ARTIGOS ORIGINAIS
CIRURGIAS PROCTOLÓGICAS EM 3 ANOS DE SERVIÇO DE COLOPROCTOLOGIA: SÉRIE HISTÓRICA
Anorrectal Surgery: Outcomes of 3 Years After Coloproctology Group
ANA CAROLINA LISBOA PRUDENTE1; JUVENAL DA ROCHA TORRES NETO2; RODRIGO ROCHA SANTIAGO3; DAM RODRIGUES MARIANO4; MÁRIO COSTA VIEIRA FILHO5
1 Médica coloproctologista, mestranda da UFS; 2 Professor, Doutor e Chefe do Serviço de Colo-proctologia; 3 Médico assistente titular do Serviço de Colo-proctologia; 4 Médico residente em colo-proctologia; 5 Acadêmico de medicina. Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe - BRASIL.
PRUDENTE ACL; TORRES NETO JR; SANTIAGO RR; MARIANO DR; VIEIRA FILHO MC. Cirurgias Proctológicas em 3 Anos de Serviço de Coloproctologia: Série Histórica. Rev bras Coloproct, 2009;29(1): 071-076.
Resumo: Em 2007, 72,5% do movimento cirúrgico do Serviço de Coloproctologia do HU/UFS foi de procedimentos proctológicos. A experiência desse Serviço, em 3 anos, foi compilada e analisada retrospectivamente. Foram 455 pacientes submetidos a hemorroidectomias(40%), fistulectomias (20%) e fissurectomias (13%), sendo os demais, cisto pilonidal, fístula retovaginal, etc. As doenças orificiais prevaleceram em mulheres (54%) e na faixa etária dos 30 a 50 anos. Hemorróidas e fissuras
acometeram mais mulheres, enquanto as fístulas, homens. Hemorroidectomia a Milligan e Morgan foi realizada em 53,7% dos casos,
com níveis de dor e sangramento comparáveis aos de Ferguson. Ela proporcionou maior número de fissuras residuais e
incontinência fecal transitória. Estenose foi igual para as duas técnicas.A técnica de Ferguson tem o tempo de cicatrização inferior, mesmo com elevada taxa de deiscência. A fístula acometeu 4 vezes mais homens. Em 65% dos casos, a fistulectomia foi a técnica de escolha, com melhores resultados em termos de dor e sangramento, e piores índices de incontinência. Houve colocação de sedenho em 14% dos casos, mantidos em média por 20 semanas, e após sua retirada, 36% relataram sinais de incontinência minor. A fissura anal demonstrou uma preferência de cerca de 3 vezes maior pela comissura posterior. As fissuras anteriores ocorreram mais em homens.
Descritores: Cirurgias proctológicas, hemorroidas, fístulas, fissura anal, complicações.
INTRODUÇÃO
As cirurgias orificiais correspondem a cerca de 80% do total do movimento cirúrgico na
especialidade de coloproctologia, exceto em
centros especializados em outras patologias como câncer
ou doenças inflamatórias intestinais.
O Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de
Sergipe (SC-HU/UFS) vem crescendo em número de
procedimentos ao ano, desde a implantação do
programa de residência médica/MEC, há 3
anos. Estruturou-se com protocolos, discussões
científicas e ambulatórios especializados, a fim de facilitar
o aprendizado de acadêmicos e residentes, além
de confeccionar trabalhos científicos. Em
publicação prévia, foi demonstrado o perfil inicial das
cirurgias abdominais realizadas no mesmo período em
estudo no HU-UFS.
Assim, o trabalho em questão pretende demonstrar o perfil das cirurgias proctológicas
realizadas desde a instalação da residência médica
em coloproctologia no período de 2005 a 2007,
analisando as técnicas cirúrgicas e suas taxas de
morbidade, complicações pós-operatórias e o tempo médio de
cicatrização das feridas.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo que analisará todos os pacientes submetidos a
qualquer tipo de cirurgia proctológica pelo SC-HU/UFS
nos anos de 2005, 2006 e 2007.
A coleta de dados foi realizada em
prontuários dos pacientes quando internados e em
seguimento ambulatorial, buscando as informações existentes
em protocolo.
Houve o registro de identificação dos
pacientes, idade, gênero, registro no hospital, diagnóstico,
técnica cirúrgica utilizada e sua morbidade,
complicações cirúrgicas, tempo de cicatrização e,
posteriormente calculada a taxa de evasão.
