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Desarterialização transanal
Artigo comentado pelo Dr. José Américo Bacchi Hora
Comentários sobre o artigo: Haemorrhoidal haemodynamic changes in patients with haemorrhoids treated using Doppler-guided dearterialization. A Parello, F Litta, V De Simone, P Campennì, R Orefice, A A Marra, M Goglia, L Santoro, A Santoliquido, and C Ratto. BJS Open. 2021 Mar; 5(2): zrab012.
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A técnica de desarterialização transanal para o tratamento da doença hemorroidária tem tido uma diminuição de adeptos nos últimos anos em nossa sociedade. Depois da publicação do estudo multicêntrico HubBLe[i], que considerou a sua eficácia semelhante à de duas sessões de ligadura elástica em pacientes com doença hemorroidária de graus II e III, muitos começaram a ver com certo ceticismo a sua indicação.
Nossa experiência pessoal com a técnica tem sido boa, com resultados sustentáveis em médio prazo, para pacientes com pouco componente externo[ii][iii]. Escolhemos este artigo de 2021, de um grupo italiano, que fez um estudo com Doppler pré e pós-operatório avaliando o efeito da cirurgia com a técnica THD, associado a resultados clínicos.
Publicado em março de 2021, no respeitado British Journal of Surgery, o estudo “Haemorrhoidal haemodynamic changes in patients with haemorrhoids treated using Doppler-guided dearterialization” foi realizado por autores italianos da Policlínica Agostino Gemelli e da Universidade Católica do Sagrado Coração em Roma, sabidamente entusiastas da técnica, com grande experiência[iv] e com longa relação com a divulgação e padronização do THD Doppler procedure, como o Dr Carlo Ratto[v], que tantas vezes nos visitou.
Entretanto, não há conflito de interesse declarado, apesar já ter sido relatado noutras publicações dos mesmos autores. Avaliado este possível viés, vamos ao estudo.
Trata-se de um estudo descritivo de uma série de casos que visa primariamente a avaliar o efeito nos parâmetros hemodinâmicos hemorroidários aferidos ao ultrassom endoanal com Doppler no pré-operatório e depois de um ano do procedimento. Secundariamente, são avaliados parâmetros clínicos de sintomas de doença hemorroidária. O número inicial de pacientes era de 21, mas quatro não foram submetidos ao exame pós-operatório para comparação, três pela associação de esfincterotomia devido a fissura anal associada, e um por recusa, restando 17.
É interessante salientar que, apesar dos autores comentarem na introdução que a técnica tem bons resultados em todos os graus de doença hemorroidária, foram incluídos apenas pacientes de grau III.
A avaliação hemodinâmica pelo Doppler aferiu velocidade sistólica de pico, índice de pulsatilidade, índice de resistividade, tempo de aceleração e velocidade diastólica final. Apesar de não se tratar de desfechos clínicos, são dados objetivos que nunca haviam sido publicados.
Neste pequeno grupo, foi demonstrada a redução importante do fluxo arterial e a melhora sintomática expressiva, com desaparecimento ou melhora significativa dos sintomas, documentada pela diminuição do score clínico utilizado. Esses dados tiveram significância estatística e demonstram os efeitos benéficos do procedimento na série estudada, de pacientes operados por uma equipe extremamente experiente e com um tipo específico de aparelho.
A validação externa em toda a população, com a utilização de outros tipos de materiais, por equipes com menos experiência ou que utilizem variações técnicas não pode ser atestada. Não sabemos como a alteração hemodinâmica se comporta em pacientes operados com doença hemorroidária de graus II e IV, nos quais o procedimento de desarterialização também pode ser indicado ou, ainda, após outras técnicas de tratamento cirúrgico e ambulatorial, em casos de grau III, para fins de comparação.
Assim, o trabalho coloca luz sobre os efeitos fisiológicos da desarterialização hemorroidária transanal, dando sustentação científica para sua realização, mas sem responder a nossas muitas dúvidas acerca da melhor opção de tratamento para nossos pacientes, que sofrem com sintomas relacionados às hemorroidas.
Referências
[i] Brown SR, Tiernan JP, Watson AJM, Biggs K, Shephard N, Wailoo AJ, Bradburn M, Alshreef A, Hind D; HubBLe Study team. Haemorrhoidal artery ligation versus rubber band ligation for the management of symptomatic second-degree and third-degree haemorrhoids (HubBLe): a multicentre, open-label, randomised controlled trial. Lancet. 2016 Jul 23;388(10042):356-364.
[ii] Sobrado CW, Klajner S, Hora JAB, Mello A, Silva FMLD, Frugis MO, Sobrado LF. TRANSANAL HAEMORRHOIDAL DEARTERIALIZATION WITH MUCOPEXY (THD-M) FOR TREATMENT OF HEMORRHOIDS: IS IT APPLICABLE IN ALL GRADES? BRAZILIAN MULTICENTER STUDY. Arq Bras Cir Dig. 2020;33(2):e1504.
[iii] Sobrado CW, Bacchi Hora JA, Sobrado LF, Frugis MO, Nahas SC, Cecconello I. Transanal hemorrhoidal dearterialization: Lessons learned from a personal series of 200 consecutive cases and a proposal for a tailor-made procedure. Ann Med Surg (Lond). 2020 May 29;55:207-211.
[iv] Transanal hemorrhoidal dearterialization (THD) for hemorrhoidal disease: a single-center study on 1000 consecutive cases and a review of the literature.Ratto C, Campennì P, Papeo F, Donisi L, Litta F, Parello A. Tech Coloproctol. 2017 Dec; 21(12):953-962.
[v] Ratto C. THD Doppler procedure for hemorrhoids: the surgical technique. Tech Coloproctol. 2014;18(3):291-298. doi:10.1007/s10151-013-1062-3
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