Grandes Nomes da Coloproctologia


A História Ilustrada da Coloproctologia e suas estórias

Por: Flávio Antonio Quilici 1

Co-autora: Lisandra Carolina Marques Quilici 2







“Era Antiga”


Atribui-se a Alcméon (510 a.C.) de Crotona, médico e filósofo grego, discípulo de Pitágoras, a frase:

“O homem distingue-se dos demais seres por ser o único que compreende, pois todos os demais percebem mas não compreendem.
m 1.859 a Retocolite Ulcerativa (RCU) foi descrita como entidade nosológica por Samuel “Wilks“ (fig. 134), trabalhando no Hospital Guy de Londres, pelo relato da necrópsia de um caso da enfermidade e que, posteriormente, ele encaminhou sua descrição, po
Essa frase define o que será relatado nessa nossa história da coloproctologia.

O ser humano, como o conhecemos (homo sapiens), tem aproximadamente 200.000 anos de existência, 5.000 de história escrita e 200 anos de grande desenvolvimento técnico-científico.

Talvez tenha sido essa capacidade de transmitir conhecimentos a seus semelhantes que propriciou ao ser humano sua sobrevivência como espécie e, certamente, a que lhe deu a supremacia na escala evolutiva.

A Medicina, no entanto, inicia-se com a própria origem humana.

Teve inicialmente um papel místico, quando as enfermidades eram interpretadas como sendo castigo divino, por pecados, conscientes ou não, do próprio indivíduo ou de seus familiares ou até mesmo de seus amigos.

Achados arqueológicos comprovam cirurgias obstétricas e craniana na era pré-histórica, com utilização de incisões com vários instrumentos feitos de pedra (fig. 1).


Figura 1: Achados arqueológicos pré-históricos de craneos humanos submetidos a trepanações.

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A Coloproctologia, que como especialidade médica poderia nos parecer recente, tem na realidade, uma história documentada de mais de 5.000 anos, incluindo uma série de técnicas operatórias e vários instrumentos cirúrgicos. Todas as culturas antigas fazem menções à coloproctologia, mais ou menos de forma explícita, como a realização do auto-enema na escultura da pré-história (fig. 2).


Figura 2: Escultura pré-histórica mostrando a realização de auto-enema

A coloproctologia egípcia



Uma das maiores descobertas intelectuais da história começou num dia de verão de 1.799, quando soldados de “Napoleão“ acharam, perto da cidade de Roseta, no Egito, um fragmento de basalto negro com inscrições em três línguas: em grego, em caracteres demóticos (escrita egípcia simplificada) e em hieróglifos. Os três escritos pareciam conter a mesma mensagem. Quando os linguistas conseguiram justapor os hieróglifos e o grego, toda a literatura do Egito Antigo foi revelada. Isto aconteceu em 1.822, por Jean-François Champollion, que descobriu que os hieróplifos misturavam significados fonéticos e simbólicos, que alguns textos se liam da direita para a esquerda, outros ao contrário, muitos de cima para baixo, e que alguns símbolos tinham dois sentidos diferentes. A “pedra de Roseta“ (fig. 3) como é conhecida, exposta no Museo Britânico, era um decreto sacerdotal, escrito no ano de 196 a.C., homenageando o Rei Ptolomeu, o Eterno. Essa descoberta permitiu as traduções que revelaram uma preciosidade histórica: os egípcios conheciam medicina, astronomia, geometria, usavam pesos e medidas e tinham um sistema organizado de governo.


Figura 3: Pedra de Roseta datada de 196 a.C.

Assim foram decifrados todos os hieróglifos descobertos até então, permitindo saber que já no período do Antigo Reino Egípcio, como nos escritos da coluna da deusa “Ísis”, de 2.750 anos a.C. (fig. 4), a medicina egípcia mostrava-se bastante adiantada, com a utilização de opiáceos para sedação cirúrgica. Nesta época, não havia somente uma classe médica no Egito, mas existiam especialistas das mais diversas áreas, inclusive para a “extremidade terminal do intestino”, portanto o coloproctologista. Entre os especialistas em doenças anais, um que era médico pessoal do Faraó, tinha o título de “Guardião do Ânus do Faraó” ouguardião da extremidade terminal do intestino real“, como descrito no hieróglifo encontrado em Khoui, Saqqara (fig. 5). Data de 2.550 a.C. a descrição de outros especialistas como o “médico de nariz“ do Faraó Sahure, chamado Sekhet-Enanakh.


