ARTIGOS ORIGINAIS
ANASTOMOSES COLÔNICAS APÓS MUCOSECTOMIA QUÍMICA, EM RATOS
Colonic Anastomosis after Chemical Mucosectomy in Rats
Ivana Duval-Araujo1; Luiz Eduardo Moreira Teixeira2; Rubem Mateus C. Miranda3; Daírton Miranda4; Cíntia Coutinho de Morais5
1 Professor associado-doutor, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 2 Mestre. Aluno do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia (Doutorado), Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 3 Médico; 4 Médico Patologista; 5 Médica.
Resumo: Objetivo: Avaliar, experimentalmente, os efeitos da mucosectomia química sobre a cicatrização de anastomoses colônicas. Metodologia: Estudou-se 17 ratos Wistar machos divididos nos seguintes grupos: A (n=12), anastomose colônica; B (n=13), anastomose colônica após mucosectomia. A mucosectomia foi realizada através da introdução de um bastão de nitrato de prata a 10%, durante um minuto, através das duas bocas a serem anastomosadas, e as anastomoses realizadas em plano único total, evertente, com fio polivicril 6-0 em pontos separados. Os animais foram estudados após 7 dias (6 do grupo A1 e 6 do grupo B1) e 14 dias (7 do grupo A2 e 6 do grupo B2) da cirurgia, e realizadas observações macroscópicas da presença de aderências, fístulas (saída de secreção através da anastomose ou teste da pressão de ruptura igual a zero), estenose (dilatação intestinal proximal à anastomose), abscessos peri-anastomóticos e peritonite. Foi também avaliada a pressão de ruptura das anastomoses e histologia das anastomoses. Os resultados qualitativos foram avaliados pelo teste do Qui-quadrado (com correção de Yates) e os quantitativos através do teste de Kruskall-Wallis, sendo considerados significativos valores de p<0,05. Resultados: Nenhum dos animais estudados apresentou fístulas. A incidência de aderências peri-anastomóticas não foi diferente entre os grupos (A1=100%, B1=100%, p=N.S.; A2=75%, B2=50%, p=N.S.). Houve semi-obstrução da anastomose em 25% dos animais do grupo A1, 50% daqueles do grupo B1, 25% dos animais do grupo A2 e 50% dos animais do grupo B2, sem diferença significativa entre os grupos. A pressão de ruptura, em mmHg, foi de 27,0 ± 4,5 no grupo A1, 34,5 ± 2,0 no grupo B1, 28,9 ± 4,2 no grupo A2 e 24,0 ± 3,4 no grupo B2, com aumento significativo no grupo B1 quando comparados aos grupos A1 (p=0,03) e B2 (p=0,02). Concluindo, a mucosectomia química com o uso do nitrato de prata, ao contrário daquela realizada mecanicamente, não associou-se a maior incidência de complicações da anastomose no cólon direito de ratos. Houve, entretanto, aumento da força da anastomose no período inflamatório, sem influência no período de fibroplasia da cicatrização.
Descritores: Anastomoses Intestinais, Mucosectomia, Fístulas.
INTRODUÇÃO
A mucosectomia nas proctocolectomias por doenças inflamatórias intestinais e
pólipos adenomatosos é utilizada com o objetivo de reduzir
o risco de recidivas na linha de sutura após
construção de reservatórios ileais. (1,2,3,4,5). Entretanto,
existem controvérsias quanto ao mérito de se realizar
a mucosectomia, sendo que alguns estudos sugerem
que a mucosectomia seguida de anastomose manual se associaria com pior resultado funcional do que
quando realizada a anastomose mecânica sem a mucosectomia (6,7).
Na cicatrização de segmentos do tubo
digestivo, é conhecida a importância da submucosa como
principal responsável pela aquisição de força tênsil
(8), devido à presença de grande quantidade de células
inflamatórias e fibroblastos, (9) sendo essas as
células responsáveis pela síntese do colágeno (10,11).
Após uma mucosectomia, teoricamente essas
superfícies estariam mais expostas e, portanto, a área sujeita
à reação inflamatória seria mais extensa, podendo
resultar não só em uma cicatriz mais forte, como
também favorecer ao aumento na incidência de estenoses.
