RELATOS DE CASOS


HÉRNIA PERINEAL PRIMÁRIA: RELATO DE CASO

Primary Perineal Hernia: Case Report

HERNÁN AUGUSTO CENTURIÓN SOBRAL1; JULIANA SUAREZ WOLF2; RODRIGO BRITTO DE CARVALHO2; JULIANA MAGALHÃES LOPES2; GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA3

1Médico Preceptor do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, FSBCP. 2Médico Residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis. 3Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, TSBCP.


SOBRAL HAC; WOLF JS; CARVALHO RB; LOPES JM; FORMIGA GJS. Hérnia Perineal Primária: Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2009;29(1): 102-105.

Resumo: As hérnias perineais primárias resultam de um defeito no assoalho pélvico que permite a passagem de conteúdo abdominal para a região pelve-perineal. É uma enfermidade rara, tendo sido descritos menos de cem casos até hoje. Apresentamos o caso de uma paciente jovem com queixa recente de tumoração glútea dolorosa que, mesmo após o exame físico e tomográfico, não teve sua etiologia esclarecida. Foi então submetida à ressecção cirúrgica da lesão via perineal, quando se confirmou tratar-se de saco herniário isquiorretal esquerdo transpondo defeito no músculo elevador do ânus. Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório e sem indícios de recidiva.

Descritores: Hérnia perineal; hérnia pélvica; hérnia isquiorretal; hérnia congênita; hérnia pudenda.

INTRODUÇÃO
Hérnia perineal primária, também denominada de hérnia pélvica, isquiorretal, pudenda e do fundo de saco de Douglas, foi descrita inicialmente por Garengeot em 1736 e resulta da formação espontânea de um defeito na musculatura do assoalho pélvico com consequente herniação do conteúdo peritoneal1,2.
   Devido a sua raridade e às diversas formas de apresentação e tratamento, relatamos um caso desta enfermidade, com uma breve revisão da literatura.

RELATO DO CASO
Mulher de 32 anos, multípara (três partos normais), há três meses com tumoração dolorosa em nádega esquerda, associada a relato de drenagem de abscesso nesta região há dois anos. O exame proctológico revelou abaulamento em reto e canal anal, extendendo-se ao períneo e nádega esquerdos, de aproximadamente 10 cm de diâmetro, consistência cística e sem sinais flogísticos. CT pélvica evidenciou coleção homogênea, contornos regulares, limites bem definidos, comprimindo a parede póstero-lateral esquerda do reto, deslocando anteriormente bexiga e vagina e estendendo-se para fossa isquiorretal homolateral (Figura 1).
Figura 1 - CT de pelve demonstrando lesão cística em fossa isquiorretal esquerda.

   Submetida a tratamento cirúrgico via perineal, através de uma incisão longitudinal na região glútea esquerda, abertura da fossa isquiorretal e dissecção da lesão cística com aspecto semelhante a saco herniário cranialmente até o assoalho pélvico, próximo à tuberosidade isquiática (Figura 2). À abertura da peça, observou-se continuidade com a cavidade peritoneal, presença de conteúdo líquido amarelo citrino e sem alças intestinais (Figura 3). O excesso do saco foi ressecado e sua base suturada, realizada aproximação dos planos anatômicos, além de drenagem com Penrose do espaço remanescente (Figuras 4 e 5).
Figura 2 - Dissecção da lesão na fossa isquiorretal esquerda até o músculo elevador do ânus.

Figura 3 - Abertura da peça demonstrando ausência de vísceras e continuidade com a cavidade peritoneal.

Figura 4 - Colo do saco herniário suturado.

Figura 5 - Aspecto ao final da cirurgia.

   Estudo anátomo-patológico mostrou tratar-se de tecido fibroadiposo correspondente a parede de saco herniário peritoneal, ratificando o diagnóstico (Figuras 6 e 7).
Figura 6 - Aspecto macroscópico da lesão (saco herniário).

Figura 7 - Microscopia óptica com coloração HE compatível com tecido peritoneal.

   Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório imediato, estando em acompanhamento ambulatorial há onze meses sem sinais de recidiva.

