando assim o constante fluxo de grandes avanços os quais possibilitam uma previsão realista a curto ou médio prazo da disponibilização de recursos de amplo impacto, com potencial para alterar de forma relevante os resultados do tratamento desta importante doença.
Descritores: Câncer colorretal; biologia molecular.
Apesar de ser um tema relativamente complexo para aqueles que atuam na prática clínica, é
um verdadeiro consenso a expectativa de que os
estudos baseados em biologia molecular venham a oferecer
os necessários avanços na compreensão da
fisiopatologia, do diagnóstico e do tratamento do câncer. Talvez
em decorrência desta expectativa, temos
freqüentemente a frustrante sensação de que apesar do grande
volume de pesquisas realizadas ao longo dos últimos
anos, permanecemos ainda distantes da obtenção de
resultados relevantes capazes de transformar estas
esperanças em uma realidade para nossos pacientes.
Assim sendo, é nosso objetivo nesta
Seção demonstrar que embora os resultados não tenham
ainda atingido nossa prática diária, importantes
avanços permanecem ocorrendo, contribuindo para o
esclarecimento gradual do complexo mosaico
representado pelo processo de carcinogênese, o que certamente
representará um grande impacto sobre a medicina do
terceiro milênio. Para melhor demonstrar estes
avanços, apresentaremos aqui uma breve revisão do
caminho percorrido até o momento através dos estudos em
biologia molecular aplicada ao câncer.
Biologia molecular: uma potente ferramenta
Ao contrário de outras linhas de estudos dedicadas ao esclarecimento dos aspectos
oncológicos como a imunologia ou a microbiologia, a
biologia molecular representa a aquisição de uma ampla
e abrangente gama de ferramentas geradas a partir
de um grande desenvolvimento biotecnológico, as quais
nos permitem a identificação e manipulação
das biomoléculas que os compõem. Assim sendo,
trata-se na verdade do processo de entrada em um amplo
universo ainda inexplorado no qual situam-se por
certo muitas das respostas por nós perseguidas ao longo
da história da Medicina.
Câncer colorretal: os primórdios de um
modelo de carcinogênese
O primeiro grande passo da biologia molecular na compreensão da carcinogênese ocorreu
exatamente nos estudos sobre o câncer colorretal. Isto foi
possibilitado através dos trabalhos pioneiros de
Vogelstein1 e seu grupo analisando a variação da expressão
gênica na seqüência adenoma-carcinoma. A partir destes
estudos foi possível identificar que a degeneração de
um tecido normal até o surgimento de um câncer
ocorria em conseqüência de um acúmulo de mutações de
genes expressando proteínas com ação sobre o ciclo
celular. Destes estudos emergiu a seqüência de mutações
dos genes APC _ k-ras _ DCC _ p53, cuja imagem
mais emblemática foi representada como na Figura 1,
amplamente divulgada e que representou um
importante passo inicial da compreensão do potencial dos
estudos de biologia molecular na carcinogênese.
Figura 1 - Modelo proposto por Vogelstein e cols para a
seqüência de mutações na evolução adenoma-carcinoma (Extraido
de Weimberg RA e Hanahan DS in: Molecular Oncology,
Scientific American Inc. 1996:New York, pg 187). |
A compreensão da complexidade da carcinogênese
Embora os conceitos acima citados tenham sido de grande valor didático, tornou-se logo evidente
sua excessiva simplicidade devido à demonstração de
que a referida seqüência APC/k-ras/DCC/p53,
compreendia não apenas um número extremamente reduzido
de genes/proteínas envolvidas no processo
de carcinogênese, mas também contemplavam apenas
um aspecto desta, representada pelo distúrbio proliferativo.
De fato, a crescente disponibilidade de ferramentas de biologia molecular tornou claro a
coexistência de diversos processos desde a ocorrência de
um desequilíbrio do ciclo celular em uma célula até o
desenvolvimento de um tecido neoplásico com
características invasivas. Conforme demonstrado na Figura
2, a ativação de um processo local de angiogênese
para desenvolvimento tumoral, seguida da penetração
na membrana basal e demais tecidos são elementos
fundamentais para que a metastatização ocorra
através de uma invasão e migração através dos
vasos endoteliais levando a uma colonização de tecidos à
distância.
