RELATO DE CASOS
INTUSSUSCEPÇÃO ÍLEO-CÓLICA EM ADULTO
Ileocolic Intussusception In Adult
Paulo José Haiek Araújo1; Marcelo Fernandes Rangel2; Thales Paulo Batista3
1Cirurgião Geral do Hospital Geral Santa Isabel - HGSI; Diretor do Curso Advanced Trauma Life Support - ATLS®, Paraíba; 2Cirurgião Geral do HGSI; Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; 3Cirurgião Geral do Hospital Geral Santa Isabel - HGSI.
ARAÚJO PJH; RANGEL MF; BATISTA TP. Intussuscepção Íleo-Cólica em Adulto. Rev bras Coloproct, 2008;28(4): 470-473.
RESUMO: A intussuscepção representa a invaginação de um segmento intestinal sobre outro que, apesar de relativamente comum entre as crianças, raramente acomete os adultos. Nestes, a invaginação intestinal apresenta uma causa bem definida na maioria dos casos e seu quadro clínico costuma ser bastante variável, contudo, poucos deles são diagnosticados no período pré-operatório. Um tratamento padrão ainda não pôde ser estabelecido e sua abordagem terapêutica deve ser individualizada, porém frequentemente resulta em ressecções dos segmentos intestinais envolvidos. Este artigo relata o tratamento cirúrgico de um caso de obstrução intestinal em mulher idosa, causada por intussuscepção íleo-cólica. O agente etiológico correspondia a um
tumor polipóide em íleo terminal, para a qual a utilização de imuno-histoquímica foi necessária na realização de seu diagnóstico diferencial com GIST.
Descritores: Intussuscepção, invaginação, adulto, obstrução intestinal, GIST.
INTRODUÇÃO
A intussuscepção representa a invaginação
de um segmento intestinal sobre outro que, apesar de
relativamente comum entre as crianças, raramente
acomete os adultos.
Nestes, a intussuscepção apresenta uma
causa bem definida na maioria dos casos e seu
quadro clínico costuma ser bastante variável. Os
principais exames utilizados para seu diagnóstico são
radiografia simples do abdômen, exames
contrastados, colonoscopia, ultra-sonografia (USG) e
tomografia computadorizada (TC), contudo, poucas vezes
acaba sendo identificada no pré-operatório.
Seu tratamento requer abordagem individualizada, mas comumente resulta em ressecções dos
segmentos intestinais envolvidos, precedidas ou não
por redução manual da invaginação.
Relata-se o tratamento cirúrgico de um
caso de obstrução intestinal em mulher idosa causada
por intussuscepção íleo-cólica e diagnosticada no
pré-operatório. Nela, a cabeça da invaginação formou-se
por pólipo fibróide inflamatório em íleo terminal, que
necessitou da utilização de imuno-histoquímica para
seu diagnóstico diferencial com "tumor
estromal gastrintestinal" (GIST).
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 65 anos, admitida no setor de pronto atendimento, referindo dor
abdominal e diarréia sanguinolenta persistentes por 8 dias.
Ao exame físico apresentava tumoração dolorosa de
contornos indefinidos e móvel, palpável em fossa ilíaca
e flanco direitos. Após sua admissão hospitalar,
evoluiu com distensão abdominal progressivamente mais
intensa e parada da eliminação dos gazes intestinais.
Realizou TC do abdômen, além de outros
exames complementares para rotina diagnóstica de
abdômen agudo, que mostrou "imagem em alvo"
característica em seu quadrante inferior direito, a partir do que
se concluiu tratar-se de invaginação íleo-cólica (Figura 1).
