DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
MANEJO DOS PORTADORES DAS NEOPLASIAS INTRAEPITELIAIS ANAIS
Managment of Anal Intra-Epithelial Neoplasia Patients
Sidney Roberto Nadal, TSBCP1; Carmen Ruth Manzione, TSBCP1
1 Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo.
RESUMO: Acredita-se que a neoplasia intraepitelial anal (NIA), provocada pelo HPV, seja a lesão precursora do carcinoma anal. Segundo a literatura, são encontradas entre 11% e 52% dos homens infectados pelo HIV, entre 6% a 20% dos homens e 1% a 2,8% das mulheres sem essa infecção. Entre 8,5% e 13% das NIA de alto grau evoluirão para carcinoma invasivo, indicando a necessidade do rastreamento e do seguimento desses doentes para prevenção. Não há tratamento satisfatório com baixos índices de morbidez e a recidiva é comum. Em geral, as formas de tratamento podem de ser divididas em tópicas, entre elas, ácido tricloroacético, podofilina, podofilotoxina, imiquimod, terapia fotodinâmica, e ablativas, ou seja, excisão cirúrgica, ablação pelo LASER, coagulação pelo infravermelho e eletrofulguração. Há, ainda, os que consideram aceitável a conduta expectante. O tratamento tópico se justifica pelo caráter multifocal da lesão e os ablativos têm taxas de complicação e recidiva muito semelhantes. De qualquer forma, doentes com qualquer anormalidade histológica necessitam de seguimento adequado, principalmente com colposcopia e citologia anal.
Descritores: Neoplasia intra-epitelial, prevenção e controle, Infecções pelo Papilomavírus, Carcinoma de células escamosas.
A infecção pelo papilomavírus humano
(HPV) é atualmente a doença sexualmente transmissível
mais comum. Esse vírus penetra pelas lesões de
continuidade do epitélio, instala-se nas células da
camada basal, podendo permanecer em latência, ou se
replicar e provocar doença clínica ou subclínica. São
descritos vários tipos virais e o sistema imunológico
pode eliminá-los com o decorrer do tempo,
nos imunocompetentes, todavia, ele tende a
persistir,1,2 determinando doença crônica e recidivante. Entre
os homossexuais masculinos com sorologia positiva
para o vírus da imunodeficiência humana (HIV),
a prevalência é superior a 90% e a infecção por
múltiplos tipos virais do HPV é
comum.2,3
Acredita-se que a neoplasia intraepitelial anal (NIA), provocada pelo HPV, seja lesão precursora
do carcinoma anal.3,4 Histologicamente, na NIAB
(de baixo grau), são vistos coilócitos, células superficiais
e intermediárias altas. A binucleação é comum, a
membrana nuclear é angulada e irregular, e as
células paracetóticas atípicas são numerosas. Na NIAA
(de alto grau), observa-se células escamosas anormais
do epitélio inferior ou do tipo metaplásico e imaturo.