Figura 4: Monolito do período do Antigo Reino do Egito (2.750 anos a.C.) com escritos sobre a medicina egípcia e


Figura 5: Hieróglifo do Antigo Império, de Khoui, Saqqara, com referências sobre o médico particular do Faraó, especializado em proctologia, cuja tradução literal é “O Guardião do Ânus do Faraó”.

A história escrita da medicina egípcia, começa cerca de 3.000 anos a.C., de acordo com o Papiro de Edwin Smith (fig. 6) encontrado num túmulo nas cercanias de Tebas (Egito), em 1.862, pelo egiptólogo americano, Edwin Smith e exposto na Sociedade Histórica de Nova York.


Figura 6: Papiro de Edwin Smith, contendo fórmulas médico-místicas do Antigo Egito (3.000 anos a.C.), encontrado em Tebas em 1.862.

Esse papiro era um rolo de 4,68 metros de comprimento e é considerado o primeiro manual cirúrgico dos tempos mais remotos (Antigo Reino) tendo relatos de procedimentos operatórios e trazendo uma descrição primitiva do cérebro e do coração. Contém 13 fórmulas médico-místicas, incluindo tratamentos para doenças intestinais, além de descrições de numerosos tipos de ferimentos e fraturas. Os conhecimentos nele contido são ainda mais antigos que os próprios papiros e, provavelmente, copiado de documentos mais remotos.

Na antiga medicina egípcia há relatos do emprego dos enemas de retenção, do uso de supositórios e purgativos para várias afecções.

Nele encontra-se descrito a existência de uma escola de medicina na cidade de “Edfu“ (fig. 7), instalada junto de um dos seus templos, com amplos jardins, onde eram plantadas as ervas medicinais.


Figura 7: Ruínas da cidade de Edfu onde havia uma escola de medicina

É desta época, o painel de madeira da tumba de “Hesy-Ra”, em Saqqara (fig. 8), na qual está registrada sua titulação, como chefe dos médicos e dentistas, sendo ele reconhecido como o primeiro médico do Egito Antigo que se tem notícia.


Figura 8: “Hesy-Ra” gravado em madeira, chefe dos médicos do Antigo Egito a cerca de 3.000 anos a.C.

A medicina era tida como ciência divina pelos egípcios e seu deus protetor era “Thot” (fig. 9). Já a deusa “Sekhmet“ (fig. 10) era quem trazia as doenças e as mortes para os egípcios.


Figura 9: Deus da medicina egípcia, “Thot“, gravado em hieróglifo e


Figura 10: Estatueta com a imagem da deusa Sekhmet, das doenças e mortes do Egito.

A ave íbis (fig. 11), com suas penas brancas, sua cabeça preta e longo bico, era sagrada para os egípcios. Era considerada a corporificação do deus Thot que através dela havia ensinado aos médicos um dos tratamentos mais importantes para a constipação intestinal, os enemas retais.


Figura 11: Escultura do pássaro ibis que habitava as margens do rio Nilo, cujo bico era referência para a realização de enemas.

Estória:
Diz a lenda que, certa vez, o deus Thot transformou-se no pássaro “íbis” para poder introduzir seu bico cheio d’água, no ânus de um médico que se banhava no Rio Nilo para ensinar-lhe assim, os benefícios dos enemas retais.

Em 1.873 o egigtólogo alemão, Georg Ebers, na cidade de Lúxor, comprou de um árabe, um volumoso rolo de papiro. O árabe dizia tê-lo encontrado no ano de 1.862, na cidade de Tebas, entre as pernas de uma múmia bem conservada. Esse rolo media 20,23 metros de comprimento, contendo ao todo 108 parágrafos em escrita pouco espaçada, de 20 a 22 linhas cada e em bom estado de conservação. O texto iniciava assim: “Começa aqui o livro da produção dos remédios para todas as partes do corpo humano...“.