Figura 2 - Etapas da carcinogênese e formação de metástases. |
Microarrays: a visão global da
expressão tecidual
Sabendo-se que cada tecido, normal ou
não, tem o seu comportamento biológico determinado
pelas proteínas presentes em sua composição a partir
da expressão de seus respectivos genes, tornou-se
necessária uma forma de determinar quais genes estão
expressos (ativados) em cada tumor. Para isto, não
bastaria a simples identificação do gene, pois estes
estão presentes em todas as células do corpo, mesmo
não sendo expressos.
Considerando-se que a síntese protéica
passa necessariamente pela formação de uma molécula
de RNA mensageiro (RNAm) a qual irá fazer uma
tradução em proteína posteriormente no ribossomo,
conforme demonstrado na Figura 3, foi desenvolvido um
método de análise da expressão gênica tecidual
através da extração e identificação das moléculas de
RNAm presentes. Esta técnica, denominada como
microarray (microseqüências), apresenta a grande vantagem
de avaliar a ativação de milhares de genes
simultaneamente, independentemente de sua função,
formando assim um painel demonstrativo do provável
comportamento biológico tumoral
3.
Figura 3 - Etapas da síntese protéica. |
Estadiamento molecular: um passo adiante
Uma vez disponível esta ferramenta,
diversos autores realizaram estudos visando identificar
grupos de genes cujas alterações estivessem associadas
a anormalidades teciduais, buscando assim
estabelecer uma relação entre causa e efeito. Em relação ao
câncer colorretal, foram comparadas inicialmente as
expressões gênicas entre mucosa colônica normal
e adenocarcinomas. Através destas
comparações, Takemasa e cols 4
identificaram 59 genes com expressão gênica diferenciada entre um total de 4608
estudados, enquanto Stremmel e cols 5 observaram
diferenças entre 100 a 500 genes entre mais de 6000
analisados. Seguindo uma metodologia semelhante,
Kitahara e cols6 relataram uma expressão diferente entre
tecido normal e patológico em 235 genes em um total de
9126 estudados.
Utilizando este princípio, Croner e cols
7 identificaram 50 genes os quais permitiram uma
maior acuidade para a predição de metástases
linfonodais. Kim e cols 8 identificaram um conjunto de 261
genes cuja expressão representou a diferença entre a
ocorrência de resposta completa e incompleta em 31
pacientes submetidos à terapia neoadjuvante. Neste
grupo, todos os quatro casos de resposta completa foram
corretamente previstos (100%), assim como nove dos
11 casos de resposta parcial (82%).
Ghadimi e cols 9, usando uma metodologia
semelhante, identificaram um conjunto de 54 genes,
cuja expressão foi capaz de diferenciar com 83%
de acurácia os pacientes que apresentaram resposta
à terapia neoadjuvante daqueles sem resposta (p=0.2).
Mas talvez o estudo mais representativo desta aplicação da técnica de
microarray à análise do comportamento biológico do câncer colorretal tenha
sido aquele publicado por Eschrich e cols
10, os quais foram capaz de superar a classificação de TNM na
acurácia da previsão da sobrevida de 36 meses em 78
pacientes baseados na pesquisa da expressão de um conjunto
de 43 genes.
Infelizmente, apesar destes resultados bastante promissores nas pesquisas, o estudo da
expressão gênica tumoral através da técnica de
microarray tem se mostrado, no entanto de difícil aplicabilidade na
prática clínica, devido à sua complexidade, elevados
custos e necessidade do congelamento imediato do
tecido tumoral poucos minutos após sua ressecção, devido
à labilidade das moléculas de RNAm.
Proteômica: a nova fronteira?
Apesar das dificuldades para estender os benefícios dos avanços acima relatados à prática
clínica, novos e fascinantes horizontes tem sido abertos
pela biologia molecular, em particular no que diz
respeito aos estudos relacionados à
proteômica.