Todos os dados foram organizados em planilhas do Microsoft Excell 2003, analisados por sistema
de filtro disponível no próprio software e dispostos em
forma de gráficos.
Todo o levantamento de dados foi autorizado pela diretoria clínica do HU/UFS.
RESULTADOS
Foram catalogados 455 casos, com
predomínio do gênero feminino, com 54% de pacientes (Gráfico 1).
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Gráfico 1 - Distribuição das cirurgias proctológicas quanto ao gênero. |
A faixa etária mais acometida foi de 30 a
50 anos, com cerca de 50% dos casos em ambos os
gêneros. No entanto, observou-se 30% de mulheres
abaixo de 30 anos (Gráfico 2).
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Gráfico 2 - Distribuição das cirurgias proctológicas quanto à
idade X gênero. |
A doença hemorroidária foi responsável
por 40% (182) dos casos operados no SC-HU/UFS,
seguida por 20% (94) casos de fístula e 13% (56) de
fissura anal. A hemorroida associada com outra patologia
perfez mais 10%, sendo mais freqüente a combinação
com fissura (Gráfico 3).
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Gráfico 3 - Principais diagnósticos. |
Outras patologias também foram contempladas e listadas na tabela 1.
Distribuindo os casos por patologias, observou-se que 44,9% dos pacientes com diagnóstico de
hemorroidas e 15,1% com fissuras eram mulheres.
No entanto, as fístulas anorretais acometeram homens
em 32,4% dos casos. (Gráfico 4).
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Gráfico 4 - Distribuição de patologias orificiais X gênero. |
Analisando especificamente hemorróidas,
observou-se que em 37% das indicações cirúrgicas
foram hemorroidas mistas (Gráfico 5). A média de
idade foi de 42 anos (18-88a).
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Gráfico 5 - Distribuição da doença hemorroidária. |
A técnica de Milligan e Morgan (MM) foi a
técnica mais executada no serviço. A híbrida refere-se
a associação de ligadura elástica de mamilos internos
com ressecção do componente externo (Gráfico 6).
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Gráfico 6 - Abordagem cirúrgica da doença hemorroidária. |
A dor é sempre uma complicação esperada
e presente, independentemente do grau da doença.
Notou-se uma redução importante de relatos de dor
com a técnica híbrida (Gráfico 7).
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Gráfico 7 - Comportamento da dor em pós-operatório
de hemorroidectomia. |
Não houve sangramento importante que necessitasse de reintervenção cirúrgica. Outras
complicações tardias foram evidenciadas: tivemos como
desvantagens para MM: maior taxa de fissura
residual, incontinência e estenose anal. desvantagens
para Ferguson: índices de plicomas elevados e
deiscência de ferida (Gráfico 8).
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Gráfico 8 - Outras complicações no pós-operatório
de hemorroidectomia. |
Na tabela 2, compara-se o período de
cicatrização das feridas.
A fístula anorretal afetou homens na
proporção 4:1, com média de idade de 39 anos. A
distribuição quanto aos orifícios externos foi igualitária,
evidenciando 23% de fístula anterior em mulher (Gráfico 9).
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Gráfico 9 - Distribuição quanto à localização das fístulas. |
A fistulectomia foi realizada em 65% dos casos. O avanço mucoso foi adequado a um caso de
recidiva de fístula complexa. Colocaram-se 14
sedenhos em fístulas complexas. Desses, já foram retirados
11, com relato de incontinência para gases em 36%
dos casos nos primeiros três meses (Gráfico 10).
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Gráfico 10 - Abordagens cirúrgicas das fístulas. |
Como complicações, o estudo constatou que
a fistulotomia apresentou um pouco mais de relatos
de dor e sangramento, 65 e 50%. No entanto, em 2
casos de fistulectomias, houve necessidade de revisão
cirúrgica. A incontinência
minor foi evidenciada em 6(10%) das fistulectomias em um tempo (Gráfico 11).
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Gráfico 11 - Complicações pós-operatórias das cirurgias
para fístulas. |
O perfil de cicatrização foi de 8,2 semanas
para fistulotomias e 12 semanas para fistulectomias.