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Figura 1 - TC de abdômen com "imagem em alvo" (seta)
no quadrante inferior direito do abdômen. |
Com o diagnóstico de obstrução intestinal
por intussuscepção, submeteu-se à laparotomia
exploradora, que confirmou a presença da invaginação
íleo-cólica sem sinais de sofrimento vascular dos segmentos
envolvidos (Figura 2). Após redução manual desta,
realizou-se enterectomia segmentar e reconstrução imediata
do trânsito intestinal por meio de anastomose
término-terminal distante cerca de 5 cm da junção ileocecal,
associada à apendicectomia tática, durante o mesmo
procedimento cirúrgico. Aberta a peça no
trans-operatório, notou-se a presença de tumor polipóide e friável de
aproximadamente 4 cm em seu maior diâmetro, formando
a "cabeça da invaginação" (Figura 3).
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Figura 2 - Aspecto trans-operatório da intussuscepção íleo-cólica. |
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Figura 3 - Peça operatória aberta mostrando a "cabeça"
da intussuscepção. |
A paciente evoluiu sem intercorrências e
com progressiva melhora, recebendo alta ao sétimo dia
de pós-operatório com orientações sobre seu
acompanhamento.
A análise anátomo-patológica
convencional (hematoxilina-eosina) da peça operatória sugeriu
tratar-se de GIST ulcerado de padrão celular misto e
baixa atividade mitótica, ressecado com margens
cirúrgicas livres de neoplasia. Amostras da peça operatória
foram, portanto, encaminhadas para confirmação
diagnóstica por meio de avaliação imuno-histoquímica (IHQ), a
qual acabou excluindo esta possibilidade pela negatividade
dos marcadores CD117 (c-Kit), SMA, Desmina, CD34 e Proteína S100. Desta maneira, chegou-se ao
diagnóstico final de pólipo fibróide inflamatório, após revisão
dos exames. Por fim, a paciente foi orientada sobre os
resultados encontrados e recebeu alta ambulatorial.
DISCUSSÃO
A intussuscepção intestinal foi
inicialmente descrita na segunda metade do século
XVII 1, e apesar de relativamente comum entre as crianças,
a invaginação de um segmento intestinal sobre outro
raramente acomete os adultos, que representam
atualmente 5% dos acometidos e para os quais a
mesma constitui o fator etiológico de apenas 1-5% dos
casos de obstrução intestinal
1,2,3,4.
Enquanto na infância um fator causal
habitualmente não pode ser identificado, entre os adultos
a intussuscepção decorre de um fator etiológico bem
definido em até 90% das vezes
1,2,3,4,5. Um tumor maligno está envolvido em 20 a 50% dos casos em
geral 1, podendo atingir até 68% quando se considera somente o
intestino grosso 3. Por outro lado, no intestino delgado, 1-40%
são decorrentes de neoplasias malignas, em sua maioria
representadas por lesões metastáticas
1. A idade média dos acometidos varia de 40 a 57 anos, não havendo
predominância clara sobre um ou outro sexo
1,3.
De acordo com sua localização intestinal,
as intussuscepções podem ser classificadas em
entérica, íleo-cólica, ileocecal, colo-cólica, colo-retal e
reto-retal. A localização entérica costuma ser a mais
freqüente, ao passo que a topografia ileocecal representa de 9
a 35% dos casos 1,2,3.
O quadro clínico é bastante variável, mas
dor abdominal aflige praticamente todos os pacientes
1,2,3,5. Outros sintomas encontrados são náuseas,
vômitos, massa abdominal, constipação, diarréia,
febre, meteorismo intestinal, enterorragia, parada da
eliminação de gazes intestinais e/ou peritonite
1,2. Sinais típicos de obstrução intestinal, contudo, estão
presentes em apenas 50% dos pacientes 1.
Os principais exames utilizados na
investigação diagnóstica são radiografia simples, exames
contrastados e tomografia computadorizada (TC) do
abdômen, além de colonoscopia e ultra-sonografia (USG)
1. No entanto, o diagnóstico pré-operatório de
intussuscepção é realizado em somente um terço dos casos
1,2,3. Os achados típicos de "imagem em alvo" ou em
"salsicha", dependendo da projeção axial da intussuscepção
durante o exame, são descritos na USG e TC e sugerem
fortemente o diagnóstico de intussuscepção
4. A colonoscopia e o enema baritado, ainda, podem
ser terapêuticos em alguns poucos casos.