Sabe-se hoje que o Papiro de Ebers (1.550 anos a.C.) (fig. 12) foi encontrado no santuário do médico-sacerdote “Imhotep“ (fig. 13) e encontra exposto na Universidade de Leipzig, Alemanha.


Figura 12: Papiro de Ebers (1.550 anos a.C.) escrito pelo médico-sacerdote egípcio Imhotep e


Figura 13: Estátua representando o médico-sacerdote egípcio Imhotep.

Imhotep, que significa “aquele que dá satisfação“, viveu na 111º dinastia e foi médico do Faraó Zoser (2.980 a.C.). Ficou conhecido como o pai da medicina egípcia e a ele era atribuído uma grande força curativa e seu culto foi dominante no Antigo Egito. Nesse papiro há 110 regras com preceitos de higiene, um breve tratado de fisiologia humana e receitas para numerosas moléstias digestivas, tais como, hemorróidas, diarreia, vômitos, além de ervas farmacológicas com efeito purgativo e emético. A medicina egípcia usava, segundo esse papiro, a romã para o tratamento das verminoses, o cálamo-aromático contra a disenteria, o açafrão em casos de cólicas abdominais e o levedo nos distúrbios intestinais.

O papiro de Ebers, bem como o papiro de Smith, revelaram-se ser cópia de manuais bem mais antigos, o primeiro sobre medicina interna e o segundo sobre cirurgia. Supõem-se que eram usados nas escolas médicas.

No ano de 1.300 a.C., há a primeira publicação conhecida, somente sobre assuntos proctológicos, no Papiro de Chester Beatty (fig. 14). Ele foi escrito pelo médico “Iri” da 19ª dinastia egípcia e hoje está exposto no Museu Britânico, em Londres. Nele há relatos de tratamentos para doenças intestinais e hemorroidária.


Figura 14: Papiro de Chester Beatty (1.300 anos a.C.) escrito pelo médico egípcio Iri, da 19ª dinastia.


O estudo das múmias egípcias, também auxiliou no conhecimento das doenças desse período, tais como, a existência de apendicite. Numa múmia da 21ª dinastia, Elliot Smith descobriu a presença de cálculos biliares e de prolapso retal.

A coloproctologia assírio-babilônica



Uma das civilizações mais antigas do mundo foi a que começou no vale dos rios Tigre e Eufrates, em torno de 3.500 a.C. Nessa região conhecida como Mesopotâmia (atual Síria) desenvolveram-se povos ricos e poderosos.

Ela iniciou-se com os sumérios que se notabilizaram por criar a escrita cuneiforme (fig. 15), que provavelmente antecedeu todas as outras formas de escrita: os primeiros escritos da Suméria foram achados nas ruínas da antiga cidade de Quish (fig. 16).


Figura 15: Escrita cuneiforme dos sumérios e


Figura 16: As ruínas da cidade de Quish onde eles foram encontrados

Notabilizaram-se também, por edificar cidades-estado, sendo a mais importante, a explêndida cidade de Ur, construída pelo Rei Ur-Nammu (fig. 17), fundador da 3ª dinastia Ur (2.000 a.C.).


Figura 17: Pintura retratando o que pode ter sido a cidade de Ur (2.000 a.C.)

No final do 3º milênio a.C., viveu um médico sumérico que registrou, numa pequena peça de cerâmica, uma dúzia de suas receitas mais valiosas, constituindo o manual médico mais antigo conhecido. Ele distingue-se das coletâneas posteriores por não mencionar deuses, demônios ou magia (fig. 18). Em outros textos de caráter médico há referências a oclusões intestinais, distúrbios biliares e hemorróidas (fig. 19).


Figura 18: Pequena peça de cerâmica aonde um médico sumérico desconhecido, registrou várias de suas receitas, sendo o manual médico mais antigo conhecido, do 3º milênio a.C. e


Figura 19: Monolito do final do 3º milênio a.C. contendo referências a doenças intestinais

No entanto, a mais importante civilização da mesopotâmia foi a babilônica. Quatrocentos mil habitantes viviam na esplêndida cidade da Babilônia, o maior aglomerado humano daquela época. Uma das sete maravilhas do mundo antigo foram seus jardins suspensos, construídos em 600 a.C., às margens do rio Eufrates (fig. 20).