Os núcleos são irregulares, estão aumentados e
possuem cromatina espessa. Os termos doença de Bowen
e carcinoma in situ do ânus são sinônimos de
NIAA, devendo ser evitados para não criar confusão ou
gerar tratamentos equivocados.5
Segundo a literatura, as NIAA, entre os portadores do HPV, são encontradas entre 11% e 52%
nos homens infectados pelo HIV6-9 e entre 6% e 20%
naqueles sem essa
infecção.6,9 Já, em mulheres
HIV-negativo, a taxa é de 1 a
2,8%.6,10 Apesar da melhora da imunidade dos portadores do HIV conferida pelo
tratamento com os atuais esquemas de drogas antivirais,
o número de NIA mantém-se similar ao período em
que os inibidores da protease não eram
disponíveis,(nadal) indicando a necessidade de prevenção do câncer
anal nesses doentes, estejam ou não recebendo esse
esquema terapêutico.11,12
Em geral, o diagnóstico é conseguido
pela biópsia.13 Não há tratamento satisfatório para
erradicar essa situação pré-maligna com baixos índices de
morbidez14 e a recidiva é
comum.13,14 As formas de tratamento podem de ser divididas em tópicas, por
exemplo, ácido tricloroacético, podofilina,
podofilotoxina, imiquimod, terapia fotodinâmica, e ablativas, tais
como, excisão cirúrgica, ablação pelo LASER, coagulação
pelo infravermelho e
eletrocauterização.1,2 Segundo dados
da literatura, entre 8,5% e 13% das NIAA evoluíram
para carcinoma anal invasivo, quando a conduta foi
expectante.14-16 Entretanto, naqueles que foram
submetidos a métodos ablativos sob auxílio do colposcópio,
essa taxa foi de 1,2%.17 Há, ainda, autores que
consideram aceitável a conduta expectante, uma vez que a
maioria não evoluirá para câncer e, naqueles que estiverem
em seguimento, as lesões poderão ser detectadas mais
precocemente e com maior oportunidade de
curada.14
A doença tem aspecto multifocal e, por isso,
nos doentes HIV-positivo, o aparecimento de recidivas
em qualquer lugar do anorreto é esperado, justificando o
uso dos agentes tópicos como o imiquimod e o
cidofovir.1 A aplicação do imiquimod entre oito e 20 semanas
mostrou remissão entre 74% e 84%, sendo completa
entre 25% e 46% dos doentes,2,18-20 não estando associada
às contagens séricas dos linfócitos T
CD4+21 ou às cargas virais do HPV ou do
HIV.20 Outro estudo relatou 55% de recidivas, a maioria no canal anal e relacionada
aos HPV oncogênicos.2 O 5-fluorouracil a 5%, na forma
de creme, tem os mesmos resultados, porém, apresenta
o inconveniente da irritação
local.5
A ressecção cirúrgica orientada pela
colposcopia anal é segura e elimina as NIAA dos
doentes imunocompetentes. Nos doentes HIV-positivo com
lesões de alto grau, tratadas com ressecção
e eletrofulguração, a recidiva foi de 45% a 79% em até
12 meses.17,22 A terapia com infravermelho mostrou
64% de eficácia,23 com moderada dor anal e
discreto sangramento.24 O tratamento com LASER de
CO2, guiado pela colposcópio, determinou remissão entre
63% e 83% dos doentes entre seis e 12 meses,
independendo da co-existência da infecção pelo HIV e do número
de aplicações.25,26 Entretanto, essas elevadas taxas de
recidiva dos doentes HIV-positivo sugerem a
necessidade de seguimento e
rastreamento.22 O seguimento parece não ser afetado pela idade, preferência sexual,
tabagismo ou presença de lesão de alto grau. Entretanto, o
tempo médio para erradicação esteve relacionado à
extensão da doença e ao estádio da afecção pelo
HIV.26
Na nossa experiência, as aplicações
semanais de podofilina a 25% em vaselina sólida, para as
lesões abaixo da linha pectínea, e de ácido tricloroacético
a 95%, para as lesões acima desse local, por quatro
semanas, provocaram remissão completa das lesões
em metade dos doentes HIV-positivo. Na falha do
tratamento, a ressecção e a eletrofulguração das lesões
está indicada. No seguimento, indicamos citologia
e colposcopia anal entre 15 e 30 dias após o término
do tratamento e, na ausência da doença, a cada seis
meses. Nas recidivas clínicas, voltamos ao tratamento
tópico. Na persistência de lesões subclínicas
HPV induzidas prescrevemos imiquimod creme a 5%,
três vezes por semana, durante 8 a 16 semanas. Com
esse esquema temos observado recidiva das lesões
clínicas em 22% dos doentes soropositivos e em 3%
dos soronegativos, em 12 meses. Quanto às NIAA,
ocorreram no seguimento de 44% dos soropositivos e
em 7,8% dos soronegativos. Nesse grupo com 152
doentes não houve evolução para carcinoma invasivo.
O tratamento eficaz da NIA pode reduzir o risco de desenvolvimento do carcinoma anal.
