ARTIGOS ORIGINAIS
RETOCELE POSTERIOR EM PACIENTE DO SEXO MASCULINO: QUAL O SIGNIFICADO?
Posterior Rectocele in a Male Patient: What Does it Mean?
Marcos Soares Campos¹, Marcílio José Rodrigues Lima², Antônio Lacerda-Filho3
1Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 2 Membro do Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Responsável pela Defecografia do Serviço de Imaginologia do Instituto Hermes Pardini; 3 Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador do Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Membro Titular da SBCP.
RESUMO: A retocele é uma projeção sacular anormal da parede retal, de etiologia multifatorial e uma causa muito significativa de sintomas anorretais como plenitude retal, sensação de peso anal durante a defecação, evacuação incompleta e dor retoanal. Muito tem se discutido sobre retoceles em mulheres, mas poucas publicações têm mencionado a presença de retocele em pacientes do sexo masculino e somente um artigo discute os detalhes da retocele em homens com distúrbios de defecação. A retocele posterior em homens, em especial, é uma disfunção incomum e possivelmente apresenta como causas a constipação intestinal, o esforço evacuatório longo e excessivo, a síndrome do descenso perineal, a fraqueza do assoalho pélvico e a contração paradoxal do músculo puborretal. É apresentado o caso de um paciente com história de dor anorretal crônica e defecação obstruída associadas à retocele posterior, doença hemorroidária, prolapso e intussuscepção retal.
Descritores: Retocele posterior, distúrbios de defecação e homens.
INTRODUÇÃO
A retocele é definida como uma
projeção sacular anormal da parede retal anterior, ou
menos comumente posterior, que se estende do reto distal
para o canal anal, formando uma bolsa
intraperineal1.
Sua etiologia é multifatorial e ela é uma
causa muito significativa de sintomas anorretais,
especialmente entre mulheres idosas e multíparas. Raramente
aparece como um distúrbio isolado e, freqüentemente
associa-se à síndrome da defecação obstruída,
sendo muitas vezes acompanhada de sintomas como
plenitude retal, sensação de peso anal durante a
defecação, evacuação incompleta e dor anorretal. Todavia,
tal condição pode ser assintomática e
diagnosticada incidentalmente em defecografias em 15 a 40%
dos indivíduos2.
O diagnóstico inicial da retocele pode ser
feito, durante o exame físico, pela palpação da herniação
da parede do reto, logo acima dos esfincteres anais
interno e externo3. No entanto, somente o exame
clínico não permite quantificar precisamente o tamanho,
nem estimar o grau de esvaziamento retal durante a
evacuação. Estes parâmetros são mais bem avaliados
por meio de exames complementares, como a
defecografia4.
Muitos estudos têm discutido a presença
de retocele em mulheres e sua relação com a presença
de sintomas e sinais e com a fisiologia anorretal,
assim como aspectos de seu tratamento cirúrgico. No
entanto, poucas publicações têm mencionado a presença
de retocele em pacientes do sexo masculino e
somente um trabalho discute os detalhes da retocele em
homens com distúrbios de
defecação4.
A retocele posterior, em especial, é um
achado mais comum em homens e sua etiologia não está
exatamente esclarecida. É relatado a seguir o caso de
um paciente com história de dor anorretal crônica
e defecação obstruída associadas à retocele
posterior diagnosticada a partir da realização de uma
defecografia como propedêutica complementar.
RELATO DE CASO
Trata-se de paciente do sexo masculino, 47 anos, professor universitário, natural da Ucrânia,
vivendo no Brasil como imigrante há cerca de 6 meses.
Comparece à consulta com história de
dor pélvica incaracterística e bloqueio evacuatório,
ambos com evolução de cerca de cinco anos, com piora
recente, estando atualmente, associados com dor anorretal em peso. O quadro álgico se acompanha
de esforço defecatório e sensação de evacuação
incompleta e é aliviado, parcialmente, pela eliminação de
fezes ou flatos. Relatava a presença de
hematoquezia freqüentemente, sem eliminação de muco
associada. Ausência de tenesmo ou queixas abdominais
relevantes. Sem outras particularidades na anamnese e na
história pregressa.