Figura 20: Reprodução de como seriam os jardins suspensos da Babilônia (600 a.C.)

Seu mais importante rei foi “Hamurabi” (1.728-1.686 a.C.), o sexto da 1ª dinastia Amorita, que no ano de 1.793 a.C., estabeleceu uma série de leis, chamadas de “Código de Hamurabi” .

No ano de 1.902, foi descoberto um grande monolito negro de diorito, com mais de dois metros de altura, aonde se vê, na parte superior, o Rei Hamurabi, grande legislador, no momento em que o deus do Sol, “Chamach“, lhe entregava as quase trezentas leis que o tornaram imortal (fig. 21). E na parte inferior do monólito encontram-se os textos do célebre Código de Hamurabi gravados na pedra. Ela foi esculpida na Babilônia e, posteriormente roubada, e levada para a cidade de Susa (atual Irã), aonde foi encontrada e agora está exposta no Museu do Louvre em Paris.


Figura 21: Em A o monolito com o Código de Hamurabi e em B o momento que o deus Chamach entregava as leis ao Rei.

No código há 282 artigos sobre direito processual, saneamento básico, administração pública, etc. Nele, “Hamurabi” incluiu a especificação de honorários médicos e penalizações para suas imperícias. Vem dela a primeira tabela de honorários proctológicos: ""Se um doente for curado de uma enfermidade intestinal, o enfermo dará ao doutor, 10 siclos de prata"". Esse achado revela, provavelmente, o primerio honorário médico da coloroctologia.


A coloproctologia hindu



O livro mais antigo que se conhece, oRig-Veda (fig. 22) foi escrito há aproximadamente 5.000 anos, na Índia.


Figura 22: Livro mais antigo conhecido, o Rig-Veda, da civilização hindu (5.000 anos a.C.)

A chamada literatura Veda (palavra sânscrita que significa conhecimento) dos hindus compõem-se de quatro livros: Rig-Veda, Sama-Veda, Iadjur-Veda e o Atharva-Veda. No Rig-Veda encontra-se a mais remota fonte de informações, com referências aos sábios que acompanhavam as tribos nômades “com uma sacola repleta de ervas curativas“. Nele existem descrições de doenças, tais como, a tuberculose pulmonar e a lepra, além de orientações para amputação de membros. Os médicos faziam olhos artificiais, curavam os cotos dos membros feridos empregando a “soma“, uma planta que acalmava as dores, e vários tipos de próteses. No último livro, o Atharva-Veda, escrito no ano 700 a.C., encontra-se também, abundante conteúdo médico e conhecimentos anatômicos.

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Buda, quando renegou os vícios humanos por volta do ano 600 a.C. na Índia, abriu uma época de profundo humanismo. É a partir da era budista que o médico hindu desenvolveu o caráter ético. Esse caráter espalhou-se pelo mundo e ainda hoje, distingue sua missão em todos os lugares. Nos livros sagrados do budismo há um nome com realce especial, o do médico “Txaraca” (fig. 23), um grande clínico e cirurgião, que até nossos dias é lembrado pelas operações que realizou, entre as quais, uma de volvo intestinal, descrita como “nó-nas-tripas”. É dessa época a obra sobre a medicina da Índia e preservada para a posteridade, chamada “Txaraca-Samhita“ (Coleção de Txaraca) (fig. 24).


Figura 23: retrato do médico Txaraca e


Figura 24: Texto do livro Txaraca-Samhita

A seguir, desenvolveu-se na Índia a medicina racional com vários tratados médicos escritos em sânscrito por “Atréia“ e “Susruta“. “Atréia” (fig. 25), é considerado o maior clínico hindu e mestre de “Jivaka“, com escola na cidade de Táxila, no atual Paquistão. Ele descreveu e orientou o tratamento de várias doenças, incluindo as abdominais. Ensinou o conceito rudimentar de assepsia e antissepsia, orientou a construção de hospitais e um método para purificar lençóis e cobertores de doentes, com vapor d’água e fumigações.


Figura 25: Imagem do médico Atréia

A cirurgia apresenta grande desenvolvimento na cidade de Benares, e “Susruta” (fig. 26), considerado o maior cirurgião hindu da antiguidade (cerca de 800 anos a.C.), tinha como lema: “o médico que só entende de clínica ou só de cirurgia, é como um pássaro com uma só asa”.