Com relação ao sedenho, o tempo médio de permanência
foi de 20 semanas e, após a sua retirada, foi de 12
semanas o tempo médio para total fechamento da ferida.
Por fim, a fissura anal acometeu 68% de mulheres e a média de idade foi de 34 anos. Houve
predomínio das fissuras em comissura posterior em
ambos os gêneros, numa proporção de 3:1 em relação à
anterior. As fissuras anteriores esteve presente em
22% dos homens (Gráfico 12). A técnica preconizada
pelo serviço é fissurectomia com esfincterotomia
lateral esquerda. As complicações pós-operatórias
foram 62,5% de dor, 48,2% sangramento, 10,7% fissuras
residuais, e 3,5% de incontinência para gazes.
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Gráfico 12 - Distribuição quanto à localização das fissuras. |
DISCUSSÃO
Na rotina da especialidade, as doenças
orificiais são responsáveis por cerca de 50 a 80% das
consultas1,2, acometendo em geral as mulheres jovens,
como foi demonstrado no perfil deste trabalho, com cifras
de 72,3% e 54%, respectivamente.
Na experiência do Hospital Roberto Santos
- BA, foram catalogados 580 pacientes em 5 anos,
no entanto, 52,3% eram do gênero masculino, com
média de idade de 39,2 anos. Nela, a doença
hemorroidária foi a prevalente, com 42,6% dos casos operados
3. No SC-HU/UFS, 50 % das cirurgias deveu-se a
hemorroidas isoladas ou combinadas, seguidas por 20%
dos casos de fístula anorretal e 13% de fissura anal, o
que condiz com a literatura, onde o tratamento
cirúrgico das fissuras tende a diminuir, permanecendo a
doença hemorroidária como a principal causa de
intervenção cirúrgica na especialidade. No estudo em questão,
hemorroidas mistas foram a principal indicação, em
37% dos casos e, a técnica de Milligan e Morgan (MM)
foi adotada em 53,7% das cirurgias, por ser uma
técnica de fácil execução, rápida, e atraente aos residentes.
A técnica de Ferguson (FG) exige maior delicadeza,
habilidade técnica, e fios especiais.
Em relação às complicações
pós-operatórias, as principais e mais temidas são a dor e o
sangramento, o que ocorreu em mais da metade dos casos em
ambas as técnicas, como já era esperado. Atualmente, a
técnica híbrida e a macroligadura têm sido muito
utilizadas, com excelentes resultados em termos de dor
e sangramento, o que tem nos levado a diminuir
consideravelmente as feridas no canal anal. Outras
complicações importantes: incidência de plicomas residuais
foi o dobro nas FG, devido ao edema pós-operatório,
mesmo com taxas elevadas de deiscência de sutura.
As fissuras residuais foram mais encontradas nas
MM, alongando o período de recuperação. Taxas
de estenoses anais idênticas, em torno de 1,8%, foram
tratadas nos primeiros 30/60 dias com dilatações
seriadas. Interessante observar que todos os casos de
incontinência transitória (3,9%) foram dos casos
submetidos à MM, diferente da estatística apresentada
pelo Prof Magela (0,4% em FG) 4. O período de
cicatrização das feridas de FG foi menor
independentemente da extensão da ressecção tecidual. Os demais
índices foram condizentes com a literatura.
A fístula anal foi a segunda patologia mais
freqüente, ocorrendo especialmente em homens, sem
uma predileção de posicionamento dos orifícios externos.
Nota-se, porém, que 23% das fístulas em mulheres foram
anteriores, o que torna a continência preocupante, uma
vez que a musculatura perineal é mais escassa. Os
trajetos atípicos acometeram apenas mulheres portadoras
de Doença de Crohn. Não foi possível classificar as
fístulas segundo critérios de Parks, por ausência de dados
em prontuários. A fistulectomia foi realizada em 65%
dos casos, e fistulotomia em 22%, por opção do
profissional. Hernandez e cols realizaram fistulectomia em dos
70% dos seus 595 pacientes, fistulomia em 18,15%,
sedenho em 3,69% e avanço mucoso em 0,84%
5.
Na pesquisa, colocaram-se 14 sedenhos em fístulas complexas; já foram retirados 11, em média
após 20 semanas, com relato de incontinência para gases
em 36% dos casos nos primeiros 3 meses. O índice de
incontinência minor após fistulectomias em um só
tempo foi de 10%, com período de cicatrização alongado.