O exame proctológico mostrou, à inspeção,
discretos plicomas anais com fibrose importante no
intróito anal e prolapso hemorroidário incipiente ao
esforço. Não havia alterações perineais à palpação. O
toque retal evidenciava hipertonia esfincteriana, ampola
retal livre sem estenose, porém com pouca elasticidade
do canal anal. Apresentava desconforto à compressão
da alça puborretal bilateralmente. Anuscopia revelou
a presença de mamilos hemorroidários volumosos
nas posições clássicas associados à prolapso mucoso
do reto. A Retossigmoidoscopia foi realizada até 20 cm
da margem anal e não evidenciou alterações até este
nível.
Foi realizado inicialmente tratamento para doença hemorroidária com ligadura elástica, sendo que
o paciente evoluiu com enterorragia significativa
com repercussão hemodinâmica no
20o DPO. Foi submetido à colonoscopia de urgência que não evidenciou
qualquer alteração até o ceco, tendo sido
observado sangramento ativo em escara em sítio de ligadura
elástica, a qual foi tratada com hemostasia cirúrgica.
Após tratamento da doença hemorroidária,
o paciente continuou apresentando dor anoperineal
e disquezia importantes que impactavam
negativamente sua qualidade de vida. Optou-se pela realização
de defecografia que revelou a presença de retocele
significativa na parede posterior do reto associada
à procidência interna do reto (Figuras.1 e 2).
Realizou-se então, como testes propedêuticos
complementares, manometria anorretal que mostrou elevação da
pressão do canal anal durante manobra de expulsão do
balão retal (Figura 3) e eletromiografia esfincteriana
dinâmica com plug endoanal que evidenciou a
presença de assoalho pélvico espástico (Figura 4). Foi
realizada ainda ultrassonografia endoanal que mostrou
área hipoecóica posterior na intimidade da
musculatura esfincteriana externa, sem qualquer correlação com
o exame físico local.
Figura 1 - Defecografia mostrando volumosa retocele posterior durante esforço defecatório. |
Figura 2 - Defecografia mostrando a presença de retocele posteiror associada à intussuscepção retoanal (imagem de taça) com esvaziamento retal incompleto. |
Figura 3 - Manometria anorretal mostrando elevação anormal da pressão no canal anal durante a fase de expulsão do balão retal. |
Figura 4 - Eletromiografia evidenciando aumento paradoxal da atividade mioelétrica durante esforço evacuatório. |
ABSTRACT: Rectocele is an abnormal sac-like projection of the rectum wall with multiple etiologies and an important cause of anorectal symptoms like rectoanal weight sensation during evacuation, incomplete evacuation and anorectal pain. Many reports have discussed rectoceles in women, but few have mentioned rectoceles in male patients and only one report has discussed the details of rectoceles in men with defecation disorders. Posterior rectocele in men, in particular, is an unusual disturb and possible causes are intestinal constipation, long and excessive straining, descending perineum syndrome, weakness of the pelvic floor and puborectalis muscle syndrome. We report a case of a male patient with chronic anorectal pain and outlet obstruction associated with posterior rectocele, hemorrhoidal disease, rectal mucous prolapse and intussusception.
Key words: Rectocele posterior, evacuatory disorders and males.
Referências
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Endereço para correspondência:
Prof. Antônio Lacerda Filho
Instituto Alfa de Gastroenterologia
Hospital das Clínicas da UFMG - 2º andar
Av. Alfredo Balena, 110
Belo Horizonte/MG
CEP 30130-100
Email: alacerda@ufmg.br
Recebido em 06/05/2008
Aceito para publicação em 30/05/2008
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da UFMG - Belo Horizonte/MG.