Figura 26: Em A, o médico “Susruta” operando em paciente e em B, ensinando seus alunos

Em seu livroSusruta Samhita (fig. 27) descreveu, entre outras, as cirurgias: de laparotomia, de catarata, a craniotomia e a cistostomia para a retirada de cálculos vesicais. Também ensinou várias técnicas de cirurgia plástica, em especial para o nariz, com a colocação de próteses.


Figura 27: Imagens do livro Susruta Samhita, com referências ao tratamento das hemorróidas, denominadas de Arsa

Estória:

O corte do nariz e das orelhas fazia parte das punições preferidas na época Veda e dos antigos reinados hindus. Daí a importância da sua reconstituição pela cirurgia plástica, como descrito por Susruta em seu livro.

Os materiais para sutura incluíam as fibras de cascas vegetais, cabelos e tendões de animais. Fez menção também, ao tratamento das hemorróidas, chamadas de “Arsa” pelos hindus, dos abscessos e fístulas anais, do prolapso e dos tumores retais.

Estória:

Havia uma estranha técnica cirúrgica, descrita por Susruta, para a sutura de ferimentos intestinais na qual empregava as garras das grandes formigas negras de Bengala (fig. 28) para realizar essas suturas, incluindo anastomoses, com poucas deiscências e infecções.


Figura 28: Figura das grandes formigas negras de Bengala


A coloproctologia hebraica



O religioso povo hebreu invocava, frente às doenças, o auxílio divino e já utilizavam o conhecimento empírico da medicina. No entanto, é necessário lembrar que para os hebreus quem cura é Deus, sendo o médico apenas Seu ajudante. Também é Ele quem envia a enfermidade como castigo e às vezes como provação.

Nos cinco primeiros livros da Bíblia, chamados de o “Velho Testamento“ pelos cristões ou de Torahpara os hebreus (fig. 29), encontra-se o código de leis judeu, o “Talmude”, com 613 mandamentos abordando assuntos civis, penais e religiosos. É difícil enumerar a série de prescrições contidas nele, que unia do religioso ao sanitário e expostas com todos os pormenores. Neles estão preceitos ao asseio individual, tais como, banhos rituais, lavatórios, etc., à abstenção de ingerir certos alimentos, à regulamentação do contato sexual, às precauções anti-epidêmicas, ao isolamento dos enfermos e muito mais. No 5º livro da Bíblia, denominado de “Deuteronômio“, há uma curiosa norma que exigia aos soldados em campanha de enterrar suas fezes.


Figura 29: Torah com o código de leis judeu (Talmude) com referências sobre a coloproctologia

No “Velho Testamento”, existem várias passagens abordando as doenças anorretais e referências sobre as operações das fístulas anais. No livro nº 1, o de “Samuel“ (fig. 30), há descrição detalhada, no capítulo 6, da peste bubônica e com notável clareza de como preveni-la, protegendo-se dos ratos. Relata também, as longas e sangrentas batalhas travadas contra o povo filisteu (1.100 a.C.). Por volta de 1.030 a.C., os filisteus invadiram as terras altas da Judéia e venceram os judeus em Eben-Ezer, roubando seu sacrário portátil, a “Arca da Aliança“. Vem desse fato a passagem contida no capítulo 5, versículo 6: ""A ira de Deus cairá na forma de hemorróidas contra os filisteus, por roubarem a Arca da Aliança"".


Figura 30: Velho Testamento - 1º livro, o de Samuel

No livro nº 4, denominado de “Números“, (capítulos 13 e 14) há normas médicas para os cuidados com os leprosos, sobre o exame a que eles deveriam ser submetidos pelos sacerdotes-médicos (semiologicamente bem preciso), assim como, a importância do isolamento dos afetados.