Observou-se, em um estudo clínico, que
cerca de 47% dos pacientes submetidos às técnicas de
confecção dos reservatórios ileais após
mucosectomia apresentam complicações pós-operatórias, sendo
que a maioria dessas (16%) são decorrentes de
obstrução intestinal (3). Outro estudo relatou cerca de 25%
de incidência de abscessos perianastomoses nesse
procedimento (12). Entretanto, não se sabe se essa
reação cicatricial exacerbada pode ser pela exposição
da submucosa ou pelo trauma provocado pela retirada
da mucosa.
Em algumas situações clínicas, também,
a mucosectomia pode ser tecnicamente difícil, como
naqueles pacientes com colite ulcerativa grave,
podendo então ser realizado o debridamento químico da
mucosa por métodos variados, como hidróxido de
sódio, formalina e nitrato de prata (13)
Com o objetivo de avaliar alterações
cicatriciais no cólon de ratos após a mucosectomia química
com nitrato de prata, realizou-se este estudo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram estudados 25 ratos wistar fêmeas
com idade variando entre 3 e 4 meses. Esses animais
foram aleatoriamente distribuídos nos seguintes grupos
experimentais: A1 (n=6), anastomose colônica, sacrifício
no sétimo dia do pós-operatório; B1 (n=6),
mucosectomia química, sacrifício no sétimo dia do pós-operatório;
A2 (n=7), anastomose colônica, sacrifício no
décimo-quarto dia do pós-operatório; B2 (n=6), mucosectomia,
sacrifício no décimo quarto dia do pós-operatório.
Os animais foram anestesiados através de xilazina (10 mg/Kg) associada a quetamina (60
mg/Kg) IP. Após a anestesia, foi realizada
laparotomia mediana e identificado o cólon ascendente, sendo
feita sua secção, em um ponto distante da entrada de
grandes vasos a cerca de 3 cm do ceco, utilizando-se
tesoura cirúrgica. Após limpeza das duas bocas com
algodão embebido em solução salina a 0,9%, foi
introduzido em cada boca bastão de nitrato de prata a
10% (Araujo Farmácia de Manipulação, Brasil) durante
um minuto em cada abertura, envolvendo uma
extensão de cerca de 0,5 cm de mucosa colônica. Após a
verificação da necrose da mucosa, foi feita a sutura
intestinal em plano único evertente com pontos separados
de polivicril 6-0, sendo feitos cerca de oito pontos em
cada anastomose. Nos animais dos grupos A e C, foi
adotado o mesmo procedimento, sendo que
introduziu-se durante um minuto uma compressa de algodão
embebida em solução salina a 0,9% durante um minuto
no lugar do uso do bastão de nitrato de prata. Em
seguida, a cavidade abdominal foi fechada em dois planos,
sendo o primeiro, músculo aponeurótico, com sutura
contínua de categute 5-0 simples e a segunda, a pele,
com sutura contínua de seda 4-0.
Os animais foram mantidos em caixas separadas por grupos e, durante 48 horas, sua alimentação
foi restrita a solução glicosada a 25% ad libitum.
Após este período, e até o momento do sacrifício, os
animais receberam água e ração comercial padrão para ratos.
Após o tempo pré-estabelecido de
observação pós-operatória, os animais foram anestesiados e
feita a abertura da cavidade abdominal através de uma
incisão mediana. Foi feita a identificação da anastomose
e registradas as alterações macroscópicas na linha
da anastomose colônica. As alterações
macroscópicas pesquisadas foram a presença e o grau das
aderências (+, ausente; 2+, poucas, frouxas; 3+, intensas,
frouxas; 4+, aderências firmes), presença de
abscessos perianastomose, presença de peritonite, presença
de fístulas tamponadas, presença de dilatação de
alças colônicas ou entéricas acima da linha da
anastomose. Em seguida, foi identificada a aorta abdominal, que
foi seccionada para morte do animal por exsanguinação.
Um segmento de cólon de aproximadamente
3 cm, contendo em seu ponto médio a anastomose,
foi retirado para estudo da pressão de ruptura, de
acordo com método padronizado em nosso meio.
Resumidamente, a pressão de ruptura dos segmentos é
avaliada através de insuflação de ar em uma das bocas,
sob fluxo constante, estando o segmento imerso em
uma cuba contendo solução salina a 0,9%. O cateter
através do qual o ar é insuflado conecta-se também a
um manômetro de mercúrio, fornecendo a pressão
exercida pelo aparelho. A medida da pressão de ruptura é
dada pelo valor registrado no momento da ruptura da
alça, verificado pela presença do borbulhamento no
líquido contido na cuba (14).