Entretanto, as terapias atuais possuem alguma morbidez e não
estão bem validadas.27 De qualquer forma, doentes
com qualquer anormalidade histológica necessitam de
seguimento adequado, principalmente com colposcopia
e citologia anal, e a cada seis meses.
ABSTRACT: Anal intra-epithelial neoplasia (AIN), provoked by HPV, is considered as an anal cancer precursor. Some articles noticed that it occurred among 11% and 52% of men who have sex with men (MSM) infected with HIV and, among seronegatives, from 6% to 20% of men and from 1% to 2.8% of women. From 8.5% to 13% of high grade AIN will evolve to invasive carcinoma, needing follow-up and screening for prevention. There is no satisfactory treatment with low morbidity and recurrence is frequent. There are two main forms of treatment: topics (trichloroacetic acid, podophylin, podophylotoxin, imiquimod, photodynamic therapy) and ablatives (chirurgical excision, LASER, infrared, eletrocautery). Others consider acceptable an expectant management. Topical therapy is justified because of multifocal presentation of HPV induced lesions and ablative treatments have similar incidences of morbidity and recurrence. Anyway, patients with histological abnormalities need suitable follow-up, with anal Pap smears and high resolution anoscopy.
Key words: Intra-epithelial neoplasia, prevention and control, Papillomavirus infections, Carcinoma, squamous cell.
Referências
1. Fox PA. Human papillomavirus and anal
intraepithelial neoplasia. Curr Opin Infect Dis. 2006;19:62-6.
2. Kreuter A, Potthoff A, Brockmeyer NH, Gambichler T,
Stücker M, Altmeyer P, et al. Imiquimod leads to a decrease of
human papillomavirus DNA and to a sustained clearance of
anal intraepithelial neoplasia in HIV-infected men. J
Invest Dermatol. 2008;128:2078-83.
3. Longacre TA, Kong CS, Welton ML. Diagnostic problems
in anal pathology. Adv Anat Pathol. 2008;15:263-78.
4. Palefsky J. Human papillomavirus and anal neoplasia.
Curr HIV/AIDS Rep. 2008;5:78-85.
5. Fleshner PR, Chalasani S, Chang GJ, Levien DH, Hyman
NH, Buie WD et al. Practice parameters for anal
squamous neoplasms. Dis Colon Rectum 2008;51:2-9.
6. McCloskey JC, Metcalf C, French MA, Flexman JP, Burke
V, Beilin LJ. The frequency of high-grade intraepithelial
neoplasia in anal/perianal warts is higher than previously
recognized. Int J STD AIDS. 2007;18:538-42.
7. Manzione CR, Nadal SR, Calore EE. Postoperative
follow-up of anal condylomata acuminata in HIV+ patients. Dis
Colon Rectum, 2003;46:1358-1365.
8. Piketty C, Darragh TM, Da Costa M, Bruneval P, Heard
I, Kazatchkine MD, et al. High prevalence of anal
human papillomavirus infection and anal cancer precursors
among HIV-infected persons in the absence of anal intercourse.
Ann Intern Med. 2003;138:453-9.
9. Sobhani I, Vuagnat A, Walker F, Vissuzaine C, Mirin B,
Hervatin F, et al. Prevalence of high-grade dysplasia and cancer in
the anal canal in human papillomavirus-infected
individuals. Gastroenterology. 2001;120:857-66.
10. Holly EA, Ralston ML, Darragh TM, Greenblatt RM, Jay
N, Palefsky JM. Prevalence and risk factors for anal
squamous intraepithelial lesions in women. J Natl Cancer Inst.
2001; 93:843-9.
11. Palefsky JM, Holly EA, Efirdc JT, Da Costa M, Jay N,
Berry JM et al. Anal intraepithelial neoplasia in the highly
active antiretroviral therapy era among HIV-positive men who
have sex with men. AIDS. 2005;19:1407-14.
12. Piketty C, Kazatchkine MD. Human
papillomavirus-related cervical and anal disease in HIV-infected individuals in the
era of highly active antiretroviral therapy. Curr HIV/AIDS
Rep. 2005;2:140-5.