Estória:

De acordo com o Velho Testamento, os judeus emigraram para o Egito por volta de 1.730 a.C., época na qual o povo hicso já dominava o país. Foi “Moisés“ (filho do povo judeu e educado nas classes dominantes do Egito) quem, após 400 anos (1.330 a.C.), levou-os para a Palestina, numa marcha de 40 anos pelo deserto. Durante essa marcha, Moisés impôs normas higiênicas rigorosas, na forma de “instruções divinas“, porém, absolutamente necessárias para seu povo sobreviver a essa caminhada monumental. Entre tantas, chama a atenção uma: “Quem tivesse que defecar, deveria afastar-se do acampamento, levando uma pazinha para enterrar, depois seu excremento.“

A coloproctologia chinesa



Para o tradicional pensamento chinês, o conceito cosmológico unificador é o “Tao“ – Mãe do Mundo – que manifesta-se no universo pelos famosos princípios do Yin e Yang (fig. 31). O Yin, significando o feminino, a terra, a escuridão, a debilidade, a doçura, o frio, a umidade e o Yang, o masculino, o céu, a luz, a força, a dureza, o calor, o desapego. O equilíbrio desses fatores é fundamental para o ser humano: sua saúde, serenidade e bem-estar.



Figura 31: Yin, o feminino e o Yang, o masculino

A medicina primitiva chinesa está baseada em três imperadores: Fu-Hsi, o mais antigo; Shen-Nung, considerado o “pai da terapia vegetal“ e Huang-Ti, responsável pelo livro Nei Ching, considerado o “cânon da medicina chinesa“.

“Fu-Hsi“ (fig. 32) viveu em cerca de 2.900 a.C. e foi o criador do “Pa kua“, conjunto de traços de Yin e Yang que representam todas as condições desses elementos dualísticos.


Figura 32: Fu-Hsi, Imperador e criador do “Pa-kua“ (2.900 a.C.)

“Shen-Nung“ (fig. 33), conhecido como o Imperador Vermelho, viveu em cerca de 2.800 a.C. e teria compilado o primeiro herbário médico, relatando mais de 300 fórmulas medicinais extraídas de plantas.


Figura 33: Shen-Nung, o Imperador Vermelho (2.800 a.C.)

Estória:

Shen-Nung, segunda a lenda, teria comprovado pessoalmente os efeitos dos seus fármacos, tomando uma poção mágica que deixava seu abdome transparente, o que possibilitava ver a ação das plantas medicinais no seu organismo.

“Huang-Ti“ (fig. 34), o Imperador Amarelo, viveu aproximadamente em 2.600 a.C. e a ele é atribuído o livro Nei-Ching“ (Doutrina do Interior) (fig. 35). Seu texto básico foi transmitido, oralmente, durante muitos séculos, aonde ele descreveu cinco tipos de tratamento, nesta ordem: curar a alma; nutrir o corpo; administrar medicamentos; usar a acupuntura; e usar a moxibustão. Valorizou a prevenção das doenças e é dele a frase “o melhor médico é o que ajuda antes que surja a doença“.


Figura 34: Huang-Ti, o Imperador Amarelo (2.600 a.C.) e


Figura 35: Livro “Nei-Ching“ da medicina chinesa

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A antiga técnica da “acupuntura“ foi aperfeiçoada pelo grande cirurgião “Hua-Tuo“ (190-265 d.C.) (fig. 36) da dinastia Han, na era dos Três Reinos. Ela tem como objetivo remover obstruções produzidas pela doença nos canais ou “Chin“, para conseguir a boa ordem no movimento dos princípios vitais e assim aliviar a dor e curar (fig. 37).


Figura 36: Hua-Tuo, grande cirurgião chinês e


Figura 37: Chin, os canais da antiga acupuntura

Estória:

Hua-Tuo foi chamado à corte do príncipe Tsao-Tsao, que sofria de intensas dores de cabeça. O médico aconselhou como tratamento a abertura da calota craniana (trepanação) do monarca. No instante que o cirurgião Hua-Tuo preparava-se para iniciar a cirurgia, o príncipe foi tomado de suspeitas de que Hua-Tuo queria assassiná-lo por ordem de algum adversário, mandou prendê-lo imediatamente. Logo após, ele foi executado em uma das celas do palácio.

A técnica da moxibustão, que frequentemente se associava à acupuntura, era preparada com folhas pulverizadas de artemisia vulgaris em bolas pequenas e deixadas arder, com um pouco de incenso, nos lugares perfurados previamente pelas agulhas da acupuntura.