Os segmentos colônicos foram depois
fixados em formol a 10%, a partir dos quais obteve-se
cortes histológicos corados pela hematoxilina-eosina e
pelo tricrômico de Gomori. Essas lâminas foram
avaliadas com relação à presença de mucosa colônica na
linha de sutura, grau da reação inflamatória e avaliação
qualitativa do colágeno na linha de sutura.
Os dados da macroscopia e da histologia foram comparados entre os dois grupos através do
teste do Qui-Quadrado, com correção de Yates, sendo
considerados significativos valores de p<0,05. Os
dados da pressão de ruptura das anastomoses colônicas
foram comparados entre os grupos através do teste
de Kruskall-Wallis, sendo considerados significativos
valores de p<0,05
RESULTADOS
Em relação à macroscopia, não se
observou fístula tamponada em nenhum animal nos quatro
grupos estudados. Houve aderências em 100% dos
animais do grupo A1, 100% dos animais do grupo B1,
75% dos animais do grupo A2 e 50% dos animais do
grupo B2. Não houve diferença significativa entre os
grupos. Observou-se obstrução parcial da anastomose em
25% das anastomoses do grupo A1, 40% das
anastomoses do grupo B1, 25% das anastomoses do grupo A2
e 50% das anastomoses do grupo B2. Não houve
diferença significativa entre os grupos (Figura 1).
Figura 1 - Percentual de aderências e estenose parcial
de anastomoses colônicas realizadas em ratos submetidos ou não
a mucosectomia aos 7 e 14 dias de pós-operatório. A1 (n=6),
sem mucosectomia, anastomose com 7 dias; B1 (n=6);
com mucosectomia, anastomose com 7 dias; A2 (n=7),
sem mucosectomia, anastomose com 14 dias; B2 (n=6)
com mucosectomia, anastomose com 14 dias. |
Figura 2 - Valor médio, em mmHg, da pressão de ruptura
de anastomoses colônicas realizadas em ratos submetidos ou não
a mucosectomia aos 7 e 14 dias de pós-operatório. A1 (n=6),
sem mucosectomia, anastomose com 7 dias; B1 (n=6);
com mucosectomia, anastomose com 7 dias; A2 (n=7),
sem mucosectomia, anastomose com 14 dias; B2 (n=6)
com mucosectomia, anastomose com 14 dias. |
Abstract: Objective: To evaluate, experimentally, the effects of chemical mucosectomy on colon healing in rats. Methods: We studied 17 male Wistar rats divided into following groups: A (n=12), colonic anastomosis; B (n=13), colonic anastomosis after use of 10% silver nitrate. The mucosectomy in group B was made by means introduction of 10% silver nitrate pencil into anastomotic surfaces during 1 minute in an extension of 0.5 cm. The anastomosis was made in single plane with evertent sutures of polyvicryl 6-0 in separated sutures. The animals were evaluated in the seventh postoperative day (A1, 6 of the group A and B1, 6 of the group B) and fourth postoperative day (A2, 7 of the group A and B2, 6 of the group B). The anastomosis was evaluated in macroscopic aspect (adherence, fistula, stenosis, perianastomotic abscesses, peritonitis), rupture pressure (mmHg) and histology (inflammatory infiltrate). The data were analysed by Chi-square test (qualitative data) and ANOVA (quantitative data), and considered significative values of p<0.05. Results: None animal presented fistula. The incidence of adherence was no different among the groups. (A1=100%, B1=100%, p= NS; A2=75%, B2=50%, p= NS). There were anastomosis partial obstruction in 25% of group A1, 50% in B1, 25% in A2 and 50% in B2, without significant differences among the groups. The rupture pressure was 27,0 ± 4,5 in A1 group, 34,5 ± 2,0 in B1 group, 28,9 ± 4,2 in A2 group and 24,0 ± 3,4 in group. There was an significant increase in pressure rupture in B1 group when compared with A1 group (p=0,03) and B2 group (p=0,02). Conclusion: The chemical mucosectomy with silver nitrate was not associated with increase in postoperative cicatricial complications in wound colon healing in rats. There was, however, an increase in anastomosis strength in early period of the cicatricial process, without influence in latter period.
Key words: Intestinal Anastomosis, Mucosectomy, Fistula.
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Endereço para correspondência:
Ivana Duval de Araújo
Rua Bento Mendes Castanheira 121 / apto 102
CEP: 31260-270
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Recebido em 07/02/2009
Aceito para publicação em 09/03/2009
Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais.