ARTIGOS ORIGINAIS
HEMORROIDECTOMIA CONVENCIONAL VERSUS HEMORROIDOPEXIA MECÂNICA (PPH). ESTUDO RETROSPECTIVO DE 253 CASOS
Conventional Hemorrhoidectomy Versus Stapled Hemorrhoidopexy (PPH). A Retrospective Study of 253 Patients
Raphael Marianelli1, StÊnnio Pablo GonÇalves Machado1, Maristela Gomes de Almeida2, AntÔnio Carlos Baraviera3, VinÍcio Falleiros3, Rodrigo JosÉ Lolli4; Tereza de Carvalho VilariÑo5
1 Residente de Coloproctologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM-SP), 2 Mestra e Doutora em Coloproctologia, médica assitente junto ao Departamento de Coloproctologia do HSPM-SP, 3 Médico assistente junto ao Departamento de Coloproctologia do HSPM-SP, 4 Acadêmico de medicina da UNIMES, 5 Mestra em Coloproctologia e Coordenadora do Departamento de Coloproctologia do HSPM-SP.
Resumo: O objetivo deste estudo foi rever a experiência do serviço de coloproctologia do HSPM-SP no tratamento cirúrgico da doença hemorroidária. Estudou-se retrospectivamente 253 pacientes portadores de hemorroidas submetidos à cirurgia no período de 10/05/2004 a 31/12/2007. Foram estabelecidos dois grupos: Grupo 1) Pacientes operados pela técnica convencional (212); Grupo 2) Pacientes operados pelo PPH (41). Estudou-se, pela revisão de prontuários, as características epidemiológicas, indicações, resultados e complicações de cada grupo. Entre os 253 pacientes analisados, 170 eram mulheres, com média de idade de 50 anos. O tempo operatório médio foi de 52 minutos para o grupo 1, e 31 minutos para o grupo 2 (p=0,0001). O tempo médio de alta ambulatorial foi de 10 e 6 semanas para o grupo 1 e 2, respectivamente (p=0,021). As complicações totalizaram 28 casos no grupo 1, e 3 casos no grupo 2 (p>0,05). Cerca de 13 casos no grupo 1, e 1 caso no grupo 2 necessitaram de reintervenção cirúrgica. Neste serviço a técnica mais utilizada foi a hemorroidectomia convencional. O método do PPH apresentou tempo operatório mais curto, e recuperação pós-operatória mais breve. Houve uma maior tendência a complicações tardias e recidivas com o grupo de hemorroidectomia convencional, porém sem significância estatística.
Descritores: Hemorroidas, hemorroidectomia, hemorroidopexia, PPH, complicações.
INTRODUÇÃO
O tratamento das hemorróidas pode ser
classificado em três categorias: 1) modificação da dieta
e estilo de vida; 2) procedimentos ambulatoriais não
cirúrgicos; 3) tratamento
cirúrgico1,2.
As modificações de dieta e estilo de vida
são aplicáveis a todos os pacientes, sendo muitas vezes
o único tratamento necessário nos pacientes com
doença de 1º e 2º grau. Consistem numa adequada ingestão
de líquidos e fibras, o que pode ser obtido com a
simples modificação de hábitos alimentares ou com ajuda de
suplementos de fibra dietética
(psyllium, plantago ovata, ágar-ágar, metilcelulose, cálcio policarbofil)
disponíveis sob diferentes nomes comerciais. Modificações dos
hábitos evacuatórios e de higiene pessoal, evitando uso
do papel higiênico, também são
recomendáveis1,2.
Uma série de procedimentos ambulatoriais
não-operatórios está descrita na literatura, podendo-se
citar entre eles: ligadura elástica,
escleroterapia, crioterapia, fotocoagulação por infravermelho,
diatermia e eletrocoagulação. Estas técnicas podem ser
utilizadas em doença de 1º grau, alguns casos de 2º grau
e casos bem selecionados de 3º
grau1-4.
A indicação clássica de cirurgia no
tratamento das hemorroidas acontece nos casos de 3º e 4º
grau, estimando-se em 5% a 10% a necessidade do
tratamento operatório. A recorrência é incomum após
tratamento cirúrgico, e este sem dúvida é o
método terapêutico mais
eficaz1,3-5.
O princípio fundamental da
hemorroidectomia é a ressecção dos coxins ou mamilos
hemorroidários, com ou sem a ligadura do pedículo vascular.
Apesar dos inúmeros epônimos utilizados para sua
descrição, existem basicamente quatro técnicas:
1) hemorroidectomia aberta, descrita por Milligan
e Morgan6; 2) hemorroidectomia fechada, descrita
por Ferguson7; 3) hemorroidectomia circular, descrita
por Whitehead8; 4) hemorroidectomia mista
(combinação de técnicas). Alguns cirurgiões propuseram
aperfeiçoamentos para as técnicas originais, como
Obano9, Parks10,
Sokol11 e Ruiz Moreno12, sem caracterizar
uma nova técnica.
Apesar de diferentes proposições técnicas
a hemorroidectomia têm índice de complicações
considerável, variando entre 3,1% e
12%2,13-24. Dentre as complicações mais comuns estão: dor local, retenção
urinária, hemorragia, estenose anal, ferida fissuróide,
fístula perianal, incontinência anal e
recorrência1-3,5,13-25.
Recentemente um novo método cirúrgico
para o tratamento das hemorroidas foi apresentado por
Longo26. Inicialmente denominado de forma errônea
como hemorroidectomia mecânica, este método difere
drasticamente da hemorroidectomia convencional
descrita acima. Consiste basicamente na ressecção de
faixa circular de mucosa do reto distal, acima dos
mamilos hemorroidários, com o auxílio de um
grampeador endoluminal circular. Nesta técnica não se realiza
uma hemorroidectomia e sim uma fixação dos
coxins hemorroidários em sua posição anatômica. Em
2003, um consenso internacional no assunto propôs a
modificação da nomenclatura para Hemorroidopexia
Mecânica, além de padronizar a técnica e
definir
contraindicações27.
A hemorroidopexia mecânica, por não
produzir incisões e feridas sobre o anoderma do canal
anal, produz recuperação pós-operatória mais rápida e
com menos dor, propiciando o retorno precoce as
atividades cotidianas. No entanto, complicações sérias
têm sido relatadas como perfuração retal,
sepsis retroperitoneal e abscesso pélvico. Outras
complicações mais comuns e menos graves incluem
trombose hemorroidária, sangramento da linha de
grampeamento, recidiva, estenose, incontinência e fissura anal. Os
índices gerais de complicação variam muito na
literatura, com valores entre 3% e
31%1,3,4,28-43.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é rever a
experiência do Serviço de Coloproctologia do Hospital do
Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM) no
tratamento cirúrgico da doença hemorroidária, observando
e comparando as características epidemiológicas,
indicações, complicações e resultados das técnicas
de hemorroidectomia convencional e hemorroidopexia mecânica (PPH).
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram revisados 283 prontuários de
pacientes portadores de doença hemorroidária submetidos ao
tratamento cirúrgico entre 10/05/2004 e 31/12/2007.
Pacientes portadores de hemorroidas externas ou
mistas, trombose hemorroidária, hemorroidectomia
prévia, fissura, fístula ou condiloma anal associados foram
excluídos da pesquisa, chegando a um total de 253
pacientes portadores de hemorroidas internas isoladas.
Esta população foi dividida em dois grupos: Grupo 1)
Pacientes operados pela técnica de Hemorroidectomia
Convencional (n=212); Grupo 2) Pacientes operados
pela técnica de Hemorroidopexia Mecânica (n=41). No
Grupo 1 as técnicas utilizadas foram a de
Milligan-Morgan6, Ferguson7,
Obano9 ou Técnica Mista (Tabela 1).
No Grupo 2 os pacientes foram operados conforme a
técnica descrita por Longo e preconizada pelo Consenso
Internacional26,27. Foram estudadas de forma
retrospectiva, através da revisão de prontuários, as
características epidemiológicas, indicações, complicações,
necessidade de reintervenção cirúrgica, tempo operatório,
alta ambulatorial e seguimento para cada grupo. Os
dados foram coletados por um único pesquisador, e
analisados somente após a documentação de todos os
prontuários. Os resultados e complicações de ambos os grupos
foram comparados e verificados quanto à
significância estatística através do teste exato de Fischer, com
auxílio de software estatístico (MedCalc® versão 9.6.4.0).
Gráfico 1 - Tempo Operatório Médio (p = 0,0001). |
Gráfico 2 - Tempo Médio de Alta Ambulatorial (p = 0,021). |
Gráfico 3 - Total de Complicações Anais e Reoperações por Grupos. § p=0,54; ¥ p=0,69. |
ABSTRACT: The aim of this study was to review the experience of the Coloproctology Department of HSPM-SP in the treatment of hemorrhoids. We have retrospectively studied 253 patients submitted to the surgical treatment of hemorrhoids between 05/10/2004 and 12/31/2007. Patients were distributed in groups: Group 1) Conventional Hemorrhoidectomy (212); Group 2) Stapled Hemorrhoidopexy (41). Epidemiology, indications, results and complications were studied based on registers. From 253 patients studied, 170 were women, with a mean age of 50 years. Mean operating time was 52 minutes (25 -120) in group 1 and 31 minutes (20 _ 65) in group 2 (p=0.0001). Mean time for ambulatory discharge was 10 and 6 weeks for groups 1 and 2 respectively (p=0.021). The overall complications totalized 28 cases in group 1 and 3 cases in group 2 (p>0,05). In consequence of these complications, 13 cases in group 1, and 1 case in group 2 were submitted to a new surgical procedure. At this Department the most used technique was conventional hemorrhoidectomy. Stapled hemorrhoidopexy was associated with less operating time and a faster functional recovery (early ambulatory discharge). Hemorrhoidectomy was associated with more complications and recurrence, but without statistical significance.