Foi no século II d.C. que o célebre médico e alquimista “Ge-Hong“ (283-343) (fig. 38), oficial do exército chinês da Dinastia Jin, quem primeiro registrou a utilização de fezes humanas de indivíduos saudáveis para o tratamento de pacientes com diarreia aguda. As fezes, ditas saudáveis, eram diluídas em água quente e ingerida pelo enfermo como medicamento, por ele chamado de “sopa amarela“ (fig. 39). É a primeira descrição, na história da medicina, do uso da microbiota intestinal (fezes humanas) como tratamento de doença intestinal.


Figura 38: Ge-Hong, médico e oficial do exército chinês (283-343) e


Figura 39: A “Sopa amarela“ com fezes diluídas em água

“Li-Shizhen“ (1.518-1.593 d.C.) (fig. 40) é considerado o mais importante médico, farmacologista e naturalista da história chinesa. Escreveu o livro “Bencao Gang Nu“ (Compêndio de Matéria Médica), clinicou no Instituto Médico Imperial e foi médico particular do próprio Imperador da dinastia Ming dessa época.


Figura 40: “Li-Shizhen“ (1.518-1.593 d.C.) médico, farmacologista e naturalista da história chinesa

Estória:

Quando o Imperador da dinastia Ming foi acometido de intensa disenteria, seu médico particular, Li-Shizhen, baseado nos resultados conhecidos de Ge-Hong, tratou-o com a “sopa amarela“. Após sua rápida cura, o Imperador agradecido, quis saber qual medicamento o tinha curado - a “sopa amarela” - e até hoje não se sabe qual a resposta de Li-Shizhen para o Imperador.

A coloproctologia grega



Foi na Grécia que a busca da cura dos males do ser humano, começa a abandonar o aspecto sobrenatural das enfermidades e passa a ser estudada cientificamente. O deus da mitologia grega para a Medicina era “Asclépios” (fig. 41), filho de “Apolo”. Na iconografia, Asclépios é representado com um bastão na mão onde há uma serpente enrolada nele, sendo considerado o símbolo da profissão médica.


Figura 41: Escultura de Asclépios, deus da mitologia grega para a Medicina e seu bastão, símbolo até hoje, da medicina

Estória:

Asclépios, filho dos deuses gregos, Apolo e Coronis, foi iniciado na arte de curar pelo centauro Quiron. Aprendeu-a tão bem que conseguia restabelecer a saúde de todos os que o procurava, chegando mesmo a ressuscitar mortos. Isto gerou a ira de Hades que pediu providências a Zeus. Asclépios foi então castigado, sendo fulminado por um raio.

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A Medicina como ciência é personalizada pelo mais célebre médico grego, “Hipócrates” (460-377 a.C.) (fig. 42), nascido no ano de 460 a.C., na ilha grega de Cos (Kós) e considerado o “Pai da Medicina” ou o “Maior Médico da História“ (fig. 43). Filho e discípulo do famoso médico Eródico de Selímbria, foi quem iniciou a valorização da cirurgia como a ""arte da cura pelas mãos"".


Figura 42: Escultura do médico grego, Hipócrates (460 a.C.), pai da Medicina e


Figura 43: Pintura retratando a ilha grega de Cos aonde nasceu Hipócrates, na qual se vê seu professor, Eródico ensinando a arte da medicina

Hipócrates, dominou as escolas médicas e os médicos de seu tempo. Elevou-se acima da medicina sacerdotal e reuniu em sua pessoa todos os conhecimentos do passado. Propôs novas investigações e conceitos e impôs o pensamento médico mais completo da civilização antiga.

De acordo com os costumes da época, Hipócrates era um médico ambulante e exerceu a medicina por toda a Grécia, e provavelmente, estendeu-a até onde estão hoje a Líbia e o Egito. Com mais idade, ensinou sua arte de curar, na região da Tessália (Grécia), falecendo e sendo enterrado na cidade de Larissa, no ano de 377 a.C.

Hipócrates elaborou para os médicos, um rígido compromisso ético na forma de um juramento, que tornou-se um ícone moral à Medicina, sendo conhecido e respeitado até hoje, determinando as normas comportamentais básicas da conduta profissional dos médicos (fig 44).


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