Neste relato, a USG não foi solicitada devido
às limitações técnicas do método relacionadas à
distensão gasosa promovida pela obstrução intestinal,
preferindo-se a TC por disponibilizar imagens que podem ser
avaliadas pelo radiologista e pela equipe cirúrgica.
O primeiro tratamento cirúrgico bem
sucedido da intussuscepção somente foi citado em uma
criança em 18711, mas atualmente a abordagem operatória
para este grupo etário restringe-se aos casos em que
um enema terapêutico não foi bem sucedido ou na
presença de sinais de peritonite e/ou perfuração intestinal
na apresentação inicial. Para os adultos, todavia, seu
tratamento requer abordagem individualizada
1,2,3,5 e geralmente envolve a ressecção dos segmentos
intestinais acometidos 1. Invaginações envolvendo os
cólons devem ser preferivelmente submetidas à
ressecção "en bloc" sem redução prévia, uma vez que a
maior parte delas são decorrentes de neoplasias
malignas 1,2,3,5. Para aquelas limitadas ao intestino delgado,
e quando este for viável, pode-se lançar mão da
redução antes da ressecção quando um diagnóstico benigno
puder ser feito no pré-operatório ou uma ressecção
mais alargada puder resultar em síndrome do intestino
curto 1,2,5. Outras opções mais conservadoras devem
ser desencorajadas ou limitadas a casos
selecionados, mesmo levando em conta que um tratamento
padrão ainda não tenha sido alcançado.
No referido caso, a redução foi
taticamente empregada com o intuito de se poupar o ceco, que
não apresentava comprometimento macroscópico pelo
tumor. Empregou-se, ainda, apendicectomia com o
intuito de se evitar confusão diagnóstica futura.
Por outro lado, os GISTs são neoplasias mesenquimais caracterizados por achados
histológicos típicos e pela expressão do receptor Kit (CD117)
por meio da IHQ, bem como de outros marcadores que podem estar positivos em percentuais variados
dos casos. O emprego desta técnica, além de ser
importante para seu diagnóstico diferencial, tem grande
valor pela implicação de seu resultado sobre o
tratamento, através da identificação dos casos
respondedores ao STI571 (mesilato de imatinib), que representa a
primeira droga a agir especificamente na
alteração molecular responsável pela etiologia destes
cânceres 6.
A utilização do exame imuno-histoquímico
da peça operatória foi fundamental para a realização
do diagnóstico definitivo neste relato, servindo para
afastar a possibilidade de GIST sugerida inicialmente
pela análise anatomopatológica convencional.
Este artigo chama atenção pela raridade da
entidade descrita, que pôde ser diagnosticada no
pré-operatório pelo achado tomográfico característico na
vigência de obstrução intestinal típica, assim como pelo
adequado diagnóstico diferencial realizado através da IHQ.
ABSTRACT: Whereas intussusception is relatively common in children, it is clinically rare in adults and requires a high
index of suspicion. Controversy remains regarding the optimal management of this problem in the adult patient, but its
treatment usually requires resection of the involved intestinal segment because of the frequency of neoplasms and bowel ischemia.
This article reports one uncommon case of intestinal obstruction due to ileocolic intussusception in an older woman treated
by surgical approach.
Key words: Intussusception, invagination, adult, intestinal obstruction, GIST.
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of gastrointestinal stromal tumors. Report of the GIST
Consensus Conference of 20-21 March 2004, under the auspices of
ESMO. Ann Oncol. 2005;16(4):566-78.
Endereço para correspondência:
Thales Paulo Batista
Caixa Postal 3862 - 50110-970 - Recife-PE
E-mail: t.paulo@bol.com.br
Recebido em 05/12/2006
Aceito para publicação em 22/01/2007
Trabalho realizado no Hospital Geral Santa Isabel - HGSI, João Pessoa - PB.