Key words: Hemorrhoids, hemorrhoidectomy, hemorrhoidopexy, PPH, complications.
Referências
1. Corman ML. Colon and Rectal Surgery, 5th
Edition. Lippincott Williams & Wilkins, 2005:178.
2. Cruz MG et col. Complicações pós-operatórias cirúrgicas
da hemorroidectomia: revisão de 76 casos de complicações.
Rev Bras Colo-Proct 2007;27(1):42-57.
3. Gordon PH, Nivatvongs S. Principles and Practice for the
Surgery of Colon, Rectum and Anus, 3rd ed, Informa Healthcare, 2007:143.
4. Wolff BG, Fleshman JW, Beck DE, Pemberton JH,
Wexner SD. The ASCRS Textbook of Colon and Rectal
Surgery. Springer, 2007:156.
5. Bacon HE. Anus, rectum and sigmoid colon, 3rd ed, vol
1. Philadelphia: JB Lippincott, 1949:453.
6. Milligan ET, Morgan CN, Jones LE. Surgical anatomy os
the anal canal and the operative treatment of hemorrhoids.
Lancet 1937;2:119-124.
7. Ferguson JA & Heaton JR. Closed Hemorrhoidectomy.
Dis Colon Rectum 1959;2:176-179.
8. Whitehead W. The surgical treatment of hemorrhoids. Br
Med J 1882;1:148-50.
9. Obano RN. Hemorrhoids. An Alap 1966;1:110.
10. Parks AG. The surgical treatment of haemorrhoids. Br J
Surg 1956;43:337-351.
11. Borba MR, Sobrado Jr CW et Sokol S.
Hemorroidectomia pela técnica fechada (Técnica de Sokol). _ análise de 322
doentes. Rev Bras Colo-Proct 1997;17(2):98-100.
12. Ruiz Moreno. Hemorroidectomia in: 21º Congresso
Brasileiro de Coloproctologia 1971.33.
13. Bleday R, Pena JP, Rothenberger DA, Goldberg SM, Buls
JG. Symptomatic hemorrhoids: current incidence and complications of operative therapy. Dis Colon
Rectum 1992;35(5):477_481.
14. Eu KW, Seow-Choen F, Goh HS. Comparison of
emergency and elective haemorrhoidectomy. Br J Surg
1994;81(2):308_310.
15. Habr-Gama A et col. Surgical treatment of anal
stenosis: assessment of 77 anoplasties. Clinics 2005;60(1):17-20.
16. Johnstone CS, Isbister WH. Inpatient management of piles:
a surgical audit. Aust N Z J Surg 1992;62(9):720_724.
17. Lacerda-Filho A, Cunha-Melo JR.
Outpatient haemorrhoidectomy under local anaesthesia. Eur J
Surg 1997;163(12):935_940.
18. Leff EI. Hemorrhoidectomylaser vs.
nonlaser: outpatient surgical experience. Dis Colon
Rectum 1992;35(8):743_746.
19. Reis Neto JÁ, Quilici FA, Reis Jr JÁ. Classificação e
tratamento das estenoses anais cicatriciais. Rev Bras
Colo-Proct 1987;7(1):7-12.
20. Reis Neto JA, Quilici FA, Cordeiro F, Reis Junior JA.
Open versus semi-open hemorrhoidectomy: a random trial. Int
Surg 1992;77(2):84_90.
21. Sayfan J. Complications of
Milligan-Morgan hemorrhoidectomy. Dig Surg 2001;18:131-133.
22. Tagliolatto Jr L. Estenose anal cicatricial: anoplastia
por deslizamento de duplo retalho. Rev Bras
Colo-Proct 1989;9(4):146-150.
23. Tajana A. Hemorrhoidectomy according to
Milligan-Morgan: ligature and excision technique. Int Surg
1989;74(3):158_161.
