Em 24 de junho deste ano falecia Felipe José Figliolini, aos 95 anos de idade. Casado com Maria da Penha, amada companheira por mais de sete décadas, sentiu sua perda, ocorrida poucos meses antes após longa enfermidade e, a partir daí, sua motivação de vida esvaiu-se. Numa de suas últimas internações, ironicamente pediu-me para tirar o clínico que o cuidava de cena, porque ele era muito bom e resolvia seus problemas médicos, o que ele não queria mais, pois os d´alma não tinham mais jeito.
Felipe Figliolini formou-se pela Escola Paulista de Medicina em 1948 e, no ano seguinte, foi aceito para estagiar em Cirurgia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em regime que corresponderia à atual residência médica.
Ali encantou-se pela cirurgia colorretal e conheceu aquele que seria seu grande amigo de toda a vida, Daher Cutait. No início, Daher era apenas seu chefe no então denominado Grupo de Cirurgia do Cólon, mas logo tornaram-se parceiros, numa profícua e calorosa relação que transcendeu a meramente profissional.
Por 25 anos trabalharam juntos, dividindo não apenas a vida universitária no HC e a científica (juntos publicaram em 1961 na Diseases of the Colon and Rectum a cirurgia de abaixamento para megacólon e câncer de reto, meses antes de Turnbull publicar técnica bastante semelhante e, algo curioso: eles não se conheciam até então!), mas também a vida profissional na clínica privada e, mais ainda, uma real convivência afetiva.
Na vida profissional, operavam juntos sem precisar falar muito, ou mesmo nada, tamanho era o entendimento entre ambos. Na vida pessoal, foram sem dúvida os melhores amigos um do outro e Maria da Penha e minha mãe Yvonne as melhores amigas uma da outra. Parecendo que não se cansavam de dividir o dia a dia, comumente jantavam juntos aos sábados, com outros casais amigos. Por algum arranjo do destino, tiveram os filhos, Virgínia e Felipe, na mesma época que meus pais e, assim, crescemos juntos, como uma grande família, à qual se incorporaram os filhos de Tiago Pontes, parceiro e dileto amigo de ambos. A amizade que nos uniu desde crianças permanece. Para minha mãe, a Virgínia sempre foi uma filha que ela não teve.
Felipe foi um excelente especialista, publicou vários artigos relevantes e presidiu nossa Sociedade em 1966, onde fez muitos amigos. Porém, para mim, ele era mais que um bom cirurgião, um bom especialista; ele era o tio Felipe, meu querido tio, que já me deixa saudades.
RAUL CUTAIT
Ex-presidente da SCBP (2003)