DISCUSSÃO
As hérnias perineais são raras, sendo relatados menos de cem casos na literatura mundial consultada1-3. Acometem pacientes entre a quinta e sétima décadas de vida, sobretudo mulheres numa proporção de 5:11-4,6.
   Os distúrbios associados são, principalmente, fraqueza do assoalho pélvico relacionada a trauma obstétrico (provavelmente o que acontecera com nossa paciente), tosse crônica, obesidade, ascite ou outras formas de aumento da pressão intra-abdominal, como também pelve larga tipo ginecóide, fundo de saco de Douglas profundo e defeitos congênitos da musculatura pélvica1-7.
   Podem ser classificadas em primárias ou secundárias, estando estas últimas relacionadas a ressecções cirúrgicas pelve-perineais prévias como amputação abdomino-perineal do reto e exenterações pélvicas. Já as formas primárias podem ser subdivididas em medianas, quando relacionadas à profundidade anormal do fundo de saco, provocando abaulamento na parede posterior da vagina ou anterior do reto (enteroceles); e laterais, tanto anteriores, devido a defeito no diafragma urogenital, como posteriores, em virtude de falha nos músculos elevadores do ânus, a depender da relação topográfica do saco herniário com o músculo transverso profundo do períneo1-5,7. Em se tratando do caso em questão, foi classificado como hérnia primária lateral e posterior, por ser espontânea e encontrar-se posteriormente ao músculo transverso profundo do períneo.
   O quadro clínico caracteriza-se por tumoração amolecida, dolorosa e eventualmente redutível em grandes lábios, períneo ou glúteos, podendo associar-se a distúrbios miccionais e evacuatórios, sendo pouco freqüentes os quadros obstrutivos agudos por estrangulamento do conteúdo herniário1-6. Entretanto, muitas outras condições mais comuns mimetizam massas perineais e glúteas, como hamartomas, lipomas, cistos, sobretudo os de Bartholin, retoceles e cistoceles, prolapso retal e, principalmente, abscessos anorretais1,2,6.
   Em virtude do exame físico geralmente não acrescentar dados significantes ao diagnóstico clínico, deve-se lançar mão de exames de imagem, inicialmente através de radiografias simples ou contrastadas (enema opaco) da pelve e períneo, com intuito de identificar presença de alças intestinais nestas regiões1-6. A confirmação é feita pela ecografia, tomografia computadorizada1-6 ou ressonância nuclear magnética5, as quais evidenciarão parede e conteúdo do saco herniário, como alças, bexiga, omento ou ascite.
   Como qualquer outra forma de hérnia, o tratamento é cirúrgico1-7. Nas hérnias perineais podem-se efetuar tanto abordagens perineais, na presença de hérnias laterais pequenas, como abdominais, na suspeita de encarceramento, ou procedimentos mistos, indicados nas hérnias mediais e laterais volumosas, sendo estes últimos os mais realizados, associados ou não à interposição de telas ou fáscias ao defeito anatômico1-6. Optamos por abordagem perineal exclusiva devido à dúvida diagnóstica e por tratar-se de saco herniário lateral de tamanho médio e sem conteúdo visceral, efetuando a correção do defeito sem necessidade do uso de próteses.

ABSTRACT: Primary perineal hernias result from a defect in the pelvic floor. It is a rare disease, having been described less than one hundred cases until today. We present a case of a young patient with recent complaint of painful gluteal tumor that even after the physical examination and CT did not clarified its etiology. She was submitted to a perineal resection of the lesion that confirmed being a hernia. She is going well without recurrence.

Key words: Perineal hernia; pelvic hernia; ischiorectal hernia; congenital hernia; pudendal hernia.

Referências
1. Thomford NR, Sherman NJ. Primary perineal hernia. Dis Colon Rectum 1969; 12(6): p 441-443.
2. Mandarano R, Giorgi G, Venturini N, Mancini E, Natale A, Tiburzi C. Ernia perineale. Minerva Chir 1999; 54: p 523-529.
3. Cali RL, Pitsch RM, Blatchford GJ, Thorson A, Christensen MA. Rare pelvic floor hernias. Dis Colon Rectum 1992; 35(6): p 604-612.
4. Mohta A, Bhargava SK. Congenital perineal hernia: report of a case. Surg Today 2004; 34: p 630-631.
5. Singh K, Reid WMN, Berger LA. Translevator gluteal hernia. Int Urogynecol J 2001; 12: p 407-409.
6. Salum MR, Prado-Kobata MH, Saad SS, Matos D. Primary perineal posterior hernia. An abdominoperineal approach for mesh repair of the pelvic floor. Clinics 2005; 60(1): p 71-74.
7. Sarr MG, Stewart JR, Cameron JC. Combined abdominoperineal approach to repair of postoperative perineal hernia. Dis Colon Rectum 1982; 25(6): p 597-599.

Endereço para correspondência:
HERNÁN AUGUSTO CENTURIÓN SOBRAL
Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
Rua Cônego Xavier, 276. Vila Heliópolis
04231-030 - São Paulo - SP - Brasil
Fone: (11) 2274-7600 (ramal 244)
E-mail: hacsobral@uol.com.br

Recebido em 08/10/2008
Aceito para publicação em 20/11/2008

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.