Como vimos anteriormente, todas as
células somáticas apresentam o mesmo DNA em seu
núcleo, contendo os mesmos genes, os quais são no
entanto ativados (ou expressos) de forma seletiva de
acordo com o tecido e a função desempenhada. Estes
genes sofrem um processo de
transcrição em RNAm, o qual, por sua vez é
traduzido em uma nova proteína.
Estas proteínas irão então executar suas funções
específicas, definindo o comportamento biológico da célula
e do tecido no qual ela está inserida.
Por proteômica compreendemos os estudos
que buscam relacionar a atividade tecidual ao conjunto de
proteínas expressas em determinado momento. Ao
contrário da genômica, onde pesquisamos genes ou RNAm,
nos exames de proteômica buscamos identificar
diretamente as proteínas presentes naquele tecido em questão.
Ao longo dos últimos anos, as análises
teciduais proteômicas tem sido realizadas com o objetivo de
evidenciar no tecido algumas das muitas proteínas
já préviamente identificadas, as quais podem ser
observadas ao microscópio através da adição de
anticorpos monoclonais marcados colorimétricamente. Este
método, denominado como imunoistoquímica,
encontra-se já estabelecido como um procedimento de rotina
para a maior parte dos laboratórios de anatomia
patológica, sendo utilizado para diversas finalidades, desde a
identificação da origem de um tecido metastático até a
pesquisa de receptores celulares específicos para
determinados medicamentos 11. Apesar desta grande
utilidade, a imunoistoquímica permite a análise da
expressão de apenas uma ou poucas proteínas de cada
vez, impossibilitando portanto, a identificação de todo
um conjunto de proteínas teciduais capazes de cobrir
o espectro biológico de um tecido tumoral, o
chamado proteoma tumoral.
Outra forma de identificar as proteínas
expressas em um tecido, empregada mais em laboratórios
de pesquisa, denomina-se Western Blotting, e
baseia-se na análise de proteínas conhecidas separadas
através de uma eletroforese, e posteriormente destacadas
também pela adição de anticorpos monoclonais
3. Embora útil para pesquisas, sua complexidade e limites não
tornam este método adequado para uso clínico.
Ao contrário destes métodos, que
necessitam do conhecimento prévio das proteínas a
serem identificadas, uma abordagem nova e revolucionária
vem sendo estudada recentemente com resultados
bastante interessantes. Esta se baseia na hipótese de que
a atividade proteolítica tumoral irá liberar nos tecidos
e no sangue fragmentos de proteínas, os quais,
embora de composição desconhecida, poderão apresentar
características similares em portadores da mesma
doença. Para detectar estes fragmentos, foram
desenvolvidos dois métodos de análise, denominados
respectivamente de SELDI e MALDI, os quais detectam no
sangue, urina ou nos tecidos a presença destes
fragmentos protéicos através da espectrometria de sua
massa, obtendo assim picos cuja reprodutibilidade em
diversos pacientes portadores de uma mesma doença irá
sugerir um padrão diagnóstico relacionado a esta,
conforme demonstrado na Figura 4.
Figura 4 - Exemplo de gráfico resultante de uma análise
sérica pelo método de SELDI, onde podemos observar a
reprodutibilidade da detecção de picos de fragmentos protéicos de tamanho
semelhante em diferentes amostras de pacientes portadores de
câncer colorretal. (Extraído de Zheng e cols 12). |
Abstract: Despite remaining as the main hope for emerging new concepts and strategies for treatment of colorectal cancer, the lack of results with clinical impact over the last years may contribute to frustrate those not entirely aware about current research data. So, the aim of this paper is to present a brief review since the first molecular biology studies in colorectal carcinogenesis until recent advances in proteomics, in order to demonstrate the consistent production of new data supporting a realistic expectancy for a near future availability of high impact resources that may change dramatically the results of treatment of colorectal cancer.
Key words: Colorectal cancer; Molecular biology.
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Endereço para correspondência:
Rua Palmares 380, Atiradores
Joinville, SC
89203-230
E-mail: mauro.pinho@terra.com.br
Recebido em 18/08/2008
Aceito para publicação em 20/08/2008
Trabalho realizado no Laboratório de Biologia Molecular e Disciplina de Clínica Cirúrgica do Departamento de Medicina da UNIVILLE, Joinville, SC e Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinville, SC - Brasil.