24. Wang JY, Chang-Chien CR, Chen JS, Lai CR, Tang RP.
The role of lasers in hemorrhoidectomy. Dis Colon
Rectum 1991;34(1):78_82
25. Banov L Jr, Knoepp LF Jr, Erdman LH, Alia
RT. Management of hemorrhoidal disease. J S C Med
Assoc 1985;81(7):398_401.
26. Longo A. Treatment of hemorrhoids disease by reduction
of mucosa and hemorrhoidal prolapse with circular
suturing device: a new procedure. In Proceeding of the 6th
World Congress of Endoscopic Surgery _ Rome. Monduzzi Editore:
Bologna 1998; 777_784.
27. Corman ML et al. Stapled haemorrhidopexy: a
consensus position paper by an international working party
_ indications, contra-indications and technique. Colorectal
Dis 2003;5:304-10.
28. Almeida MG, et al. Tratamento cirúrgico de hemorróidas
internas e prolapso mucoso do reto pela técnica de
Longo (grampeamento circular) _ experiência inicial. Rev Bras
Colo-Proct 2004;24(3):225-229.
29. Brusciano MD, et al. Reinterventions after complicated
or failed stapled hemorrhoidopexy. Dis Colon
Rectum 2004;47:1846-1851.
30. Cataldo P, et al. Practice parameters for the management
of hemorrhoids. Dis Colon Rectum 2005;48:189-194.
31. Ganio E, Altomare DF, Milito G, Gabrielli F, Canuti S.
Long-term outcome of a multicentre randomized clinical Trial
of stapled haemorrhoidectopexy versus
Milligan-Morgan haemorhoidectomy. Br J Surg 2007;94:1033-1037.
32. Gravié JF, et al. Stapled hemorrhoidopexy versus
Milligan-Morgan hemorrhoidectomy. A prospective,
randomized, multicenter trial with 2 year postoperative follow up.
Ann Surg 2005;242(1):29-35.
33. Hetzer FH, et al. Stapled vs excision hemorrhoidectomy.
Arch Surg 2002;137:337-340.
34. Jayaraman S, Colquhoun PHD, Malthaner RA.
Stapled versus conventional surgery for hemorrhoids.
Cochrane Database of Systematic Reviews 2006, Issue 4. Art.
No.: CD005393.
35. Jayaraman S, Colquhoun PHD, Malthaner RA.
Stapled hemorrhoidopexy is associated with a higher
long-term recurrence rate of internal hemorrhoids compared
with conventional excisional hemorrhoid surgery. Dis Colon
Rectum 2007;50:1297-1305.
36. Mattana MD, et al. Stapled hemorrhoidopexy and
Milligan-Morgan hemorrhoidectomy in the cure of
fourth-degree hemorrhoids: long-term evaluation and clinical results.
Dis Colon Rectum 2007;50:1770-1775.
37. Ortiz H, Marzo J, Armendáriz P, De Miguel M.
Stapled hemorrhoidpexy vs. Diathermy excision for fourth
degree hemorrhoids: a randomized clinical Trial and review
of literature. Dis Colon Rectum 2005;48:809-815.
38. Pasha J, et al. Stapled hemorrhoidopexy compared
with conventional hemorrhoidectomy: systematic review
of randomized, controlled trials. Dis Colon Rectum
2004;47:1837-1845.
39. Raahave D, Jepsen LV, Pedersen IK. Primary and
repeated stapled hemorrhoidopexy for prolapsing
hemorrhoids: follow-up to five years. Dis Colon Rectum
2008;51:334-341.
40. Racalbuto A, et al. Hemorrhoidal stapler prolapsectomy
vs. Milligan Morgan hemorrhoidectomy: a long-term
randomized trial. Int J Colorectal Dis 2004;19:239-244.
41. Ravo B, et al. Complications after stapled
hemorhoidectomy: can they be prevented? Tech Coloproctol 2002;6:83-88.
42. Shao WJ, et al. Systematic review and meta-analysis
of randomized controlled trials comparing stapled haemorrhoidopexy with conventional haemorrhoidectomy.
Br J Surg 2008;95:147-160.
43. Tjandra JJ, Miranda KY, Chan MBBS.
Systematic review on the procedure for prolapse and
hemorrhoids (stapled hemorrhoidopexy). Dis Colon
Rectum 2007;50:878-892.
44. Musiari JP. Estenosis de ano. Sem Méd 1954;104:803-4.
Endereço para correspondência:
Raphael Marianelli
R. Castro Alves, nº 265, apt. 66, Aclimação
São Paulo / SP - CEP: 01532-001
Telefone: (0xx11) 9960-4030
E-mail: raphaelmarianelli@yahoo.com.br
Recebido em 14/01/2009
Aceito para publicação em 05/03/2009
Trabalho realizado no Departamento de Coloproctolgia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM-SP).