Theerapol e cols usaram sedenho em 47 pacientes
de rotina, com tempo médio de permanência de 15
semanas (2-67sem), sem casos de incontinência fecal
6.
Por fim, a terceira patologia mais comum foi a fissura anal, a qual foi tratada por fissurectomia
com esfincterotomia lateral, com sucesso. Houve
predomínio da úlcera na comissura posterior em ambos os
gêneros (3:1). Ao contrário da literatura, as fissuras
anteriores nesta casuística não foram mais frequentes
em mulheres. A dor e o sangramento são as
complicações de fácil manejo, embora fissuras e plicomas
residuais tornam o pós-operatório de difícil entendimento. A
taxa de incontinência foi de 3,5%, aceitável pela literatura.
O índice de evasão ambulatorial no período
foi de 16% (74 pacientes, que foram excluídos).
Outras cirurgias proctológicas foram
realizadas no SC_HU/UFS: cisto pilonidal, fístulas
retovaginais, eletrocauterização de HPV, porém em menor
escala, tendo apenas efeito descritivo no estudo.
CONCLUSÃO
Esse estudo focalizou as cirurgias orificiais por
sua representatividade no universo cirúrgico da Coloproctologia.
Numa retrospectiva de 3 anos (2005-2007), foram
coletados e estudados 455 casos no SC-HU/UFS, dando ênfase
ao papel da instituição enquanto formadores de generalistas
e especialistas na área de cirurgia colorretal.
ABSTRACT: In 2007, 72,5% of all surgeries of Coloproctology Departament were from anal procedures. Three years experience of
the Medical post-graduation were resumed and analyzed in this study retrospectively. Total 455 patients were submitted to
hemorrhoidectomy (40%), fistulectomies (20%) and fissurectomies (13%) and others like pilonidal disease, rectovaginal fistulas. In general,
these pathologies are more prevalent in women (54%) from 30 to 50 years old. Hemorrhoids and fissure affected more women, while
fistulas affected men. Milligan and Morgan's hemorrhoidectomy was realized in 53,7% of the cases with pain and bleeding patterns
comparable to Ferguson technique. It had provided a bigger number of residual fissure and fecal incontinence. Stenosis was the same in
both methods. Ferguson technique had lowest repair time, even with high tax of dehiscence. Fistula affects four times more men
than women. In 65% of the cases, fistulectomy was the technique choice, with better results in terms of pain and bleeding and worse tax
of incontinence. Seton was inserted in 14% of the cases, and it was used in average for 20 weeks, and after its withdrawal, 36%
referred minor incontinence. The anal fissure showed preference to posterior place. The anterior fissures occurred more in men.
Key words: Anorectal surgery, hemorrhoids, anal fissure, anorectal fistula, complications.
Referências
1 CASTRO LT; MUNIZ MV. Uso Profilático de Avanço
de Retalho no Tratamento de Hemorróidas. Rev bras
Coloproct, 2004;24(3):247-252.
2 MATOS D,SAAD SS et al. Coloproctologia _ Guias de
Medicina Ambulatorial e Hospitalar / UNIFESP. 1a ed, Ed
Manole, 2004.
3 SOUZA JVS, CARVALHO FR et al. Patologias orificiais:
Experiência de 580 casos. Rev bras Coloproct, 2003; vol 23: 34.
4 CRUZ GMG; SANTANA JL et al. Hemorroidectomia:
Estudo de 2.417 Pacientes Submetidos à Cirurgia para
Tratamento da Doença Hemorroidária. Rev bras Coloproct,
2006;26(3): 253-268.
5 HERNANDEZ O, NAVARRETE C et al. Surgical
management of anal fistula. Rev Gastroenterol Mexico, 2004; 4a ed,
vol 69:230-235.
6 THEERAPOL A, SO BY et al. Routine use of setons for
the treatment of anal fistulae. Singapore Med J, 2002; 6a ed,
vol43, 305-307.
Endereço para correspondência:
ANA CAROLINA LISBÔA PRUDENTE
Av Francisco Porto, 239 ap 1201 - Cd. Villa D'Oro
Tel: (79) 3217-7771 / 9977-9151
E-mail: aclprudente@uol.com.br
Recebido em 31/10/2008
Aceito para publicação em 15/11/2008
Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade de Sergipe.