13. Shepherd NA. Anal intraepithelial neoplasia and
other neoplastic precursor lesions of the anal canal and
perianal region. Gastroenterol Clin North Am. 2007;36:969-87.
14. Devaraj B, Cosman BC. Expectant management of
anal squamous dysplasia in patients with HIV. Dis Colon
Rectum. 2006;49:36-40.
15. Scholefield JH, Castle MT, Watson NF.
Malignant transformation of high-grade anal intraepithelial neoplasia.
Br J Surg. 2005;92:1133-6.
16. Watson AJ, Smith BB, Whitehead MR, Sykes PH,
Frizelle FA. Malignant progression of anal intra-epithelial
neoplasia. ANZ J Surg. 2006;76:715-7.
17. Pineda CE, Berry JM, Jay N, Palefsky JM, Welton
ML. High-resolution anoscopy targeted surgical destruction of
anal high-grade squamous intraepithelial lesions: a
ten-year experience. Dis Colon Rectum. 2008;51:829-35.
18. Nadal SR, Nadal LRM, Horta SR, Manzione CR. Efeitos
da contagem sérica dos linfócitos T CD4+ na eficácia do
imiquimod nos condilomas anais recidivantes de doentes
HIV-positivo. Rev bras Coloproct 2006;26(supl.):41.
19. Wieland U, Brockmeyer NH, Weissenborn SJ, Hochdorfer B,
Stücker M, Swoboda J, et al. Imiquimod treatment of anal
intraepithelial neoplasia in HIV-positive men. Arch Dermatol. 2006;142:1438-44.
20. Sanclemente G, Herrera S, Tyring SK, Rady PL, Zuleta JJ,
Correa LA et al. Human papillomavirus (HPV) viral load and HPV
type in the clinical outcome of HIV-positive patients treated
with imiquimod for anogenital warts and anal intraepithelial
neoplasia. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21:1054-60.
21. Nadal SR, Calore EE, Manzione CR, Assakawa MA,
Felix LM, Horta SHC. Incidência de neoplasias intraepiteliais
anais em doentes HIV-positivo portadores de
condilomas acuminados comparando períodos anterior e posterior
aos inibidores da protease. Rev bras Coloproct 2005;25:217-22.
22. Chang GJ, Berry JM, Jay N, Palefsky JM, Welton ML.
Surgical treatment of high-grade anal squamous intraepithelial lesions:
a prospective study. Dis Colon Rectum. 2002;45:453-8.
23. Cranston RD, Hirschowitz SL, Cortina G, Moe AA.
A retrospective clinical study of the treatment of high-grade
anal dysplasia by infrared coagulation in a population of
HIV-positive men who have sex with men. Int J STD
AIDS. 2008;19:118-20.
24. Stier EA, Goldstone SE, Berry JM, Panther LA, Jay N,
Krown SE, et al. Infrared coagulator treatment of high-grade anal
dysplasia in HIV-infected individuals: an AIDS malignancy consortium
pilot study. J Acquir Immune Defic Syndr. 2008;47:56-61.
25. Aynaud O, Buffet M, Roman P, Plantier F, Dupin N. Study
of persistence and recurrence rates in 106 patients
with condyloma and intraepithelial neoplasia after CO2
laser treatment. Eur J Dermatol. 2008;18:153-8.
26. Nathan M, Hickey N, Mayuranathan L, Vowler SL, Singh
N. Treatment of anal human papillomavirus-associated
disease: a long term outcome study. Int J STD AIDS. 2008;19:445-9.
27. Herat A, Whitfeld M, Hillman R. Anal intraepithelial
neoplasia and anal cancer in dermatological practice. Australas
J Dermatol. 2007;48:143-53.
Endereço para correspondência:
SIDNEY ROBERTO NADAL
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 / apto. 23
05415-030, São Paulo
Tel./FAX (+ 55 11) 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 05/09/2008
Aceito para publicação em 26/09/2008
Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo.